sexta-feira, 30 de setembro de 2022

A lenda do moleiro do moinho das Neves e de Lucifer

 A lenda do Moleiro do Moinho das Neves e de Lucifer

O Moinho das Neves, hoje submerso pelas águas do Grande Lago de Alqueva, situa-se na Ribeira de Lucefécit um pouco acima da foz do Ribeiro das Neves! Era o Moinho da Vila Defesa de Ferreira e, por ali passaram muitos moleiros, os quais, com as suas famílias ali permaneciam cerca de seis meses, instalados no moinho, na casa de apoio e, em cabanões junto à mesma! 
Um dos moleiros que lá esteve nos anos de 1800, foi o ti José Martins, da aldeia de Cabeça de Carneiro, casado com a ti Mariana da Conceição, a qual, além de tratar dos filhos, da comida, da roupa, da burra, ainda o ajudava na sua tarefa no moinho! 
Um dia, chegou lá um parente com um saco de trigo para moer, fazer em farinha e, a dizer à ti Mariana que a mãe estava muito doente, se a quisesse ver viva que fosse ainda nesse dia porque ela estava mesmo nas abaladas! A ti Mariana acabou de fazer a açorda, comeram mais cedo, organizou as coisa com o ti José, carregou a burra com meio saco de farinha, montou os gaiatos e seguiu pela estrada do vale de enxofre acima, Capelins de Cima, Portela, Terraço, Areias, Monte da Vinha e Cabeça de Carneiro! Foi a correr ver a mãe que já nem falava, mas teve a certeza que ainda a ouviu, mas a mulher depressa entrou em agonia, parecia estar só à espera da filha para se despedir e partir!
O ti José estava no moinho, como a noite escurecia, deixou as coisas orientadas e foi à casa que ficava 30 ou 40 metros  mais acima, em frente à porta juntou um feixe de lenha e fez lume para assar um bocado de toucinho para a sua ceia (jantar) com um quarto de bom pão, cozido no forno das Neves! Estava com o toucinho no espeto junto ao lume, quando ouviu uma voz assustadora que, parecia vir dos fundos da terra:
- Boa noite moleiro!
Naquele lugar, quando a Ribeira ia cheia, passavam muitas pessoas para a Aldeia do Rosário ou para Santa Luzia, por cima do açude, uma parede que ligava as margens entre a Defesa de Ferreira e a herdade de Santa Luzia, para estancar e canalizar a água para fazer mover a mó do moinho e, os passantes para um e o outro lado, sempre tinham uma palavra para com o ti José! Naquela noite ficou muito assustado, porque não ouviu a aproximação e deu um salto, ficando, imediatamente virado para o desconhecido! Ainda ficou mais assustado quando, com a luz do lume viu a figura que estava na sua frente, muito alta, fisionomia medonha e, ainda ficou pior quando lhe olhou para os pés, formados por cascos, pensou logo que era o Lucifér, mas disfarçou e disse-lhe! 
Moleiro: Boa noite, quem és tu? E o que queres daqui?   
Lucifer: Eu sou o Lucifer, o senhor desta Ribeira! Andam por aí a mudar-lhe o hidrónimo, mas esta é a Ribeira do Lucifer e será sempre a minha Ribeira! E continuou: - Deixas-me assar a minha ceia (jantar) aí no teu lume? 
O ti José olhou e, ficou aterrorizado quando viu o espeto do Lucifer cheio de cobras de água, ainda vivas a debaterem-se na tentativa de fuga impossível! 
Moleiro: A tua ceia são essas cobras de água? 
Lucifer: A minha e a tua, chegam para ti, se quiseres posso dar-te algumas, decerto nunca comeste coisa tão boa! Não têm espinhas, como os peixes que comes! 
O Lucifer, chegou, imediatamente as cobras ao lume do ti José e, depressa deixaram de se debater porque já estavam a pingar para cima do toucinho! 
Moleiro: Alto lá! Deixa-me lá assar o meu toucinho e, depois já assas as tuas cobras! Para mim, não quero nada disso! 
Lucifer: Não posso esperar, porque estou com muita pressa! 
Moleiro: Vamos lá ver se nos entendemos, o lume é meu e eu não quero cá isso em cima do meu toucinho! Mas que pressa é essa, que não podes esperar uns minutos? 
Lucifer: Tenho de ir já para Cabeça de Carneiro, porque a tua sogra está mesmo a acabar e eu tenho de lhe catar a alma! 
Moleira: Não acredito nisso! A minha sogra é das melhores pessoas de Cabeça de Carneiro, não merece ir para o inferno, a alma dela, decerto que não é para ti! 
Lucifer: Seja, ou não, tenho que lá estar, porque às vezes há surpresas! Vamos ver! 
O moleiro não estava a gostar da conversa, mas como tinha desvantagem física em relação ao Lucifer, sabia que a única salvação era mostrar-lhe uma cruz, mas onde é que a tinha? Deu voltas à cabeça, enquanto iam falando sobre a vida do moleiro,ali no Moinho, que moía com a água da sua Ribeira, até que o Lucifer lhe perguntou:
- Oh moleiro, já vi que sabes muito de moinhos, sabes dizer-me qual a dimensão ali do teu moinho, que tamanho tem? 
De repente, fez-se luz na cabeça do ti José e, pensou que era a sua oportunidade de se desfazer do Lucifer, meteu mais lenha no lume para dar boa luz e disse-lhe: 
Moleiro: Sei, sim Lucifer! Mas tenho de te fazer um desenho aqui no chão, ao pé do lume para perceberes bem!
Lucifer: Então faz lá o desenho e explica-me, bem explicado, senão, isto não tem bom fim!
Moleiro: Então, para veres bem chega lá aqui ao pé do lume! 
O ti José alisou bem o terreno passando as botas para um e outro lado e, o Lucifer, muito curioso, chegou a cabeça quase ao pé do lume, o moleiro, pegou no espeto do toucinho que era de ferro e disse-lhe:
- Olha Lucifer, o meu moinho é daqui, fez um risco bem fundo na terra, até aqui, e daqui até aqui, fez outro risco muito fundo a cortar o anterior, fazendo uma cruz! O Lucufer, viu a cruz mesmo na frente dos seus olhos, deu um grito estridente e esfumou-se! 
O ti José já não comeu o toucinho com pingo das cobras, enterrou-o, entrou em casa, comeu um pedaço de pão com queijo e, foi trabalhar para o moinho toda a noite, quase nem passou pelas brasas! 
Ao nascer do sol, foi a correr ao lugar onde tudo se tinha passado para confirmar se tinha sido mesmo real ou se tinha sonhado em algum momento que adormeceu e, lá estavam as marcas das patas do Lucifer e, a cruz bem saliente no chão! 
Pouco depois, chegou um parente que morava na aldeia de Cabeça de Carneiro a informá-lo que a sogra tinha falecido durante a noite! Foi à Vila de Ferreira - Neves, ali ao lado,  chamar um homem que por vezes o ajudava, para ficar no moinho naquele dia e foi ao funeral da sogra!
Quando o ti José voltou ao moinho, contou tudo à ti Mariana e, foram a correr fazer cruzes bem visíveis, com cal branca, no moinho, na casa e nas rochas em redor, sendo até motivo de chacota por parte de alguns clientes que, inventavam o que lhes convinha, faziam décimas  e, alguns começaram a chamar-lhe o moinho das cruzes, pensavam que tinha a ver com feitiçaria! 
O ti José e a ti Mariana ficaram convencidos que, foram as cruzes a afastar o Lucifer daquele lugar, mas acreditaram que a Ribeira era mesmo dele! 
As pessoas chamavam-lhe Ribeira do Lucefece (Lucefécit) para não pronunciarem a palavra Lucifer, porque, todos estavam convencidos que, se o pronunciassem ele aparecia! (Ainda hoje dizem: "Fala-se no diabo e ele aparece!"). 

Fim 

texto; Correia Manuel 

Casa do Moinho das Neves em Capelins








  



A lenda das benzeduras do Manel da ti Rosa

 A lenda das benzeduras do Manel da ti Rosa


Conta-se que, o Manel da ti Rosa, morador em Capelins de Baixo, no decénio de 1950, era jornaleiro na herdade da Zorra, cumprindo o horário de trabalho de sol a sol, a jorna incluía a comida, ou seja, andava a de comer, pelo que, depois da ceia já não compensava ir dormir a sua casa na Aldeia, assim, só voltava nos domingos à tarde para mudar a roupa que vestia e, entregar o dinheiro que ganhava, à sua mãe, a ti Rosa. 
Quando o sol aqueceu, no mês de Junho, o Manel  começou a queixar-se de dores de cabeça, e os companheiros mais velhos e experientes, diziam-lhe que tinha sol dentro da cabeça e, precisava de ser benzido para ele sair, mas o Manel não acreditava nisso, e dizia: - Como é que o sol entra para dentro da minha cabeça? Mas as dores continuavam e, sempre que se queixava, ouvia o mesmo comentário dos outros trabalhadores: - Tens que ser benzido do sol e vais ver que as dores de cabeça desaparecem.
O Manel não se encontrava melhor e, no domingo seguinte ao chegar a Capelins de Baixo, contou à mãe que andava com fortes dores de cabeça e os companheiros diziam-lhe que era o sol que estava lá dentro e tinha de ser benzido para ele sair, mas acrescentou que não acreditava nisso.
A ti Rosa que recorria às benzeduras da sua comadre Maria Gertrudes para tratar todos os males, ficou logo alvoraçada com o Manel, por ele dizer que não acreditava nas benzeduras e por ainda não lhe ter contado que tinha as dores de cabeça e disse-lhe. - Vamos mesmo agora à nossa comadre Maria para ela te benzer do sol e acaba-se já com isso! 
O Manoel começou por fazer finca pé dizendo: - Oh mãe, vocemecê acredita que o sol me entrou para a cabeça? 
Ti Maria: Acredito, sim, Manel, o sol está dentro da tua cabeça, mas a comadre Maria Gertrudes já o tira, vais ver! Anda daí! 
A ti Maria Gertrudes, era a rainha das benzeduras e toda a gente tinha muita fé, por isso, o Manel lá foi com a mãe que contou à comadre o que se passava e em poucos minutos o Manel já tinha um pano de linho dobrada em cima da cabeça com um grande copo de vidro quase cheio de água por cima do pano a fazer bolhinhas, as quais, conforme disseram as  comadres eram o sol a sair de dentro da cabeça e era tanto sol que começou a sair ainda antes da ti Maria ter tempo de começar a rezar as orações para esse efeito. 
As orações foram repetidas três vezes e, no fim o Manel recebeu a garantia de que as dores de cabeça tinham acabado, mas por segurança era melhor voltar no domingo seguinte, porque o sol dentro da cabeça dele era tanto, decerto ainda lá ficavam alguns restos. 
O Manel começou logo a sentiu-se melhor, voltou ao seu trabalho na herdade da Zorra e, nunca mais sentiu a dor na cabeça.
No domingo seguinte, o Manel apesar de estar curado, por exigência de sua mãe, voltou a ser benzido pela comadre Maria Gertrudes e, continuou a sair muito sol de dentro da sua cabeça, mas acabou por ficar curado.
A partir daí, o Manel ficou com muita fé e acreditava nas benzeduras da comadre Maria Gertrudes, fossem para o sol, nervo torto ou outros doenças.

A oração que a comadre maria Gertrudes dizia na benzedura do sol: 

Maria perguntou a Jesus
Como o sol se benzeria:
Com uma toalha lavada
E um copo de água fria
Em louvor de São José
E da Virgem Santa Maria
Que esta doença se cure
Nesta hora e neste dia
Padre Nosso... Avé Maria...

Existiam outras orações para o sol, como esta mais simples:


Nossa Senhora pelo mundo andou
o seu querido filho sol apanhou
Ela procurou
com que o curaria? 
com um pano de linho e um copo de água fria! 
Padre Nosso... Ave Maria...  

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira 







quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A lenda da mulher do vestido vermelho

 A lenda da mulher do vestido vermelho 

No início do mês de Junho de 1915, o ti Miguel da Roza, que morava em Capelins de Baixo, teve que abastecer a casa de farinha, porque já não tinham para a próxima cozedura, mas como já andava a ceifar as favas e a cevada, não lhe dava jeito perder uma manhã para ir ao Moinho das Azenhas Del-Rei, então, pensou em ir á tardinha e dormir lá no rio Guadiana, levava um saco de cevada e um de trigo e, se não houvesse farinha feita, dava tempo para o moleiro a fazer durante a noite e de madrugada voltaria a casa, aproveitando o dia para continuar a ceifar e, foi assim que fez! 
O moleiro, até tinha farinha para troca, mas mesmo assim, o ti Miguel ficou, porque era muito bom dormir naquele lugar mágico! De madrugada, carregou a farinha e seguiu pelo caminho que passava junto à fonte da lesma, deu água à mula, encheu o barril e não se demorou! Quando passava o Ribeiro do Carrão, já se começava a ver e reparou num vulto à sua frente, mais próximo viu que era uma mulher com um vestido vermelho, uma coisa nunca vista por ali! O ti Miguel pensou que devia ser alguma espanhola, ela virou-se e tinha a cara tapada com o lenço da cabeça, deixando-lhe os cabelos compridos à solta, a mulher levantou o braço direito fazendo sinal para ele parar o carro (carroça)! Aí, oh! Disse o ti Miguel e, a mula parou imediatamente!    
Mulher: Bom dia! 
Ti Miguel: Bom dia! 
Mulher: Então não me leva a cavalo até lá acima? 
Ti Miguel: Não levo! Eu não vou lá para cima, vou para Capelins de Baixo! 
Mulher: Está bem, leve-me até perto de Capelins de Baixo!
Ti Miguel: Então suba depressa aí pela rabicha, que eu não tenho vagar, estou com muita pressa! 
A mulher para chegar à rabicha do carro (carroça) levantou o vestido vermelho até quase aos joelhos, mostrando um palmo das canelas, o bastante para o ti Miguel começar a gritar para ela se afastar, porque já não a levava a cavalo! 
Mulher: Tão agora, o que é que eu fiz? Não me disse para subir pela rabicha? 
Ti Miguel: Oh mulher, ainda pergunta o que fez? Vocemecê não viu que faltou pouco para me mostrar as pernas? Quase que lhe vi os joelhos! Então se alguém visse uma coisa destas, uma mulher a saltar-me para o carro e quase de joelhos à mostra, o que eu arranjava com a minha Maria e o que diriam por aí! Eu sou uma pessoa muito honrada! Olhe vá a pé, comigo é que não vai! 
O ti Miguel não esperou mais explicações e deu ordem de andamento à mula, não olhando mais para a mulher! Seguiu pela estrada ao lado do Ribeiro do Carrão, pela Zorra, alto do malhão, Ribeiro da aldeia, Monte do marco e chegou a Capelins de Baixo! Assim que descarregou a farinha na casa do forno, foi contar tudo à mulher! Ela não acreditou em nada, mas com receio, não o contrariou! Com um vestido desses, devia vir de alguma festa e andava perdida ou era espanhola! "Nem uma coisa nem outra" mulher! É um mistério que anda por aí!  Disse o ti Miguel! A ti Maria ainda pensou: Decerto, que vinha a dormir e a sonhar com uma mulher de vestido vermelho, mas não se atreveu a dizer mais nada! 
O ti Miguel continuou a contar a toda a gente o acontecimento daquela madrugada e, além de quase ninguém acreditar, foram vistos muitos rapazes das terras de Capelins a passar pelo Ribeiro do Carrão, nas madrugadas seguintes, na esperança de ver a mulher do vestido vermelho, que tinha aparecido ao ti Miguel da Roza, mas nunca mais houve sinais dela!  
A intriga dos capelinenses era: "O que andaria a mulher a fazer, de madrugada, de vestido vermelho, no Ribeiro do Carrão"?  E, alguns diziam que devia ser alguma feiticeira que se atrasou na volta do baile.  

Fim 

Texto: Correia Manuel

Roncão - Capelins




A lenda do bácoro que ladrava como os cães

 A lenda do bácoro que ladrava como os cães 

Quando chegou o mês de Março do ano de 1895, o ti Domingos Lopes, seareiro, morador em Capelins de Baixo, disse à mulher a ti Maria Vicência que estava na hora de comprar o bácoro para o chiqueiro, por isso, ia dar uma volta por Santa Luzia, Aguilhão e Amadoreira, para ver o que por lá tinham e, de onde lhe agradasse daí o trazia! Na madrugada do dia seguinte, meteu a mula nos varais do carro (carroça) e, pôs-se a caminho, como a Ribeira de Lucefécit ainda levava muita água foi passar ao porto das Águas Frias de baixo, aí encontrou um desconhecido que, depois de alguma conversa e de saber o destino do ti Domingos, disse-lhe que andavam a vender bacorinhos num carro, (carroça) na Aldeia do Rosário e, eram muito bons e baratos! O ti Domingos já não foi para Santa Luzia, procurou o vendedor e depressa comprou o bácoro!  Pelas 11 horas já o tinha dentro do chiqueiro! A ti Maria foi a correr ver o novo bacorinho, ficou muito contente com a compra, deram-lhe uma travia de farinha de cevada com farelo e uma tigelinha de cevada, comeu tudo sem hesitar, dando sinais que era bom para a engorda!
A partir daquele dia, durante dois meses, decorria tudo normal com o bácoro, até que, uma noite o ti Domingos acordou com o ladrar de um cão, que não o deixava dormir, levantou-se e foi à porta zangar-se com ele, que parou um momento, mas logo continuou e o ti Domingos foi novamente à rua e, seguiu na direção de onde vinham os latidos chegando mesmo ao chiqueiro do bácoro, o qual, estava em pé, de olhos postos no ti Domingos e, momento antes tinha parado o latido, ele ralhou com um suposto cão mas, embora se visse como de dia, não viu nada, foi para casa e não demorou nada, voltou tudo ao mesmo, então, o ti Domingos foi pé ante pé até ao chiqueiro e ficou com a certeza que era o bácoro que ladrava! Voltou para casa e, contou à ti Maria! Ela não acreditou e disse-lhe que tinha apanhado sol na cabeça, no dia seguinte tirava-lhe o sol, com uma oração, um pano de linho e um copo de água fria! Como o ti Domingos não tinha maneira de provar o que tinha descoberto, deitou-se e, não falou mais no assunto! 
O bácoro do ti Domingos só ladrava nas noites de lua chia e não deixava dormir os donos nem os vizinhos, numa dessas noites o ti Domingos, obrigou a ti Maria a levantar-se, foram os dois muito devagarinho e apanharam o bácoro a ladrar no meio do chiqueiro! A ti Maria levou as mãos à cabeça e disse: "Ai valha-me Deus, isto é coisa de feiticeiras, amanhã temos de ir à bruxa de Terena e benzeu-se! Na manhã seguinte, levantaram-se cedo e foram tratar das galinhas e do bácoro, mas ele não estava no chiqueiro, ainda pensaram que o tinham roubado, mas lembraram-se que estava tudo ligado com o que tinha acontecido durante a noite, ainda o procuraram pelos ferragiais de Capelins de Baixo, mas só encontravam patadas de cão! A seguir foram à bruxa a Terena e contaram-lhe como tudo se tinha passado desde a compra do bácoro! A bruxa disse-lhe que nem o procurassem, porque nunca mais o iam encontrar, mas ele ia aparecer-lhe transformado em cão rafeiro alentejano numa noite de lua cheia e para não terem medo dele porque ele era muito submisso e muito meigo, e ensinou-lhe umas mesinhas para fazerem durante oito dias para afastar a feitiçaria da sua casa! A bruxa ainda adiantou: "conforme há pessoas, assim há animais"!
Um mês depois, numa noite de lua cheia, ouviram um cão a ladrar à porta, o ti Domingos deu um safanão na ti Maria, que quase a atirou da cama abaixo, mas ela também já estava acordada e disse-lhe: Vamos lá vê-lo? Eu não! Que medo! Disse a ti Maria! O cão não se calava e arranhava na porta, acabaram por ir ter com ele! Assim que os viu ficou muito contente a abanar a cauda a lamber-lhe as mãos, como a pedir-lhe desculpa, depois, deu meia volta e desapareceu pelo ferragial abaixo e nunca mais o viram nem ouviram! 
O ti Domingos Lopes, teve de ir a Santa Luzia comprar outro bacorinho para o chiqueiro, que engordou normalmente. 

Fim 

Texto: Correia Manuel


Chiqueiro em Capelins






A lenda do lobo de Santa Luzia

 A lenda do lobo de Santa Luzia 

A herdade de Santa Luzia, situa-se no lado Este da Freguesia de Capelins, com a Ribeira de Lucefécit a impor a sua separação. Devido ás suas características geográficas, com muito mato, chaparros, depressões, como o entalão da moura e, também ao seu afastamento das aldeias, era uma região paradisíaca para os lobos, antes da sua extinção por aqui, os quais, invadiam constantemente o território de outros lobos residentes no lado de cá da dita Ribeira. 
No início do mês de Maio, do ano de mil oitocentos e noventa, o pastor da herdade do Roncão, o ti António Gomes, andava a guardar as ovelhas nesta mesma herdade, muito próximo da Ribeira e reparou que, do outro lado, estava um lobo muito bonito, diferente dos outros, nos olhos e pelagem! Pela sua experiência, deduziu que aquele lobo era chefe de uma alcateia, mas era estranho estar ali sozinho em pleno dia, tão perto dele e dos seus cães! Não deu ordem de ataque aos cães, porque o lobo parecia querer dizer-lhe alguma coisa, com os olhos fixos, em sinal de submissão e, assim ficaram ambos a fixarem-se durante alguns minutos, até que o lobo deu meia volta e desapareceu no mato! O pastor durante o resto do dia não pensou mais no lobo, mas passou a noite a sonhar com ele, um animal muito submisso, grande amigo, brincavam juntos, guardava e defendia as ovelhas dos outros lobos, muita amizade entre eles! No dia seguinte, estava no mesmo sitio a guardar as ovelhas e não tirava os olhos do lugar onde tinha visto o lobo no dia anterior e não demorou nada, lá estava ele, ainda mais perto com o mesmo olhar para o pastor e, este para ele! A partir daí, esta situação repetiu-se todos os dias, mais de um mês, o lobo estava sempre sozinho, cada vez mais tempo e, quando outros lobos se aproximavam já à noitinha, não era necessário atiçar os cães, era ele que não os deixava aproximar das ovelhas, muito do que tinha visto no sonho estava mesmo a acontecer! O pastor, andava cada vez mais descansado com o rebanho, já nem ligava à presença do lobo e esperava que um dia viesse a fazer-lhe festas e passar a mão  naquele pelo tão sedoso, já tinha estado a pouca distância e mostrava sempre submissão, não tinha dúvidas que o animal já estava amestrado!
Como tinha a choça em frente ao Monte do Roncão e sabia que os lobos nunca atacavam durante o dia, agora ainda com mais confiança por ter por ali o lobo, deixava os cães a guardar as ovelhas e ia lá jantar (almoçar) com a mulher e os filhos, mas não se demorava, ia dormir a sesta debaixo de um chaparro junto ao rebanho! Cada vez sentia mais segurança e um dia depois do jantar (almoço), pensou em dormir a sesta na choça, mas acordou sobressaltado, porque sonhava que uma alcateia de lobos atacava o rebanho, levantou-se e foi a correr, mas estava tudo calmo! Nos dias seguintes continuou a dormir a sesta na choça, cada vez mais descansado, até que, um dia, quando chegou junto dos chaparros onde as ovelhas acarravam, ficou aterrado, os cães estavam mortos e, o rebanho dizimado, muitas ovelhas mortas, outras feridas, um cenário aterrador, não conseguia perceber o que tinha acontecido! Caiu de joelhos e ficou a chorar, quando ganhou coragem foi ao Monte pedir ajuda! O lavrador e alguns criados foram com ele e encontraram uma situação muito triste, ninguém percebia o que tinha acontecido, como é que os lobos tinham atacado durante o dia, repararam que não tinha sido por fome, porque não tinham comido nenhuma ovelha, foi pelo prazer de matar! Enquanto andavam a tratar os animais, a enterrar outros, o pastor andou sempre a chorar e a exclamar: "Juro que vais pagar, vais, vais, grande falso, que bem me enganas-te"! Os criados não entendiam e pensaram que o pastor não estava bom da cabeça, devido ao que tinha acontecido! 
O lobo, nunca mais voltou, tinha enganado o pastor, ganhou a sua confiança e, assim que teve oportunidade, foi com a sua alcateia e dizimou-lhe o rebanho! 
Todos os anos eram feitas batidas aos lobos, porque matavam por aqui muito gado, assim, o pastor começou a participar nessas batidas porque sabia qual era o território da sua alcateia, na área do entalão da moura até ao Aguilhão, por isso, fazia questão de bater bem todo esse espaço geográfico, mas nada, o lobo era muito inteligente e conseguia escapar, ou tinha mudado de território! O pastor já andava sem esperança e com ideia de desistir de ir ás batidas, mas decidiu ir pela última vez, foi passando tudo a pente fino e, quando chegou ao entalão da moura deu de frente com ele a fixá-lo, gritou, gritou e levantou o pau ferrado na sua direção! O lobo fugiu à sua frente, o pastor foi a correr e a gritar para avisar os caçadores da presença do lobo e, ele foi meter-se mesmo na boca do lobo, ou seja nas portas de espera e, quando o pastor lá chegou o lobo estava tombado, ainda vivo, de olhos muito abertos, esperando a chegada do pastor, depois olho-o fixamente, como a pedir-lhe perdão pela sua falsidade e morreu! 
O pastor voltou, imediatamente para junto do seu rebanho, a sua missão estava cumprida, mas nunca mais esqueceu aquele lobo! Continuou a pensar que, ele queria ser seu amigo e, só não foi, por ter sido traído pelo seu instinto, de matar. 

Fim 

Texto: Correia Manuel

Santa Luzia





A lenda da sobrinha do padre de Capelins

 A lenda da sobrinha do Padre de Capelins 

Nas últimas décadas de 1800, chegou ao fim da sua missão, mais um Pároco de Capelins, esperando a todo o momento a sua substituição e, era o tema das conversas em toda a Paróquia! Os paroquianos tentavam  adivinhar como seria o novo padre, porque desta vez era diferente, a vaga seria preenchida por um Cura que vinha da Paróquia de Redondo e não de Terena, por onde tinham passado todos os anteriores que, mais tarde passavam a Curas das respetivas Paróquias, por isso, era um mistério! 
Finalmente, o Cura José Fernandes chegou a Santo António, esteve alguns dias com o seu antecessor para este lhe explicar em que pontos se encontrava a Paróquia e quais os seus direitos e deveres perante os paroquianos! A primeira missa no Domingo, foi muito bonita, rezada pelos dois padres, um para fazer as despedidas e o outro para se apresentar! Foi um dia de festa em Santo António, nem um terço dos paroquianos tinham lugar dentro da Igreja de Santo António, todos queriam despedir-se do velho padre e, ao mesmo tempo conhecer o novo, porque decerto continuava a ser o tema das conversas na semana que se seguia! O padre José Fernandes já tinha quarenta anos e, com muita experiência em presença de multidões, por isso, sabia o que fazer para agradar aos fregueses e, de verdade foi fácil cativar os seus paroquianos que, no entanto, continuavam apreensivos sobre o motivo do padre querer vir meter-se nesta paróquia tão isolada! 
O novo padre instalou-se na casa paroquial e, começou a trabalhar imediatamente, com a ajuda do sacristão, foi conhecendo e sabendo quantos eram, quem eram e como eram os paroquianos, assim como, os mais e menos complicados, os mais beatos e beatas! O padre adaptou-se facilmente ao novo lugar e ao fim de três meses estava a par de todos os assuntos da Paróquia! 
Um dia começou a dizer ao sacristão, às beatas e aos vizinhos que moravam junto à igreja que tinha uma sobrinha a viver sozinha no Redondo e queria que ela viesse para junto dele, porque, embora ele não estivesse mal, a sobrinha estava sozinha e, assim, fazia-lhe a comida, lavava e passava a roupa a ferro e ficava melhor ali com ele! Em poucos dias esta novidade espalhou-se pelas terras de Capelins, havia grande curiosidade, como seria a sobrinha do padre, nova, bonita, feia, velha, cada qual imaginava-a à sua maneira! 
Passou menos de um mês, numa manhã, chegou à Igreja de Santo António uma carroça carregada com arcas de madeira cheias de roupas, louças e outros utensílios e, também vinha uma senhora muito bonita, bem vestida, bem penteada que, era a suposta sobrinha do padre, cumprimentaram-se efusivamente, à frente da comissão de boas vindas, formada pela vizinhança, beatas, e outros curiosos, o padre apresentou-a e, disse que se chamava Rosalina! Depois, alguns ajudaram a meter tudo em casa e, só ao fim do dia conseguiram ficar sozinhos, então, abraçaram-se beijaram-se e reiniciaram o que já se passava no Redondo, ou seja, a sua ligação amorosa, porque a Rosalina não era sobrinha do padre, mas sua amante, por isso, tiveram de sair do Redondo, porque a sua relação amorosa estava a dar que falar! Em Santo António, estavam mais resguardados dos olhos da censura, porque o lugar era isolado e, isso permitia-lhe viver a coberto da mentira! O tempo foi passando, a sobrinha do padre como era conhecida, era muito cobiçada por todos os rapazes em idade casadoira, passavam em ranchos em frente à casa paroquial, mas não conseguiam por-lhe a vista em cima, a não ser na presença do padre, mas por respeito, não se atreviam a olhá-la de frente! A Rosalina nunca saía sozinha, raramente ia a casa das vizinhas e pouco se demorava para não dar aso a conversas que a comprometessem! Tudo isso, intrigava os fregueses das terras de Capelins que, tentavam por todos os meios, saber da vida da Rosalina! 
Quando o padre chegou a Santo António, pediu ao sacristão para lhe indicar um barbeiro que fosse todos os sábados, de manhã, cortar-lhe a barba e aparar o cabelo, caindo essa escolha no mestre Manoel Carocho, homem de sessenta anos, já viúvo e, morador no Monte do Pinheiro o qual, pelas 11 horas de sábado estava sempre ao serviço do senhor padre!
 No primeiro sábado em que a Rosalina já estava na casa paroquial, o padre apresentou-a ao mestre Manoel como sendo sua sobrinha que vinha viver com ele para Santo António e depois do serviço de barbeiro feito, perguntou-lhe se tinha jantar (almoço)!
Ti Manoel: Tenho, sim senhor padre, nos sábados antes de vir deixo sempre as sopinhas cozidas, depois ao chegar é logo jantar (almoçar)!
Padre: Hoje, não vai comer as suas sopas ao meio dia, ti Manoel, come-as à noite, agora come aqui com a gente, a minha sobrinha cozinha muito bem e contou consigo para o jantar (almoço)!
Ti Manoel: Não, agradeço-lhe mas não quero incomodar, fica para outra vez! Vou-me já embora!
Padre: Não, ti Manoel, é como eu disse, ponha aí o estojo e logo vai depois de jantar!
O ti Manoel não teve como dizer que não e, ficou para o jantar!
A Rosalina sabia cozinhar muito bem e o ti Manoel nunca tinha comido um jantar tão bom! No sábado seguinte repetiu-se  a mesma situação, o ti Manoel não queria, mas o padre insistiu e teve de ficar para jantar e partir daquele sábado nunca mais deixou de jantar (almoçar) com o padre e com a Rosalina, crescendo cada vez mais a amizade entre o três! 
O padre e a Rosalina faziam vida de marido e mulher, sem darem nas vistas, pensavam eles, viviam em grande felicidade! Os anos foram passando, sem nenhum problema, até ao dia em que a Rosalina descobriu que estava grávida, esse dia e os que se seguiram,  foram um pesadelo para ambos, não comiam, não dormiam sempre a pensar como poderiam resolver a situação! As hipóteses não eram muitas, ou o padre despia a batina e sobre grande vergonha saíam de Santo António defraudando os paroquianos, mas depois como iam viver? Que vida podiam dar ao filho ou filha que vinha a caminho? A Rosalina propôs-lhe ir ela embora para o Redondo ou para Évora, teria a criança longe dali e, à noite abandoná-la na roda da Misericórdia! O padre disse-lhe que nem pensar, era um crime moral e não podia abandonar um filho! Pensavam, pensavam e não encontravam uma solução com sentido! Numa noite em que não fecharam os olhos, pelas cinco da manhã, o padre chamou a Rosalina, estás a dormir? 
Rosalina: Não, até agora ainda não fechei os olhos! 
Padre: Nem eu! Olha, acho que encontrei a solução para o nosso problema, se tu aceitares! 
Rosalina: Então diz lá, decerto que aceito! 
Padre: Como sabes, o ti Manoel Carocho, o meu barbeiro, é viúvo, nada o impede de casar! Tu és solteira, nada te impede de casar! Eu sou padre, posso fazer o assento do casamento! Sei que o ti Manoel nos vai ajudar, é um casamento só no papel, mas depois tem de assinar como pai do nosso filho, custa-me muito isso, mas não encontro outro caminho! Tenho de lhe contar tudo, mas sei que mesmo que ele não aceite, não abre a boca! Mas tenho de lhe oferecer em troca que tratamos dele até ao fim da vida! Estás de acordo? 
Rosalina: Não sei! Custa-me muito fazer parte dessa mentira, mas aos olhos de Deus já estamos perdidos, por isso para viver contigo, não me importo e também não encontro nada melhor! Mas temos outro problema, quando o nosso filho ou filha nascer, ainda não há nove meses de casados! 
Padre: Pois não! Mas já pensei em tudo! Vou dizer às beatas que tu já andavas com ele há muito tempo e que eu os apanhei juntos, assim explica-se a diferença desse tempo! Agora só falta o ti Manoel aceitar! 
Rosalina: Pois! Não te esqueças que eu tenho trinta e uma anos e o ti Manoel tem sessenta, isso vai dar falatório! 
Padre: Não te preocupes! Deixa lá isso, há por aí muitos casos desses de viúvos casados com mulheres muito mais novas! Eu remedeio isso! 
Rosalina: Então, sendo assim, trata disso com o ti Manoel, eu só quero é ficar contigo aqui em Santo António!
Padre: Está bem, é no sábado, fazes um bom jantar (almoço), para o deixares impressionado e depois do jantar eu falo com ele! 
Conforme estava planeado, depois do jantar, a Rosalina meteu-se no quarto e o padre disse ao ti Manoel que queria falar com ele para lhe fazer um pedido, ele nem o deixou falar, disse-lhe que sabia o que o padre lhe queria pedir, não valia a pena muitas explicações! O padre ficou surpreendido e o ti Manoel disse-lhe que ele e a Rosalina habituaram-se à sua presença e esqueciam-se de disfarçar, já havia muito tempo que sabia do seu envolvimento, como também sabia que a Rosalina estava grávida, pela mudança do seu corpo e estava disposto ajudá-los! O padre ainda insistiu em querer contar os pormenores da proposta, mas o ti Manoel repetiu que não valia a pena dizer mais nada, era só ele falar com os filhos e o padre podia tratar logo do casamento, no papel, claro! 
Quando nas terras de Capelins e arredores as pessoas souberam do casamento, ninguém queria acreditar, como é que uma rapariga como a Rosalina, tão nova, tão linda, com tantos rapazes, alguns ricos que queriam casar com ela foi escolher o ti Manoel! Houve muitos comentários: Isto são os tempos, anda tudo ao contrário! Outros diziam: Foi ele que enganou a rapariga, sempre metido lá em casa apanhou-a sem ela dar por isso e o padre nem via nada! 
O casamento foi registado e, sete meses depois, o ti Manoel foi pai de um menino! Para convencer os fregueses o ti Manoel ficou lá uns dias em casa e começou a frequentar ainda mais vezes a casa do padre, dormia lá uns dias pelos outros ou ia de madrugada para depois sair e fingir que tinha lá dormido! O tempo foi passando sem nenhum comentário de relevo e, três anos depois o ti Manoel foi novamente pai de outro menino, houve mais comentários mas nada que desse muito que falar! 
O aparente trio amoroso continuava, sem nada de anormal, mas cinco anos depois o ti Manoel adoeceu com uma pneumonia e ficou em casa do padre, mas estava cada vez pior e passados quinze dias fizeram-lhe o funeral, ficando a Rosalina viúva e com trinta e nove anos! A morte do ti Manoel não deixou de ser um alívio, mas só até ao momento em que a Rosalina descobriu que estava grávida, o problema era que engravidou um mês depois do falecimento do marido, logo a gestação seria de dez meses! Não havia nada a fazer! Quando a criança nasceu, uma filha, o padre recuou quinze dias no nascimento e os outros quinze passaram despercebidos, porque ainda havia quem dissesse que o ti Manoel ainda fez uma filha depois de receber a estrema unção! 
Passados mais cinco anos a Rosalina ainda teve outra filha, mas o padre encarregou as beatas de dizerem que era filha de um lavrador que não queria dar a cara e então foi registada como filha de pai incógnito e o problema ficou resolvido! 
Era uma família baseada na mentira, mas muito feliz, os filhos nasceram e cresceram em Santo António, aprenderam a ler e escrever com os pais e os rapazes quando chegaram à idade própria foram estudar para o Seminário de Évora, mas não seguiram para padres, ao fazerem os seus estudos foram admitidos como funcionários do reino, casaram e organizaram família em Évora, as suas irmãs foram para sua casa de onde saíram para casar com rapazes de boas famílias! O padre José Fernando e a Rosalina também acabaram as suas vidas em Évora, perto dos seus filhos e netos!
Nas terras de Capelins, toda a gente soube a verdade! Os filhos não eram do ti Manoel, mas do padre José Fernandes e a Rosalina não era sua sobrinha, mas mulher! Este insólito acontecimento, foi sendo contado de geração em geração, chegando aos nosso dias e todos os capelinenses o conhecem.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Lugar de Santo António - Capelins 



quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A lenda do Chico franzino que enganou o Padre de Capelins

 A lenda do Chico franzino que enganou o Padre de Capelins 

Conta-se que, na quinta feira, dia 10 de Setembro do ano de 1840, o Pároco de Santo António, padre Manoel de Sancto Ignácio Pereira, estava na casa paroquial fazendo a sua escrita quando bateram à porta, era um portador que, de caminho para Terena, trazia um pedido do morador numa das casas que existiam junto ao moinho do Roncão, para que o padre fosse dar os Sacramentos ao seu pai que estava mesmo nas abaladas e sublinhou, para ir depressa ou então já não valia a pena ir lá, porque o homem estava mesmo pelas pontas. 
O padre ouviu o passante e exclamou: - Mas como é que agora vou? O sacristão foi a Terena buscar umas coisas para a Igreja, levou a burra e não há aqui mais nenhuma! 
Pois! Não sei senhor padre, foi o que me pediram para lhe dizer! Respondeu o passante! 
Está bem! Eu vou já! respondeu o padre! 
O padre chamou a mulher do sacristão, contou-lhe o que se passava e disse-lhe que tinha de ir já, a pé, levava uma bucha, mas não precisava de levar água, porque havia muitas fontes por onde ia, e depois o sacristão quando voltasse de Terena que  fosse lá ter com a burra para o trazer de volta.
O padre foi pelo caminho mais direto, Monte Novo, Pinheiro, Ramalha e antes de chegar ao Monte da Zorra, onde havia muita água, já sentia uma sede insuportável, e o dia estava a ficar muito quente, então reparou numa choça perto do caminho, onde estavam alguns animais, galinhas, porcos, cães e outros, pensou logo que, decerto estava por ali alguém e que tinha de ter água, dirigiu-se à choça e gritou: - Está alguém?
Não demorou nada, saiu da choça um rapaz aparentando doze ou treze anos, muito franzino, ensonado, esfregando os olhos e demonstrando mau humor, o padre cumprimentou-o, mas ele não respondeu.
Padre: Então, como te chamas?
Rapaz: Sou o Chico!
Padre: Oh Chico, não arranjas um cocho de água ao padre? Estou cheio de sede!
Chico: Não temos cocho! 
Padre: Está bem! Eu disse cocho, mas eu quero é água, seja num cocho, num quartilho, num púcaro, numa tijela, seja lá onde for!
Chico: Não temos água! 
Padre: Essa agora! Não têm aqui água para beber? Onde vão beber?
Chico: Bebemos aqui, temos uma panela cheia e é além da fonte, mas a minha mãe disse-me para não lhe tocar, esta água é só para dar aos animais!
Padre: Eu tenho tanta sede, dá-me lá uma pinguinha que a tua mãe decerto não se zanga por matares a sede ao padre! 
Chico: Está bem! Espere aqui! 
O Chico entrou na choça, não demorou e voltou com uma tigela cheia de água para o padre, que bebeu com sofreguidão e no fim exclamou: "Boa água, fresquinha, muito saborosa, sabe mesmo a barro! Que sede eu tinha! 
Chico: Se gosta tanto dela, veja lá se quer mais uma tigela? 
Padre: Quero, quero, não posso negar, há tanto tempo que não bebia água tão boa! 
O Chico entrou novamente na choça e serviu mais uma tigela de água ao padre Manoel que a bebeu mais devagar, saboreando e repetindo: - Boa água, tão saborosa! O Chico já estava cansado de ouvir o padre a repetir a mesma coisa e como para ele a água não sabia a nada, pensou em pregar uma partida ao padre Manoel! 
Chico: Oh senhor padre, mas a água sabe-lhe a alguma coisa? A mim não me sabe a nada!
Padre: Se sabe Chico, se sabe, não me lembro de beber água tão boa, tão saborosa! 
Chico: Tão saborosa? Estive a pensar e já sei do que é esse sabor!
Padre: É a água da fonte que é boa e depois é o gosto do barro onde a têm!
Chico: Não, não, senhor padre, esse sabor deve ser o do rato que se afogou esta noite na panela dessa água, por isso a minha mãe disse para não lhe tocar, ou então é sabor que  ficou nessa tigela onde a minha avó faz o xixi todas as noites!  
Quando o Chico acabou as últimas palavras já ia a correr à frente do padre pela chapada acima e o padre Manoel a gritar que lhe arrancava as orelhas, que era um malandro, malcriado, insolente, porque isso não se fazia ao padre, mas lembrou-se da missão e desistiu de correr atrás do Chico, voltou e seguiu o seu caminho ao lado do Ribeiro do Carrão até ao seu destino. 
O padre ia zangado com o Chico e assim que chegou, começou logo a contar o que ele lhe tinha feito e, só quando desabafou é que se dirigiu à cama do moribundo para fazer o trabalho que ali a levou, dar-lhe os Sacramentos para poder entrar no céu.
O Chico já não se aproximou da choça enquanto não viu passar o padre Manoel de volta à tardinha, com o sacristão, passou o resto do dia atrás dos outeiros encoberto com os chaparros a espreitar, não fosse ficar sem orelhas.
O padre Manoel, durante uns dias contava a todos os paroquianos o desaforo do Chico e, rematava sempre: - Um franzino daqueles!
Os paroquianos davam-lhe razão e diziam: - Isso não se faz a um padre! Mas nas suas costas riam, riam e o Chico, passou a ser um herói em Capelins por ter tido coragem de pregar aquela partida ao padre Manoel. 

Fim 

Texto: Correia Manuel


Zorra - Capelins




A lenda do estranho que ajudou a Paróquia de Santo António e suicidou-se no rio Guadiana

A lenda do estranho que ajudou a Paróquia de Santo António e suicidou-se no rio Guadiana 

No domingo dia 4 de Outubro de 1699, o Pároco Manoel Marques, da Paróquia de Santo António (Capelins), levantou-se às 6 horas da manhã, como fazia habitualmente, preparou-se e foi dar o seu passeio matinal pela serra da sina, para respirar os bons ares e esticar um pouco as pernas, porém nessa manhã o passeio foi mais rápido, não só por ser domingo de missa, às 9 horas, mas porque ocupou todo esse tempo a dar voltas à cabeça a pensar onde podia angariar o dinheiro tão necessário para arranjar a Igreja de Santo António, pelo menos o telhado e o tabuado do teto interior que já estava caído no canto do lado direito e tinha de ser reparado até ao Inverno ou, o tabuado podia cair em cima dos paroquianos! 
Já tinha feito um peditório aos lavradores e aos fregueses, mas o dinheiro nem dava para reparar uma goteira e, como os últimos anos tinham sido muito secos e as colheitas muito fracas, os lavradores negaram-se ajudar mais, também, porque tinham acabado de construir a Ermida de Nossa Senhora das Neves! 
Tinham feito a Festa de Santo António em Setembro, mas só tinham sobrado uns réis, que pouco ajudavam e o Pároco fez o seu passeio sem encontrar a solução para o que mais o atormentava! Por fim, entregou o caso a Deus! 
Como ainda era cedo para fazer as migas com toucinho e chouriça para o almoço (pequeno almoço), lembrou-se de entrar na Igreja e deixar já tudo preparado para a missa, assim, almoçava mais descansado! Dirigiu-se à sacristia, ainda se via mal, abriu a janela e pegou na Bíblia no cálice e outras coisas, quando voltou sentiu que estava a ser observado, levantou os olhos viu um moço muito bem vestido e bem calçado, com menos de trinta anos, sentado num banco à frente olhando-o fixamente, com o chapéu pousado ao lado, ficou surpreendido por aquela presença e, apressou-se a dar-lhe: "bom dia"!
Estranho: Bom dia, senhor padre! 
Padre: O senhor não é daqui! Não o conheço! 
Estranho: Não sou, não, senhor padre! Sou passageiro e se for possível precisava de falar com o senhor padre!
O padre Manoel Marques aproximou-se imediatamente do estranho e disse-lhe que estava ao seu dispor!
Estranho: Queria pedir ao senhor padre se podia rezar uma missa para mim?
Padre: Oh homem, nunca rezei uma missa para uma só pessoa, espere um pouco, pode vir almoçar comigo e, às 9 horas assiste à missa de domingo!
Estranho: Não pode ser senhor padre, eu estou com muita pressa, tenho de seguir o meu caminho, não posso esperar até às 9 horas!  
Padre: Isso não me dá jeito nenhum, porque depois não me despacho até à hora de rezar a missa aos meus paroquianos, venha comigo até ali à casa Paroquial que depressa se fazem 9 horas! 
Estranho: Por favor, senhor padre, eu não posso esperar! Olhe, se rezar a missa para mim, eu dou uma esmola que pode mandar reparar a sua Igreja! 
Padre: Bem falta me fazia, mas eu não posso fazer essa troca! 
Estranho: Não podemos considerar que seja uma troca, porque não vou pagar a missa, apenas dou uma esmola de livre e espontânea vontade! 
O padre Manoel Marques ficou a pensar um pouco e, lembrou-se que tinha colocado o caso nas mãos de Deus e se estava ali a solução na sua frente, só podia ter sido Deus a enviar aquele estranho e aceitou rezar a missa! 
O padre levou alguns minutos a preparar-se e, depois começou a missa como se a Igreja estivesse cheia de paroquianos, o homem estranho acompanhou a missa com muita fé e sabia todos os preceitos, não deixou dúvidas que era católico praticante e assistente assíduo deste ato religioso! Quando findou a missa, o padre fez sinal ao estranho, como que, a dizer-lhe que tinha chegado ao fim e, dirigiu-se à sacristia! O estranho foi à caixa das esmolas que estava na sua frente e começou a meter moedas que, tilintavam e parecia nunca mais parar, quando o padre ouviu os passos do estranho a afastar-se, esperou um pouco, foi a correr à porta da Igreja e viu-o desaparecer pela estrada para sul, voltou para dentro, abriu a caixa das esmolas e ficou boquiaberto, estava quase cheia de moedas, entre as quais, muitas de prata, depressa a esvaziou e levou o dinheiro para a casa Paroquial, para conferir mais tarde, porque ainda tinha de almoçar antes da missa e, não demoravam em começar a chegar os paroquianos! 
O padre Manoel Marques, rezou e cantou uma missa, como ainda nunca ninguém tinha assistido, demonstrava uma satisfação que deixou os paroquianos intrigados, ainda mais, porque na missa nem disse o habitual sermão que, tinham de ajudar nas obras da Igreja! 
Depois de terminar a missa e, dos paroquianos irem às suas vidas, o padre Manoel Marques foi a correr contar o dinheiro da esmola deixada pelo estranho e, embora não soubesse quanto custavam as obras, teve a certeza que, chegava bem para o essencial e a Igreja de Santo António estava salva! 
No dia seguinte, segunda feira à tarde, o padre estava na casa Paroquial escrevendo uns assentos de batismos que tinha atrasados quando o sacristão o foi chamar porque estavam dois criados do lavrador da Defesa Del - Rei que traziam um homem que tinham encontrado afogado no rio Guadiana! O padre foi à rua falar com os homens para recolher o seu depoimento sobre o que tinha acontecido ao desgraçado que ali traziam, quem era, o que sabiam dele, mas os homens pouco adiantaram, disseram que o viram passar a cavalo no dia anterior na direção da Moinhola no Guadiana e como de manhã viram o cavalo perdido na margem do rio, foram contar ao lavrador e ele mandou-os ir procurar esse homem que tinham visto passar no cavalo preto! Cavalo preto? Perguntou o padre! Sim, um cavalo preto e, parece que o homem é um fidalgo, porque tem a divisa de uma casa real do reino nas roupas! Disse um dos criados! E continuou, o lavrador mandou o feitor falar com o capitão dos ordenanças a Terena e depois vem ter aqui a dizer se o homem pode ser sepultado aqui ou se temos de o levar para Terena, assim, temos de esperar pelas ordens! O padre aproximou-se  do defunto e pediu para o ver! Quando olhou para o estranho deu um salto para trás, parecia assustado! Então senhor padre, nunca viu um defunto? Disse um dos homens! O padre não respondeu mas murmurou baixinho: "olha para o que ele tinha tanta pressa, era por isso que não podia esperar pela missa das 9 horas"! Logo a seguir, chegou o sargento das ordenanças de Terena e o feitor da Defesa com instruções de sepultarem o estranho na Igreja de Santo António, porque não adiantava levá-lo para Terena, uma vez que, não sabiam nada sobre ele! O cavalo preto ficava na Defesa e se fosse reclamado tinham de acertar contas com o lavrador, caso contrário, ficava para ele em troca de o tratar e, fizeram o funeral do estranho que ficou sepultado na 6ª cova da terceira carreira contando da mão esquerda de cima para baixo! 
Três dias após o funeral do estranho, chegaram alguns fidalgos e criados destes com o sargento das ordenanças de Terena à Igreja de Santo António, pediram ao sacristão para falar com o padre Manoel Marques! Quando o padre veio à rua cumprimentaram-se e o sargento apresentou o fidalgo que estava a seu lado como sendo D. Lopo Gonçalves, de Estremoz, fidalgo do Reino! O padre no início não percebeu o que significava a presença daquele grupo de cavaleiros, mas lembrou-se que devia ser por motivo da morte do estranho que ali tinha sepultado! O padre mandou-os entrar para a casa Paroquial! O fidalgo começou por informar o padre que era o pai de António Gonçalves que ele tinha sepultado e, agradeceu-lhe pelo que tinha feito!  Disse-lhe que, era seu desejo levá-lo para a capela da família em Estremoz, mas já sabia que não o podia fazer, porque o capitão das ordenanças explicou-lhe que era proibido abrir a sepultura antes de cinco anos, caso contrário podia ser mal interpretado pela Santa Inquisição, assim, teria de esperar esse tempo para o levar para casa! Contou ao padre que não tinha chegado a tempo de o salvar, porque tinham sido induzidos em erro, seguiram o cavaleiro errado até Arraiolos e, quando encontraram a verdadeira pista do caminho seguido pelo António já era tarde, e adiantou que há muito tempo que o filho andava com tendência em se suicidar, tinham sempre um homem a vigiá-lo, mas durante a noite conseguiu escapar de Estremoz e o resto já o senhor padre sabia! Assim, o filho ficaria ali sepultado e sempre que possível a família vinha às missas que mandariam rezar pela sua alma! O fidalgo contou ao padre que o filho andava de cabeça perdida devido a uma grande paixão por uma rapariga com traços de cigana  que tinha conhecido na feira de Estremoz, andou algum tempo envolvido com ela mas a família teve de o proibir de a ver, porque não podia passar por aquela desonra, então a partir daí, com o desgosto, ficou perdido! O padre só ouvia e abanava a cabeça, umas vezes para baixo e para cima, outras vezes para os lados!
Depois, ditou ao padre os elementos de identificação referentes ao seu filho António, idade, 28 anos, filiação e, naturalidade Estremoz, para constar no respetivo assento do óbito! A seguir, foram todos à Igreja junto da sepultura do António, onde choraram e rezaram com o padre, durante alguns minutos!
O fidalgo levantou os olhos e ficou ainda mais triste, por deixar o filho sepultado numa Igreja quase em ruínas e perguntou ao padre porque motivo a Igreja estava naquele estado? E acenou com a cabeça para o sítio pior! O padre explicou-lhe a situação, que era falta de dinheiro e disse-lhe que no dia que o filho ali esteve, deixou uma boa esmola para a reparar, a não ser que o fidalgo quisesse que fosse devolvida! Nem pensar, se foi a última vontade do meu filho, isso seria impensável, respondeu o fidalgo! Depois, perguntou ao padre quando pensava fazer as obras, porque dentro de um ou dois meses queria voltar com a família e gostaria de ver tudo arranjado! O padre disse-lhe que, dentro desse tempo seria difícil, porque havia por ali poucos alvanéus e carpinteiros e teria de esperar que eles acabassem outras obras que estavam a fazer! Então o fidalgo disse-lhe que no máximo dentro de dois dias estaria ali um mestre de obras de Estremoz, para fazer a avaliação e, depois se o padre pudesse ir com ele para Estremoz comprava lá os materiais necessários, dormia na sua casa e, depois voltava com os alvanéus e carpinteiros que ele contratava e pagava os salários, assim, seguramente as obras estariam terminadas em dois meses! 
O padre concordou e acertaram tudo, o fidalgo esteve mais alguns minutos a chorar e a rezar junto à sepultura do filho, a seguir dirigiu-se à caixa das esmolas e meteu lá dentro a mão cheia de moedas, algumas de prata, despediram-se do padre e dos presentes e seguiram para Estremoz! 
Dois dias depois, conforme combinado, chegou à Igreja de Santo António o mestre de obras, passou algumas horas a averiguar, a tomar notas e, depois do jantar (almoço) partiram para Estremoz! 
Quando chegaram à casa do fidalgo, este veio receber o padre e começou logo por lhe dizer que durante a viagem de volta a Estremoz pensou em alterar o que tinham falado, mas para melhor, isso, se o senhor padre estivesse de acordo! Se é para melhor decerto estou de acordo! Disse o padre! Então a minha proposta é pagar eu tudo, os materiais de reforço das paredes e do teto, assim como aos alvanéus e carpinteiros e o padre pode mandar restaurar algumas imagens e outras coisas que achar necessárias! O padre Manoel Marques agradeceu a oferta do fidalgo e as obras de reparação da Igreja de Santo António, começaram uma semana depois, decorrendo como foi previsto! Os lavradores emprestaram alguns criados para ajudar e, antes do Natal a Igreja de Santo António estava pronta e tudo a brilhar! O fidalgo Lopo Gonçalves e a família vieram à missa de inauguração e continuaram a assistir a outras missas que mandaram rezar por alma do António, mas com o passar do tempo as visitas começaram a ser cada vez mais raras, passaram os cinco anos e muitos mais e nunca foi transladado para a capela da família em Estremoz, ficando para sempre sepultado na Igreja de Santo António em Capelins, no lugar antes descrito. 
Devido à desgraça do António, a Igreja de Santo António foi salva, ele já estava perdido, a Igreja estava a perder-se, o padre Manoel Marques estava a ficar de cabeça perdida, mas ficou tudo resolvido. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Serra da Sina



terça-feira, 27 de setembro de 2022

A lenda do poço do chorão em Capelins

 A lenda do poço do chorão em Capelins 

O poço do chorão situa-se no centro de Ferreira de Capelins, entre as antigas Aldeias de Capelins de Cima  e Capelins de Baixo, junto à estrada para Montejuntos! Dizem que este  poço é histórico porque, embora como charco, parece que, já existia há 2.000 anos, na época romana, formou-se naturalmente pelo encontro de vários cursos de água, vinda de diversas direções e encontrando-se nesse lugar! Quando os invernos eram rigorosos, esse charco tinha água pelo verão adiante, decerto com pequena nascente, permitindo dar de beber a pessoas e animais que ali passavam pela estrada um pouco abaixo, a única entre o rio Guadiana e Terena! Quanto à sua designação de "chorão" existem várias versões, sendo a mais comum: "que ali devia ter existido um chorão ou salgueiro", mas ninguém o viu, nem conseguiu ter confirmação dos seus antepassados da sua verdadeira existência! 
A lenda que conhecemos é muito diferente, o chorão não foi uma árvore, mas um homem, que ali muito chorou!
No ano de 1602 havia um lavrador em Terena que, tinha uma filha muito linda, chamada Madalena, que estava em idade casadoira e, perdeu-se de amores por um rapaz chamado António, seu vizinho e também filho de um lavrador cujas herdades encabeçavam existindo grandes desavenças entre eles, não se podiam ver, pelo que, seria impensável haver algum casamento entre os seus descendentes, mas quanto mais oposição existia por parte das famílias, mais eles se apaixonavam, até que, o pai da Madalena soube o que se passava e proibiu-a de se encontrar com o rapaz, mas como isso não acontecia, contratou uma criada muito severa, uma autentica carcereira para a guardar de dia e noite, as ordens eram para nunca a perder de vista! A Madalena deixou de falar e de ver o António e, nem conseguia mandar-lhe uma carta porque a criada não lhe tirava os olhos de cima e não deixava ninguém aproximar-se dela, estava prisioneira na sua própria casa! A situação tornou-se insuportável, a Madalena pouco comia e passava os dias a chorar! As irmãs e as criadas com muita pena dela davam voltas à cabeça sobre a forma de a ajudar, mas nada lhes ocorria, até que, uma das criadas mais velhas disse às meninas que se elas quisessem, tinha maneira de a ajudar, a bruxa de Terena era sua prima e fazia o que ela lhe pedisse! As meninas aceitaram a oferta da criada porque viam a irmã a definhar! A criada foi ter com a bruxa e depressa voltou, trouxe uma mesinha, era um pó para deitarem na comida da carcereira que a fazia dormir de dia e noite! A mulher dormia, dormia e a Madalena com a ajuda das irmãs encontrava-se com o António, mas ambos sabiam que os seus encontros tinham os dias contados, não podiam durar muito mais tempo, então, como não encontravam outra solução, decidiram fugir! Combinaram que desciam para sul até encontrar o rio Guadiana, depois era só irem descendo o mais próximo do rio, até ao Reino do Algarve e, aí começavam a sua vida! 
Depois de tudo preparado, numa noite muito escura, partiram, mas pouco depois da sua saída a carcereira acordou, foi ver se a menina continuava a dormia e como ela não estava na cama nem pela casa foi a correr acordar o lavrador que, em poucas horas tinha criados a procurá-los por todas as estradas em redor de Terena! O António e a Madalena aperceberam-se que estavam a ser procurados e, esconderam-se pelos matagais nas herdades da Boeira e Defesa de Ferreira! Como todos os caminhos estavam vigiados, também por pessoas a quem o lavrador tinha prometido grandes alvíssaras, durante o dia não podiam sair dos matos e como de noite era perigoso, pouco conseguiam avançar para sul! Já tinham passado quase dois meses e não havia nenhuma notícia deles, até que, quando um ganadeiro subia o atual ribeiro da aldeia de Ferreira com as ovelhas e sabendo da existência daquela fonte de água ia na sua direção e ouviu os seus cães a ladrar muito, pensou que seria algum lobo perdido, porque era tudo matos, ainda não existiam casas naquele espaço, foi averiguar ao que os cães ladravam tanto, mas ainda estava distante, apercebeu-se do mau cheiro e mudou de ideia, afinal era um animal morto e chamou os cães, mas eles não obedeceram! Como o seu destino era o charco ou fonte, continuou, mas o cheiro era insuportável e não teve outro remédio senão tapar o nariz com a fralda da camisa e aproximar-se dos cães, com o pau de guardar o rebanho afastou a vegetação e viu dentro do ribeiro a roupa muito esfarrapada de uma mulher e os cabelos compridos caídos sobre outra pessoa, da qual só aparecia parte da cabeça! Deu um salto para trás e afastou-se imediatamente, zangou-se com os cães que acabaram por lhe obedecer, chamou o ajuda e disse-lhe para não se aproximar  daquele lugar, mandou-lhe juntar o rebanho e seguir ribeiro abaixo para  a choça e disse-lhe que, tinha de ir a correr tratar de um assunto a Terena! 
O ganadeiro seguiu logo para Terena e foi recebido pelo capitão dos ordenanças, ao qual relatou o que tinha encontrado, disse-lhe que, pela roupa e pelos cabelos pareciam-lhe uma mulher e um homem! O capitão pensou logo na Madalena e no António, chamou dois ordenanças que os conheciam, passou-lhe a informação e disse-lhe que fossem com o ganadeiro ao dito lugar confirmar se eram os desaparecidos! Os ordenanças não conseguiram ter a certeza, mas recolheram as provas possíveis e, foram falar com as famílias que, por aqueles dados tinham a certeza de que eram mesmo eles!
Em toda a Vila de Terena, soube-se imediatamente e foi um grande desgosto para as famílias e para todas as pessoas, que odiaram e culparam o lavrador pela tragédia! 
As famílias tiveram de ir lá ao lugar reconhecê-los, porque não podiam existir dúvidas, o que só foi possível pela roupa e cabelo! Quando o lavrador se preparava para levar a Madalena para ser sepultada na Igreja Matriz de Terena, o capitão das ordenanças disse-lhe que não podia autorizar, porque já tinha feito uma reconstituição do que teria acontecido e, tudo indicava que eles tinham sido contagiados com peste em alguma fonte, depois, ele faleceu primeiro e, ela não o deixou, acabando por morrer ou com peste ou com fome junto dele, porque estava por cima e, pelo estado em que estavam, decerto havia mais de um mês, por isso, tinham de ser sepultados imediatamente naquele lugar e depois queimar tudo em volta! O lavrador não queria aceitar a ordem do capitão, mas a lei era muito rigorosa, todas as aldeias, vilas e cidades ardiam em peste desde 1600 e, ele teve de ceder, sendo ambos sepultados junto ao dito caminho! O lavrador sofreu grande desgosto, sentia-se culpado pela morte da filha e, durante quase vinte anos, enquanto viveu, foi diariamente onde a Madalena estava sepultada a pedir-lhe perdão e, enquanto lá estava, chorava, chorava, chorava, mas já era tarde, e foi assim que este lugar ficou a designar-se por chorão! 
Cerca de duzentos anos mais tarde, o charco (fonte) foi aprofundado e empedrado, passando a designar-se poço do chorão por se situar no lugar do chorão e, ao longo de séculos deu de beber a pessoas e animais das terras de Capelins e, a quem por ali passava.
Tanta gente que namoraram ali, sem saberem esta história de amor e, beberam a água do poço do chorão. 

Fim

Texto: Correia Manuel 


Poço do chorão em Capelins




Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...