terça-feira, 30 de maio de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou a ameixeira no Monte do Pinheiro

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou a ameixeira no Monte do Pinheiro

Nos finais da década de 1960, numa noite, no pico do verão, após a ceia (jantar), o pai do Chiquinho de Capelins, disse-lhe para no dia seguinte, depois de tratar das galinhas e das cabras, ir à oficina do tio, sapateiro, que morava num Monte perto da Aldeia de Ferreira, perguntar-lhe quando podia deixar lá as botas, que precisavam de meias solas e adiantou para que fosse cedo, pela fresca, para não apanhar muito calor.
De manhã, quando a mãe o acordou, estava a sonhar com as brincadeiras que tanto gostava e levantou-se a resmungar, mas depois de tomar o café com leite e comer umas fatias paridas, o humor melhorou e foi tratar do gado, sem pressa, porque tinha muito vagar e quando se pôs a caminho do Monte do tio avô, já o sol ia alto e aquecia bem o piolho.
O Chiquinho seguiu pelo caminho mais direto, Monte da Cruz, horta do Monte Novo, Pinheiro e, mesmo andando devagar, depressa chegou, pouco se demorou e de volta com a resposta mudou o percurso, passou pela rua principal do Monte do Pinheiro e meteu-se por uma vereda que seguia até junto ao poço largo, mas assim que pôs os pés na dita vereda olhou à esquerda e viu uma ameixeira, carregada de ameixas que lhe sorriam e o chamavam, mas ao dar um passo na sua direção, pressentiu que estava a ser observado, recuou e continuou em frente, apressado e muito direitinho, não viesse a dona, que ficasse lá com as orelhas.
As apetitosas ameixas deram-lhe cabo da cabeça e, pelo caminho até casa, não pensou noutra coisa, a não ser na maneira de lhe ferrar o dente, mas ao pensar que, se fosse apanhado pela dona, decerto, ficava sem orelhas, arrefecia o entusiasmo, mas as belas ameixas não deixavam de o tentar e pensou contar do achado à rapaziada e entre todos haviam de ter alguma ideia para fazerem a recolha do dízimo, mas lembrou-se que um dos rapazes do grupo era sobrinho da dona da ameixeira, por isso, decidiu atuar sozinho.
Depois de pensar na estratégia para chegar às ameixas sem ser apanhado, planeou que seria na hora da sesta, não havia ninguém que não dormisse a sesta na Aldeia de Ferreira, a não ser a rapaziada, seria impossível que a dona das ameixas não dormisse e, como não podia esperar, foi fazer a visita à ameixeira, no dia seguinte.
O mês de Agosto, estava no início, mas cerca das 14 horas o calor era insuportável, o Chiquinho foi-se aproximando com muita cautela, escutando e olhando em frente e em redor, até chegar junto da ameixeira que tinha um tronco fino e muito alto, difícil de subir, com a copa formada por muitos ramos finos e compridos carregados de ameixas, subiu rapidamente, como um gato, mas lá em cima tinha pouco espaço para se movimentar, porque não conseguia apoiar-se nos ramos, ficou numa posição muito incómoda, de cócoras, colheu 2 ou três ameixas que mais lhe encheram o olho e, sem se importar que estivessem quentes ou frias deu uma trincada na mais apetitosa, mas estava muito dura e quando começou a saboreá-la era tão ácida e amarga que não conseguiu continuar a trincá-la, ainda tentou do outro lado, mas era igual, e pensou que tinha errado na escolha, atirou com ela e fez o mesmo a outra e a outra, eram todas iguais, porque ainda não estavam maduras, colheu mais algumas para levar, na esperança de alguma ser diferente para melhor e preparou-se para descer, mas não encontrava jeito, nem virado para trás, nem para a frente, e começou a ficar impaciente não viesse a dona, e a solução foi dar um salto, mas como os pés ficaram presos, mergulhou de cabeça pela terra dentro, a sorte foi estar remexida, mas ficou tonto e a pensar que tinha levado uma traulitada, mas depois de se orientar, respirou de alívio e apressou-se a sair dali.
Como o Chiquinho levou algumas ameixas nos bolsos das calças, depois de recomposto, já um pouco afastado do lugar do crime, sentou-se à sombra de um chaparro e começou a trincar as ameixas uma a uma, na esperança de encontrar alguma comestível, mas eram todas iguais, então, zangado com as ameixas, atirou-as pela chapada do Pinheiro, chegando algumas perto do poço do chorão.
Quando o Chiquinho chegou a casa com a cara e a cabeça cheias de terra, levou um raspanete da mãe, que lhe perguntou onde tinha andado a fussar? Ele resmungou, dizendo que não era nenhum bacro e que tinha tropeçado na corda da cabra e caído, a mãe fingiu acreditar e mandou-o lavar-se bem, para que à noite não levasse a terra para a cama, ele foi despejar um balde de água quente pelo sol, pela cabeça abaixo e ficou lavadinho, e nesse dia, as peripécias ficaram por ali.
Passados uns dias, na reunião do grupo de rapazes, o Chiquinho acabou por contar-lhes sobre o achado das ameixas e disse que já deviam estar quase maduras e onde se situava, alguns rapazes prontificaram-se a ir lá catar o dízimo, mas o Chiquinho disse-lhe que não era fácil, a dona não era macia, mas eles responderam que isso não era problema, uns espreitavam-na e outros faziam a colheita, adiantou que a ameixeira era muito alta e como tinha o tronco muito fino era difícil de subir, mas eles disseram que às cavalitas uns dos outros nem era preciso subir, e o Chiquinho continuou, que o pior era a dona ser tia de um elemento do grupo e, esse elemento disse logo que nem pensar em ir lá, se ela o visse dizia ao pai dele e depois ele nem as acabava, perante tantos obstáculos a rapaziada decidiram riscar a dita ameixeira da carteira das angariações e ficar esquecida e o Chiquinho, também, nunca mais se aproximou da ameixeira do Monte do Pinheiro.
Fim
Texto: Correia Manuel

Monte do Pibheiro - Capelins




sábado, 27 de maio de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando fazia a rota da sesta

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando fazia a rota da sesta

No decénio de 1960, quando começavam as férias escolares no verão, alguns rapazes da Aldeia de Ferreira, ajudavam os pais nos trabalhos da agro pecuária, mas tinham muito tempo livre para as suas brincadeiras e atividades lícitas e ilícitas, estas últimas na hora da sesta dos pais e dos moradores, entre as 13 e as 15 horas nos meses mais quentes, eram donos da Aldeia e dos arredores, iam pelas hortas recolher o dízimo dos morangos, ameixas, peras, maçãs, uvas, cenouras e por vezes tomate, andavam pelos montados procurar ninhos de rolas, mas pelas 15 horas estavam sentados perto de casa, jogando às cartas ou outros jogos, convencendo os pais que não tinham saído dali.
O Chiquinho de Capelins fazia sempre parte do grupo de exploradores, conhecia bem o hábito dos moradores da Aldeia, como toda a gente se levantava muito cedo, pelas cinco ou seis horas da madrugada, para fazer as suas lides caseiras e os trabalhos agrícolas pela fresquinha, depois do jantar (almoço) caiam no camalho, com grande soneira que nada os acordava, até os cães, gatos, porcos, cabras, ovelhas, vacas e galinhas, dormiam a sesta, menos a rapaziada que, com antecedência planeavam as voltas a fazer e as respetivas estratégias, quando iam para sítios mais perigosos em termos de alguém os ver, estavam preparados para começar logo a assobiar e a chamar pelo cão do Chiquinho e diziam que o procuravam por ali, porque já tinham corrido toda a região e não aparecia, mas nunca era preciso usar essa desculpa, porque todos dormiam como anjinhos.
Havia hortas, quintais ou courelas que estavam a salvo, ou porque eram de familiares ou porque tinham medo do dono e nesses casos passavam de roda, ou se lá entrassem era a beber água em algum poço, mas não se atreviam a sair da zona limitada ao mesmo.
Num dia muito quente, chegou a hora da partida e foram fazer a rota já programada, mas o calor era tanto que não demorou estavam todos com muita sede e o Chiquinho disse-lhe que iam passar perto do poço do ti António que tinha a melhor água dali e uma bomba manual que puxava a água quase do fundo do poço, vinha muito fresquinha e muito cristalina, por isso, o melhor era aguentar a sede até lá, alguns concordaram, mas outros reclamaram que não aguentavam a sede e alvitraram que era melhor ir beber a outro poço antes daquele, mas a água tinha de ser tirada com o balde e não era tão fresca, era melhor ir ao outro, tinha lá sombra e apanhavam uma barrigada de água fresca e muito boa e lá seguiram cheios de sede, debaixo de sol que debitava mais de 42 graus C, em pleno mês de Agosto.
Quando os rapazes chegaram à horta do ti António, onde era o poço, alguns já iam de língua fora, a saborear a excelente água prometida, pararam e ficaram abismados com o que viam em frente dos seus olhos, a horta e o poço, estavam cercados de tabuletas de madeira onde estava escrito em grandes letras o seguinte: "Aqui Há Cêpos", os rapazes leram alto várias vezes, até que, interrogaram-se o que eram cêpos? - Nenhum sabia, nunca tinham ouvido falar e muito menos visto isso, mas todos concordaram que não era boa coisa e que o melhor era nem se aproximarem do poço, porque o dono não era para bincadeiras, por isso, decidiram não avançar dali! E agora? Com tanta sede e o poço mais perto, por onde antes tinham passado, ficava a mais de 500 metros, quem é que aguentava voltar para trás debaixo daquela calorina, a morrer de sede! Alguns aproveitaram para contar histórias de pessoas que morreram no deserto do Saara, debaixo de um sol ardente e cheios de sede, e segundo eles, nós estavamos na mesma situação.
Após cada um dizer a sua ideia, o Chiquinho disse-lhe que iam beber água ali, porque falava muitas vezes com o ti António e ele dizia-lhe para quando tivesse sede podia beber ali à vontade, porque a água não se negava a ninguém, então com receio, foram em redor da horta e chegaram ao poço, começaram a dar à bomba, para baixo e para cima e nada de água, mas depois de grande esforço de vários rapazes, lá ferrou e a água começou a correr e foi beber até não poder mais, e de barriga cheia de água seguiram a rota definida.
Como o Chiquinho passava muitas vezes perto da dita horta, dias depois, ia nesse percurso, e o ti António chamou-o e perguntou-lhe se ele e os amigos tinham estado a beber água ali no poço, e ele prontificou-se a mentir, respondeu que não, nem ele nem a rapaziada tinham passado por ali desde há muito tempo, o ti António disse-lhe que tinha visto um grande entorneiro de água em volta do poço e tinha pensado que tinham sido os gaiatos que ali tinham estado a beber e adiantou que, não fazia mal, porque a água não se podia negar a ninguém, mas tinha ficado muito aflito a pensar que podiam ter abalado dali sem pernas!
O Chiquinho estremeceu, quase desmaiou a ver-se sem pernas, e sem dizer coisa com coisa, a gaguejar, perguntou:
Chiquinho: Ó ti António, espere lá, porque é que abalavam daqui sem pernas?
Ti António: Ó rapaz, então tu não sabes ler? Ainda não viste esses avisos?
Chiquinho: Quais avisos? Não diz aí aviso!
Ti António: Não diz aviso, mas é a mesma coisa, essas tabuletas estão a avisar que há aqui cêpos, por isso, se alguém aqui entrar pode ficar sem pernas e não se pode queixar, porque foi avisado, é assim a lei!
Chiquinho: Ó ti António e como é que esses cêpos cortam as pernas às pessoas?
Ti António: Os cêpos estão debaixo da terra em sítios que só eu sei, quem os pisar eles disparam, e como têm dois serrotes, um de cada lado, cortam logo as pernas!
Chiquinho: Ó ti António, eu nunca entrei na sua horta, nem entro, para mim não servem!
Ti António: Isto não é por ti rapaz, mas diz lá aos teus amigos que, se não querem abalar daqui sem pernas, não entrem dentro da minha horta a mexer no que eu aí tenho!
O Chiquinho ficou em choque, abanou a cabeça em sinal afirmativo, olhou para as pernas para ver se lá estavam, e partiu a correr até à Aldeia de Ferreira, reuniu o grupo de rapazes e contou-lhe a conversa com o ti António, e explicou-lhe que os cêpos eram umas máquinas que estavam debaixo da terra e tinham uns serrotes que cortavam as pernas às pessoas, os rapazes ficaram aterrorizados, mas alguns ainda perguntaram: - Então se os cêpos nos cortam as pernas como abalamos de lá, da horta? De muletas, respondeu o Chquinho! Ah pois, responderam os rapazes! A partir daquele dia, as hortas de Capelins ficaram a salvo das visitas da rapaziada que, andavam com muito medo dos cêpos, de ficarem sem as ricas pernas.
Anos mais tarde, o Chquinho contou ao pai a conversa com o ti António, sobre a existência de cêpos que cortavam as pernas às pessoas que entrassem na sua horta e o pai começou a rir e disse-lhe que, nunca lá houve lá nenhum cêpo, as tabuletas serviam só para enxutar os ladrões dos tomates e das cebolas do ti António.
Fim
Texto: Correia Manuel

Poço e horta em Capelins


domingo, 14 de maio de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, da paródia do avô no rio Guadiana, em Capelins

Memórias do Chiquinho de Capelins, da paródia do avô no rio Guadiana, em Capelins

Quando era pequeno, passava grandes temporadas na casa dos meus avós maternos, em Capelins de Baixo, brincava com alguns vizinhos, ou sozinho, debaixo de olho de alguma familiar e passava muito tempo com a minha bisavó, quase à curva da rua principal, a ouvir contos e histórias de vidas, ou então brincava à porta da taberna de um tio avô, sempre à escuta das conversas do taberneiro e dos fregueses que, entre os copos de vinho ou aguardente que iam bebebendo, falavam de tudo o que lhes vinha à cabeça, mas a maioria das conversas iam dar ás pescarias ou paródias no rio Guadiana, contavam muitas peripécias que lá se passavam deixando-me cheio de vontade de ir a uma paródia e, pensava que, quando fosse grande estaria sempre em paródias no rio Guadiana.
O meu avô era a minha perdição, gostava muito da sua companhia, mas como era alvanéu (pedreiro), andava quase sempre a trabalhar em Montes, distantes da Aldeia de Ferreira e, ou dormia lá, voltando nos sábados, ou quando vinha dormir a casa chegava tarde e saía de madrugada, pelo que, durante a semana, raramente o via e, ao Domingo tinha tantas coisas a fazer que, também pouco o podia acompanhar, mas não perdia uma oportunidade para dar um passeio agarrado à sua mão, e andava sempre a perguntar aos meus familiares onde é que estava e o que andava a fazer, na esperança de aparecer a qualquer momento, para darmos uma volta pela Aldeia.
Num Domingo de verão no decénio de mil novecentos e sessenta, fui procurá-lo pelos lugares onde imaginava que podia estar e disseram-me que tinha ido a uma paródia no rio Guadiana, fiquei muito contente, mas um pouco decepcionado por não me ter levado, porque, mesmo sem saber o que era uma paródia, pelo que ouvia na taberna, pensava que devia ser a coisa mais linda que havia, uma vez que, os homens na taberna, vibravam quando falavam nessas paródias, mas já sabia que os gaiatos e as mulheres não podiam ir a paródias, por isso, apenas desejei que o dia se passasse depressa para o meu avô voltar e contar-me como tinha sido.
Nesse Domingo, o meu avô veio tarde da paródia e já não consegui saber o que tanto desejava, e como na madrugada seguinte ele foi trabalhar para o Monte da Defesa de Bobadela, durante a semana, também não consegui saber nada, mas não estava esquecido e no Domingo seguinte tive sorte, assim que cheguei junto dele perguntei-lhe como tinha sido a paródia no Guadiana e ele com muita paciência lá me foi contando tudo, desde a chegada até à partida.
Começou por me contar que tinham comido uma açorda de peixes (caldeta) e, peixe frito toda a tarde e bebido uns copos de vinho, mas ele só tinha bebido cinco ou seis copinhos, porque estava tanto calor que nem o vinho lhe apetecia e tinha passado o dia quase todo descalço e com as calças e as ceroulas levantadas até aos joelhos e sentado à sombra de um freixeiro com os pés dentro de água.
Não era isso que eu esperava, não condizia com o meu desenho mental e disse-lhe que, sendo assim, não tinha sido nenhuma paródia, então, ele adiantou que, os outros companheiros, tinham cantado, pulado e bailado uns com os outros o dia todo, porque estava lá o ti Tonhico com o harmónio e tinha tocado o dia todo, até cair de costas! Assim, sim, já mudava a figura, o tocador a tocar até cair para trás, tinha sido um grande espetáculo, mas o meu avô, não tinha cantado, nem pulado nem bailado, isso deixou-me muito triste, porque, pelo que eu sabia, para ser paródia no rio Guadiana, tinha de ser assim.
Fim
Texto: Correia Manuel

Rio Guadiana - Cinza



terça-feira, 9 de maio de 2023

O mistério do roubo do macho, em Capelins

 O mistério do roubo do macho, em Capelins

Um seareiro, tinha de sua, uma muar ou duas, neste último caso, faziam uma parelha, que tinham melhor desempenho no arranjo das terras e nos carregos que faziam com as carroças, pelo que, sem as muares, as quais, eram designadas de machos e de mulas, conforme fossem masculinos ou femininos, os seareiros não podiam cultivar as suas courelas e outras arrendadas ou tomadas ao terço ou quarto, ou seja, o seareiro podia cultivar as courelas de outro proprietário e pagava-lhe com uma parte das colheitas.
A sustentabilidade da vida de um seareiro era a sua muar, pelo que, quando os animais atingiam o limite de idade, cerca de vinte e cinco anos, tinham de ser substituídos, o mesmo acontecia se o animal morresse ou se fosse roubado, neste caso, era a desgraça do seareiro, porque, geralmente não tinham dinheiro para comprar outra muar apta para começar a trabalhar, uma vez que, os novos tinham de ser amançados, isto é, ensinados, por quem o sabia fazer e levavam muito tempo a ficar prontos para trabalhar em todas as tarefas, assim, quando acontecia uma situação destas, tinham de se endividar, e não passavam da cepa torta.
O roubo de muares, era frequente nas terras de Capelins e em toda a região, não só as levavam das pastagens onde, no verão, pastavam durante o fresco da noite, mas também de dentro das cabanas, arrombavam as portas sem os donos darem por nada, e as muares desapareciam, foi o que aconteceu no Monte do Meio em Capelins, no decénio de 1950.
O ti António do Monte do Meio, era seareiro e tinha um macho castanho para fazer a sua vida, a cabana fazia parte da estrutura da casa de habitação, era o primeiro compartimento do lado esquerdo do dito Monte com a respetiva porta para a rua, mas com uma janela/porta para dentro da cozinha, por onde o ti António passava, para não sair à rua, quando ia tratar do macho à noite e que ficava só encostada, ouvindo-se bem, no quarto, os movimentos do macho durante a noite, porque a porta entre o quarto e a cozinha era apenas um cortinado, no qual dormia o ti António a esposa e os filhos, todo este cenário ficava debaixo do mesmo telhado, a porta da cabana estava trancada com uma tranca antiga de madeira, que na horizontal enfiava pelo lado de dentro em buracos nas ombreiras, e perto da porta da cabana, do lado de fora, dormia um cão de porte médio que não deixava aproximar ninguém do Monte sem dar o alarme e nunca deixava de ladrar sem a intervenção dos donos, apesar de tudo isto, uma noite os ladrões com alavancas de ferro levantaram a porta da cabana tiraram a tranca e, sorrateiramente entraram na mesma, desprenderam o macho que estava preso à manjedoura e levaram-no, sem ninguém ouvir nada, nem sequer, o prestável cão de guarda avisou os seus donos.
De madrugada, o ti António levantou-se e antes do almoço (pequeno almoço) foi dar de comer ao macho, como fazia sempre, para depois sair para o trabalho nas suas courelas e ficou paralisado sem perceber o que se passava, uma vez que, o macho não estava na cabana e a porta estava encostada a uma ombreira, ficou sem saber o que fazer, por fim, foi chamar a esposa, para ambos tentarem perceber o que teria acontecido e entre os dois deduziram que o macho tinha sido roubado, foram chamar alguns familiares e amigos e correram em várias direções na tentativa de o encontrar, mas não havia sinais do animal, mais tarde, o ti António encontrou o rasto na zona do poço da Sina, ao fundo do ribeiro que tem início na Igreja de Santo António, onde ele tinha um meloal e o macho estava habituado a fazer, diariamente, esse caminho e os ladrões sabiam isso, pelo que, foi muito fácil o animal seguir esse trajeto, mas a partir daí, não conseguiram encontrar mais patadas, ou envolveram as patas do animal em sacos de serapilheira para não deixar rasto ou seguiram por fora da estrada e o ti António e famíliares passaram alguns dias a procurar o macho por todo o lado, mas não havia sinais dele e toda a gente dizia que devia ter ido pela Espanha dentro e nunca mais aparecia.
A vida do ti Antónia ficou desgraçada, os capelinenses ficaram com muita pena e revoltados, e muita gente tentou ajudar da forma que podia e sabia, o macho foi procurado, encomendado, responsado, foram a soldadores/ras (videntes/bruchos/as) e todos diziam que o macho aparecia, mas as gentes de Capelins não acreditavam, porque já tinham sido roubadas ali outras muares e nenhuma tinha aparecido, porém, um vizinho, também morador no Monte do Meio, conhecia o macho como se fosse dele, e por essa altura empregou-se na Câmara de Évora, ficando a fazer serviço no Mercado Municipal, junto do qual, se verificava diariamente um grande movimento de muares dos quintaneiros e negociantes abastecedores do Mercado, e ele sempre que via uma muar por Évora, ia discretamente observá-la, até que um dia estava no seu posto de trabalho e pareceu-lhe ver o macho do ti António, aproximou-se com muito cuidado e não teve dúvidas que estava certo, chamou o policia que andava por ali, seu conhecido, e contou-lhe a situação, o policia não hesitou e perguntou ao novo dono se o macho era dele e a quem, onde e quando o tinha comprado, o homem, que não era o ladrão, respondeu às perguntas e, com a sua colaboração, imediatamente, ficaram com a certeza que era o macho do ti António, depois de mais algumas investigações da policia de Évora, quando já não havia margem para dúvidas, o macho foi devolvido ao ti António do Monte do Meio que, continuou com a sua vida de seareiro.
O mistério do roubo do macho do ti António, nunca foi desvendado, toda a gente comentava: - Como foi possível os ladrões subornarem o fiel cão de guarda, depois com uma alavanca de ferro arrombaram a porta de madeira antiga, reforçada com uma tranca, ou tronco na horizontal metido em cavidades na parede pelo lado de dentro, desataram a corda que prendia o macho à manjedoura, levaram-no e o ti António e a família dormiam a poucos metros e não deram por nada.
Valeu-lhe o capelinense, filho do sacristão da Igreja de Santo António que, com a sua fé e vontade de ajudar, nunca desistiu de encontrar o macho do vizinho e amigo e encontrou.
Fim
Texto: Correia Manuel

O macho foi roubado neste lugar




sábado, 6 de maio de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando mandou responsar o sacho perdido

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando mandou responsar o sacho perdido 

O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro, além dos vários cereais que cultivava, também fazia um meloal no Gomes que, produzia alguns melões, melancias e feijão frade, para gasto da casa, mas a preparação das terras, antes e durante a produção era muito trabalhosa, depois do nascimento das plantas, a terra tinha de estar sempre bem cavada. 

Nesse época, havia grandes trovoadas e a água da chuva era tanta que apertava a terra do meloal, pelo que, a parte da crosta, estava sempre a precisar de ser cavada, com uma enxada ou um sacho, mas esse serviço não devia ser feito por gaiatos, podiam danificar as plantas e comprometer a produção de melões e melancias, já o feijão frade não exigia tanto cuidado e foi esse o trabalho destinado ao Chiquinho, para nas horas vagas, cavar a terra do feijão frade. 

Quando o trabalho estivesse feito, mais tempo tinha para as brincadeiras, por isso, o Chiquinho andava muito apressado, cavava, cavava, fazendo cálculos sobre o tempo que faltava para acabar, pelo que, estava quase livre daquela tarefa. 

Numa tarde do mês de Junho, estava um calor que sufocava, mas não o impediu de correr para o meloal e começou a cavar, pouco depois, ouviu trovões, mas continuou a cavar, porque não podia perder tempo, mas os trovões eram cada vez mais frequentes, sinal de que a trovoada se aproximava e ele não teve outro remédio senão arrumar o trabalho e preparar-se para correr até à Aldeia, então foi esconder o sacho atrás do gargalo do poço, onde havia algum pasto que o escobria, mas passou-lhe pela cabeça que, o podiam roubar dali, seria melhor deixá-lo enterrado no lugar onde ía a cavação, uma vez que, havia a separação entre a terra cavada e a não cavada, logo seria um sinal muito fácil para no dia seguinte o encontrar e assim fez. 

Nos dias seguintes, surgiram outras tarefas e a cavação do feijão frade ficou parada, passados mais de oito dias, o pai do Chiquinho perguntou-lhe se já tinha o trabalho feito, e ele respondeu que só faltava uma faixa lá em cima, por culpa da trovoada que não o tinha deixado acabar, então recebeu ordens para ir acabar o trabalho, senão, quanto mais cresciam os feijoeiros, pior era para os cavar, sem os partir. 

Nesse dia, à tardinha, sem vontade nenhuma, o Chiquinho dirigiu-se ao meloal e quando chegou ao lugar onde estava semeado o feijão frade, ficou desolado, não existia nenhuma diferença na terra que já tinha já cavada e a que faltava cavar, depois de pensar um pouco sobre o que teria acontecido, chegou à conclusão que a água da trovoada, naquela tarde, tinha sido tanta que lhe tinha acabado com o trabalho já feito, ficou algum tempo inativo até aceitar que tinha de meter mãos à obra e começar de novo. 

Como a peça fundamental para fazer o trabalho era o sacho, começou a dar voltas à cabeça onde o teria deixado, foi ver atrás do gargalo do poço e nada, foi a mais alguns lugares e nada,  já tinham passado mais de oito dias, com tanta brincadeira pelo meio, não se podia lembrar, passaram-lhe muitas ideias pela cabeça, talvez o pai o tivesse encontrado e o tivesse levado para casa, mas sem sacho não podia fazer o trabalho e foi a casa para ver se ele lá estava, mas não o encontrou, teve de levar outro e lá foi cavar o feijão frade, sempre a tentar lembrar-se onde teria escondido o sacho.

Passados alguns dias, lamentou-se ao ti Zé Maria, onde passava muito tempo a ouvir as peripécias da sua vida, contou-lhe o que tinha acontecido com o sacho e, depois de ouvir várias ideias, a melhor que achou foi a de mandar responsar o sacho, ele disse-lhe que fosse ao ti Manel da Horta, tio avô do Chiquinho, que sabia o responso de Santo António. 

Ainda nesse dia, o Chiquinho fez por se aproximar do ti Manel da Horta que andava a mudar uma cabra na pastagem, contou-lhe o sucedido e pediu-lhe para ele responsar o sacho perdido e ele respondeu-lhe: - Eu faço-te isso filho, eu faço-te isso, mas eu rezo o responso de Santo António três noites seguidas, por isso, só daqui a três dias te posso dizer se o sacho aparece, ou não. 

O Chiquinho ficou aliviado e não pensou noutra coisa nos três dias seguintes, por fim esperou o ti Manel perto do poço do chorão e correu a perguntar-lhe o resultado e ele disse-lhe que o sacho aparecia e não demorava, e continuou: - Pensa lá bem a última coisa que fizeste quando fugiste da trovoada! Mas o Chiquinho respondeu que não se lembrava de nada, senão,  não era preciso o responso.

Depois de agradecer ao ti Manel, foi logo contar ao ti Zé Maria que o sacho aparecia, e ele perguntou-lhe se já tinha dado a melhadura ao ti Manel, senão o sacho nunca mais ia aparecer, era assim que tinha de fazer, as pessoas tinham sempre de dar uma melhadura, gorjeta, a quem responsava o que fosse pedido e sugeriu que, como ele fumava, lhe desse um maço de cigarros Kentucky, chamado mata ratos. 

O Chiquinho foi dali a pensar que tinha de cumprir o ritual até ao fim, não fosse o sacho por água abaixo e foi à taberna  comprar o maço de cigarros mata ratos, com cautela para não ser visto por muita gente, senão diziam que andava a fumar e podia ficar metido numa camisa de sete varas, assim que comprou o maço de cigarros foi logo entregá-lo ao ti Manel, que agradeceu e disse-lhe que só o aceitava, porque a melhadura fazia parte do ritual. 

O Chiquinho ficou com muita esperança que o sacho aparecia e passados dois ou três dias, andava a cavar o feijão frade, pensando nas suas brincadeira, ao atirar o sacho à terra acertou no sacho perdido que saltou do interior da terra e ficou direito na sua frente causando-lhe grande susto, pouco depois, veio-lhe à ideia que tinha enterrado o sacho naquele sítio, mas a água da trovoada tinha deixado a terra toda igual, sem sinal do esconderijo, assim, por obra do responso, estava desfeito o mistério do sacho perdido. 

Perante este resultado, o Chiquinho não descansou enquanto não aprendeu o responso de Santo António, sendo-lhe explicado que, tinha de o rezar antes de deitar e fazer o pedido, depois a resposta de Santo António aparecia-lhe no sonho, mas nunca deu certo, porque, até podia sonhar, mas de manhã ao acordar, nunca se lembrava o que tinha sonhado e, acabou por desistir, continuando a recorrer aos serviços esotéricos do ti Manel da Horta. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 








Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...