domingo, 14 de maio de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, da paródia do avô no rio Guadiana, em Capelins

Memórias do Chiquinho de Capelins, da paródia do avô no rio Guadiana, em Capelins

Quando era pequeno, passava grandes temporadas na casa dos meus avós maternos, em Capelins de Baixo, brincava com alguns vizinhos, ou sozinho, debaixo de olho de alguma familiar e passava muito tempo com a minha bisavó, quase à curva da rua principal, a ouvir contos e histórias de vidas, ou então brincava à porta da taberna de um tio avô, sempre à escuta das conversas do taberneiro e dos fregueses que, entre os copos de vinho ou aguardente que iam bebebendo, falavam de tudo o que lhes vinha à cabeça, mas a maioria das conversas iam dar ás pescarias ou paródias no rio Guadiana, contavam muitas peripécias que lá se passavam deixando-me cheio de vontade de ir a uma paródia e, pensava que, quando fosse grande estaria sempre em paródias no rio Guadiana.
O meu avô era a minha perdição, gostava muito da sua companhia, mas como era alvanéu (pedreiro), andava quase sempre a trabalhar em Montes, distantes da Aldeia de Ferreira e, ou dormia lá, voltando nos sábados, ou quando vinha dormir a casa chegava tarde e saía de madrugada, pelo que, durante a semana, raramente o via e, ao Domingo tinha tantas coisas a fazer que, também pouco o podia acompanhar, mas não perdia uma oportunidade para dar um passeio agarrado à sua mão, e andava sempre a perguntar aos meus familiares onde é que estava e o que andava a fazer, na esperança de aparecer a qualquer momento, para darmos uma volta pela Aldeia.
Num Domingo de verão no decénio de mil novecentos e sessenta, fui procurá-lo pelos lugares onde imaginava que podia estar e disseram-me que tinha ido a uma paródia no rio Guadiana, fiquei muito contente, mas um pouco decepcionado por não me ter levado, porque, mesmo sem saber o que era uma paródia, pelo que ouvia na taberna, pensava que devia ser a coisa mais linda que havia, uma vez que, os homens na taberna, vibravam quando falavam nessas paródias, mas já sabia que os gaiatos e as mulheres não podiam ir a paródias, por isso, apenas desejei que o dia se passasse depressa para o meu avô voltar e contar-me como tinha sido.
Nesse Domingo, o meu avô veio tarde da paródia e já não consegui saber o que tanto desejava, e como na madrugada seguinte ele foi trabalhar para o Monte da Defesa de Bobadela, durante a semana, também não consegui saber nada, mas não estava esquecido e no Domingo seguinte tive sorte, assim que cheguei junto dele perguntei-lhe como tinha sido a paródia no Guadiana e ele com muita paciência lá me foi contando tudo, desde a chegada até à partida.
Começou por me contar que tinham comido uma açorda de peixes (caldeta) e, peixe frito toda a tarde e bebido uns copos de vinho, mas ele só tinha bebido cinco ou seis copinhos, porque estava tanto calor que nem o vinho lhe apetecia e tinha passado o dia quase todo descalço e com as calças e as ceroulas levantadas até aos joelhos e sentado à sombra de um freixeiro com os pés dentro de água.
Não era isso que eu esperava, não condizia com o meu desenho mental e disse-lhe que, sendo assim, não tinha sido nenhuma paródia, então, ele adiantou que, os outros companheiros, tinham cantado, pulado e bailado uns com os outros o dia todo, porque estava lá o ti Tonhico com o harmónio e tinha tocado o dia todo, até cair de costas! Assim, sim, já mudava a figura, o tocador a tocar até cair para trás, tinha sido um grande espetáculo, mas o meu avô, não tinha cantado, nem pulado nem bailado, isso deixou-me muito triste, porque, pelo que eu sabia, para ser paródia no rio Guadiana, tinha de ser assim.
Fim
Texto: Correia Manuel

Rio Guadiana - Cinza



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