segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Memórias da chegada dos rapazes da guerra colonial, a Capelins

Memórias da chegada dos rapazes da guerra colonial, a Capelins

Depois das sortes, ou seja, das inspeções, no ano seguinte os rapazes eram convocados e recebiam uma guia de marcha para apresentação num dos diversos quartéis do exercito, podendo ser na primeira incorporação, ou nas seguintes ao longo do ano, mas todos preferiam que fosse o mais cedo possível, porque a espera causava ansiedade e se tinha de ser que fosse depressa, senão mais atrasavam a sua vida, a maioria dos rapazes de Capelins, faziam a recruta em Elvas, mas passados cerca de três meses, depois do juramento de bandeira, através do qual se comprometiam a sacrificar a sua vida pela Pátria, iniciavam uma especialidade e tinham de mudar de quartel, muitas vezes, para muito longe de casa, era o primeiro abanão na sua vida.

Depois da especialidade que podia ser, mais ou menos rápida, a maioria eram "atiradores", por isso, passados pouco mais de seis meses, se tanto, alguns já estavam a fazer adeus a bordo do Niassa, Vera Cruz ou outro navio, no cais da rocha do conde de Óbidos em Lisboa, e partiam para uma das três frentes de guerra, em Angola, Guiné ou Moçambique, poucos iam para Cabo Verde, Timor ou Macau, onde não existia guerra e, se não morressem na guerra, por lá permaneciam pelo menos dois anos, chegando a quase três anos no caso de Timor, onde o Niassa aportava de seis em seis meses e, antes de 18 de Dezembro de 1961, também, embarcavam militares para Goa, na India.

No caso dos capelinenses, que foram a essa guerra, dois não voltaram com vida e os seus restos mortais encontram-se no cemitério de Capelins, todos os outros, passado o referido tempo, chegaram a Capelins, quase todos na camioneta da carreira, foram poucos os que chegaram de carro de praça, ou de aluguer. 

Quando um militar comunicava à família e amigos o dia da sua chegada a Capelins, em poucas horas, toda a gente sabia e comentava com alegria, assim, no dia da sua chegada, muitos capelinenses deixavam o trabalho, pelo menos na parte da tarde e, a partir das 14 horas concentravam-se junto às paragens da camioneta da carreira, embora a hora da chegada fosse pelas 15,30, as pessoas faziam grupos, conforme as afinidades e falavam sobre as searas, sobre o tempo que fazia, sobre a guerra colonial que não tinha fim, o que os rapazes lá passavam, os que lá morriam, e tentavam adivinhar como seria a vida do rapaz que esperavam, se ficaria ali, ou se também emigrava, como quase todos. 

Quando a espera era em Capelins de Cima, porque era ali que o rapaz ficava, assim que a camioneta da carreira aparecia ao Monte da Igreja, ou no caso de ser em Capelins de Baixo, aos muros do Monte Grande, ouvia-se grande clamor: - "Já aí vem, se vier", e as mulheres e raparigas começavam a chorar em pranto, de emoção, e toda a gente se apinhava no lugar onde a camioneta parava, mas tinham o cuidado de deixar chegar os pais e familiares à frente, e quando ele saía, era grande confusão, toda a gente o queria abraçar ao mesmo tempo e fazer perguntas inoportunas, não havia filas, qualquer espaço livre, depressa deixava de estar e depois da camioneta seguir para Montejuntos, o fim da linha, ficava ali até o deixarem ir para casa, muitas vezes cansados e com fome, mas era impensável deixar alguém sem os devidos cumprimentos, beijos, apertos de mão e abraços. 

Depois de cumprimentar toda a gente, o rapaz ia para casa com a família, mas estava longe de ter sossego, porque nos dias e noites seguintes, a toda a hora chegavam visitas, algumas faziam serão a ver tudo o que ele trazia de África, colchas garridas e outras lembranças e, principalmente a ouvir as suas aventuras e peripécias, o bom e o mau que tinha passado durante os dois anos na guerra. 

Após uns dias de descanso, alguns rapazes, tinham necessidade de começar a trabalhar, voltando à vida normal, a mesma que tinham antes da partida para a guerra, mas a maioria, já vinham com outros horizontes e, assim que tiveram oportunidade emigraram para lugares onde encontraram empregos, uma vida melhor, com maior relevância para a cintura industrial de Lisboa e, Capelins foi perdendo a sua população.

Fim 

Texto: Correia Manuel   

Paragem da camioneta da carreira em Capelins de Cima





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