sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Memórias das raparigas da pasta de dentes em Capelins

 Memórias das raparigas da pasta de dentes em Capelins

Na segunda metade do decénio de 1960, num dia solarengo do mês de Abril, quando um grupo de rapazes brincavam junto às escadinhas do Pinheiro, em Capelins de Baixo, parou ali uma carrinha, na qual vinham quatro raparigas muito bonitas, obrigando os rapazes a abandonar a brincadeira e a ficarem, descaradamente com os olhos postos nelas a observar os seus movimentos, fazendo suposições sobre quem seriam, e todos apostaram que eram artistas de cinema e vinham fazer um filme a Capelins e sendo assim, talvez a rapaziada entrassem no filme.
As raparigas estiveram falando dentro da carrinha alguns minutos, depois deram uns retoques na maquilhagem, nos lábios e nos olhos e por fim saíram, lentamente, com uns pacotes na mão, vestindo arrojadas mini saias que, eram a grande moda dessa época, até nas Aldeias já usavam, não causando esse facto, nenhuma admiração.
As raparigas seguiram pela rua principal de Capelins de Baixo e, entraram na primeira taberna dessa rua, deixando a rapaziada boquiaberta, porque as mulheres não entravam nas tabernas e partiram a correr para ver no que aquilo dava, meteram o nariz e viram que umas falavam com o taberneiro e outras com os clientes, deram-lhe umas atraentes bisnagas e foram saindo.
Os rapazes ficaram a pensar que seriam guloseimas, ou algum creme para barrar no pão, e como já se estavam a lamber disseram-lhe em coro: - Então não dão nada à gente? As raparigas fingiram não ouvir e seguiram, batendo porta a porta, mas os rapazes insistiram e uma mais simpática respondeu que sim, que davam, mas era às mães, porque andavam a publicitar uma pasta de dentes nova e eram obrigadas a explicar, quando e como tinham de lavar os dentes.
Os rapazes não gostaram do que a rapariga lhe disse e responderam que sabiam lavar os dentes e que as mães não estavam em casa, por isso, estava-se mesmo a ver que não lhe calhava nada e lamentavam-se, sobre a sua má sorte.
As raparigas ignoraram as lamentações e continuaram a bater porta a porta, o grupo de rapazes acompanhantes era cada vez maior e a cada porta que elas se dirigiam eles iam apregoando em coro: Aí mora o ti Xico Alvanéu, mas ele não está cá! Aí mora a ti Maria Mexias! Aí mora a ti Catrina Beleza! Aí mora a ti Maria Rita! Aí mora a ti Maria Joana! Ali na rua de trás mora o ti Manel Moleiro e a ti Maria, não vão lá? Também, se não forem não se perde nada, ele já não tem dentes para lavar e ela só já tem um, para que querem a bisnaga? Era melhor darem-na à gente que andamos aqui a ensinar-lhe onde as pessoas moram!
As raparigas riam, mas não deram nada à rapaziada e, depois de darem a volta até ao Monte da Figueira, voltaram à carrinha e abalaram na direção de Montes Juntos e os rapazes continuaram nas suas brincadeiras.
Era perto de meio dia chegou ali o Miguel Zéi que vinha de Montes Juntos, muito assarapantado a contar que tinha visto uma quantidade de raparigas em pêlo a banhar no ribeiro do quebra. A rapaziada ficaram desconfiados que era mentira, só podia ser mentira dele, mas depois dele as descrever, batia certo com as raparigas da pasta de dentes, e bastou um dizer que ia lá ver, partiram todos em grande correria até ao ribeiro do quebra, mas quando lá chegaram a deitar os bofes pela boca, não viram vivalma e foi uma grande frustração, as raparigas já tinham abalado.
Os rapazes por ali andaram, ribeiro acima, ribeiro abaixo, cheirando e observando onde teriam estado e se por acaso ali se teriam esquecido de alguma peça de roupa ou alguma bisnaga, mas não viram nada, alguns comentavam que se tivessem adivinhado, tinham ido à frente delas e subiam para um chaparro que estava ali mesmo ao pé de onde tinham visto tudo bem visto, e revoltados lamentavam-se que, nunca acontecia nada naquela Aldeia, e uma vez que acontecia, tinha sido desperdiçado.
Como as barrigas já estavam a dar horas, meteram-se a caminho da Aldeia e quando chegaram ao alto, à eira dos pateiros, ainda muito cansados, começaram a ouvir as mães de alguns a chamá-los para o jantar (almoço) e, tiveram de voltar à correria para não correrem o risco de passar por baixo da mesa, era só já o que lhe faltava, e com tanto correr ganharam outro grande cansaço e estavam cheios de fome.
As raparigas da pasta de dentes, foram tema de conversa durante muitos meses, porque os rapazes nunca tinham corrido tanto nas suas curtas vidas, quase tinham rebentado, por causa duma pasta de dentes.

Capelins, Novembro de 2024

Texto: Correia Manuel

Ribeiro do quebra - Capelins



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