sábado, 25 de novembro de 2023

Resenha da história de vidas da Família "Piteira" de Capelins

 A origem das Famílias de Capelins

Resenha da história de vidas da Família "Piteira" de Capelins 
A Família "Piteira" ou "Pitteira", chegou às terras de Capelins, cerca do ano de 1840, uma vez que, uma das filhas chamada Maria Isabel Piteira, nasceu no ano de 1836 na Freguesia de São Bento do Mato - Azaruja, e casou na Igreja de Santo António em 1863, e um dos filhos chamado Joaquim Piteira, nascido na Freguesia de São Manços, casou na Igreja de Santo António de Capelins no dia 11 de Setembro de 1844 e o Manuel Piteira, que fez a ligação desta Família à Família "Carraço", nasceu na Freguesia de São Braz do Regedouro no ano de 1831 e casou com Rosa Maria (Carraço), já viúva, na Igreja de Santo António de Capelins no dia 11 de Março de 1874, ele solteiro, com 43 anos de idade e ela com 32 anos, dando origem à Família "Piteira Carraço).
Estes eram apenas alguns dos filhos do casal Luís Piteira e Isabel Joaquina, ambos naturais da freguesia de São Jordão - Évora, uma Freguesia que já não existe, sendo inserida na Freguesia de Torre de Coelheiros.
Verificamos que os filhos de Luís Piteira e Isabel Joaquina nasceram em Freguesias diferentes, embora todas perto da cidade de Évora, porque Luís Piteira era guardador de gado e, ou o gado mudava de pastagens para diferentes Freguesias, ou mudava-se o Luís Piteira e a Família, até chegar a Capelins, onde parece que, encontrou a sua terra prometida.
Sobre a Freguesia de São Jordão, terra da sua origem:
A antiga Freguesia de São Jordão, no termo (Concelho) de Évora, era curado da apresentação do Arcebispado da mesma Cidade.

A Freguesia foi extinta pelo Decreto-Lei n.º 35927, de 1 de Novembro de 1946, sendo anexada pelo mesmo à Freguesia de Torre de Coelheiros.

O orago é São Jordão.
Assim, divulgamos a origem de mais uma Família, povoadora das terras de Capelins, neste caso não veio da Serra da Estrêla, pelo menos, diretamente a Capelins.
Facilmente, podemos encontra esta Família na antiga Paróquia de São Jordão, que tem Registos desde 1623 e conhecer mais sobre a mesma.

Igreja de São Jordão - Torre de Coelheiros
Foto net 


terça-feira, 21 de novembro de 2023

A lenda do baile na estrema de Nabais, em Capelins

 A lenda do baile na estrema de Nabais, em Capelins 

O espaço geográfico da atual  Freguesia de Capelins, em 1314 passou a ser uma Villa Defesa, era tipo Couto de homiziados, com a diferença que, os criminosos que eram desterrados para os Coutos, onde podiam trabalhar, levar ou constituir lá família, eram uma prisão em regime aberto, logo não podiam sair dos seus limites, no caso das Villas Defesa, parte do sistema era semelhante, o nome é que era diferente, os criminosos não eram para lá desterrados, neste caso, fugiam para a prisão, mas todos os povoadores, foragidos à justiça, ou não, que nela entrassem, tinham vários privilégios em termos de isenção de impostos e, não podiam ser obrigados a sair de lá, para serem julgados ou presos, nem para irem à guerra por terra ou por mar, tudo isso, para poderem povoar as regiões desertas de gente. 

Ao longo dos tempos, foram aparecendo alguns foragidos na dita Villa Defesa de Ferreira e, no início da centúria de 1700 apareceu um rapaz, com um pau e uma manta às costas, aos quais, chamavam malteses, bem vestido e bem calçado, com menos de trinta anos, na taberna do Lugar de Ferreira, hoje Neves, a pedir informações sobre, onde podia trabalhar, a taberneira conhecia os foragidos à distância, viu logo que era mais um, mas como foi no início das ceifas, disse-lhe que, se soubesse ceifar, os lavradores todos precisavam de gente e como ele disse que sim, encaminhou-o para um feitor que estava de conversa à porta da taberna, como sabia fazer todos os trabalhos agrícolas foi logo contratado para uma das herdades da Defesa, sem o feitor querer saber quem era e de onde vinha, só era preciso saber ceifar, mas depressa demonstrou ser um bom trabalhador e no fim da ceifa já de lá não saiu, passou para o carrego dos cereais para a eira, depois para a debulha e para todos os trabalhos que se seguiram, começando a ganhar grande empatia por parte de todas as pessoas que trabalhavam na herdade. 

Toda a gente queria saber como se chamava, de onde era, se era solteiro ou casado e porque tinha vindo para a Defesa de Ferreira, e ele não escondia nada, dizia que tinha a consciência limpa, chamava-se Joaquim José, era de perto de Bencatel e tinha fugido para a Defesa de Ferreira porque era acusado de homicídio, do filho de um lavrador e jurava que estava inocente, nunca na sua vida tinha feito mal a ninguém, mas não tinha testemunhas nem maneira de provar a inocência e teve de fugir da herdade onde trabalhava desde criança.

As pessoas das suas relações, acreditavam que ele era sincero e que dizia a verdade, era muito divertido, pelo que, foi ganhando cada vez mais amigos, e como tinha fama de ser um bom trabalhador, começou a ser cobiçado por várias raparigas com idade casadoira, mas ele resistia, aumentando ainda mais o número de raparigas interessadas nele, e quando começou a frequentar os bailes, não chegava para as encomendas, e começou a pensar em arranjar aqui uma rapariga, casar-se e constituir família.

Nessa época, já se realizavam as grandiosas festas em honra de Santo António, junto à sua Igreja, que ficava situada a menos de 200 metros da estrema ou limite da Vila Defesa de Ferreira, pelo que, os foragidos não podiam assistir, ficavam a ver de longe, porque se pusessem um pé fora da Defesa, eram logo presos pelos guardas do Reino, os ordenanças, que nesses dias não arredavam pé dali, e nunca mais voltavam, geralmente eram desterrados para as colónias, em África, Índia ou Brasil ou para o remo nas galés, onde a maioria morriam, pelo que, a Comissão Paroquial de Santo António decidiu que a parte pagã das ditas festas fosse realizada sobre a estrema, ou limite da Vila Defesa com as courelas de Nabais, assim, já toda a gente podia participar e era pertinho da Igreja. 

A novidade nesse ano, trouxe ainda mais romeiros ás ditas festas e, a parte religiosa foi na Igreja, mas as procissões entraram um pouco na Defesa para os foragidos, devotos, poderem rezar, à noite houve bailes muito animados, realizados em cima da dita estrema, mas os dançarinos que eram foragidos, não podiam passar para o lado de fora, porque os guardas estavam com o olho neles e, qualquer descuido, eram logo presos, e foi o que aconteceu ao Joaquim Zéi, dançava muito bem e andava a rodopiar com uma linda rapariga nos seus braços, da qual, ele gostava muito e preparava-se para nessa noite lhe pedir namoro, mas ao rodar, entusiasmou-se e perdeu a cabeça, descuidou-se e pôs um pé fora da Villa Defesa, como os guardas o tinham debaixo de olho, deitaram-lhe a mão e o Joaquim Zéi desapareceu para sempre, quando os amigos lá do Monte da herdade começaram a ouvir o que tinha acontecido, foram procurá-lo até à Aldeia de Faleiros, mas não encontraram rasto dele e nunca mais apareceu nas terras de Capelins. 

Mais tarde, ouviram dizer que tinha sido condenado ao desterro para o remo nas galés e, nunca mais voltou, presumindo-se que tenha lá morrido. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 




 

sábado, 18 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, do jantar de grilos fritos do Ti Elias

Memórias do Chiquinho de Capelins, do jantar de grilos fritos do Ti Elias

O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro, tinha algumas courelas suas, outras arrrendadas e também cultivava outras ao quarto, ou seja, depois da ceifa do trigo, aveia ou cevada, o dono das courelas dirigia-se às mesmas e, em cada quatro molhos de cereal recolhia um para ele, como meio de pagamento da utilização da terra.

Uma dessas courelas era na herdade do Terraço, pertencente à Casa Camões, que tinha essa herdade dividida em três folhas, estando uma de pousio, em descanso, outra semeada de trigo e outra de aveia e, cada uma das folhas era composta por 10/12 courelas que, eram sorteadas pelos seareiros das terras de Capelins.

Num mês de Março em meados do decénio de 1960, o Chiquinho  estava de férias da escola e, pelas 8 horas da manhã foi com o pai, na carroça, a caminho da courela do Terraço que, nesse ano era junto à herdade do Seixo, assim que chegou, começou logo a descobrir terreno, por ali andou a ver o que havia para ver e avistou, não muito longe, um seareiro a lavrar com a sua mula, foi-se aproximando e viu que era o seu vizinho o Ti Elias Balsante, e foi falar com ele:

Chiquinho: Olá Ti Elias! Então o que anda a fazer? 

Ti Elias: Olá Chiquinho! Ando a lavrar, não vês?

Chiquinho: Que anda a lavrar sei eu!

Ti Elias: Então, se sabes, para que estás a perguntar?

Chiquinho: Para saber, não?

Ti Elias: Para saberes, o que já sabias, isso já é saber a mais! Então, hoje vieste com o teu pai?

Chiquinho: Pois, Ti Elias! Então se estou aqui é porque vim, não?

Ti Elias: Então, já conhecias aqui o Terraço?

Chiquinho: Aqui neste sítio, ainda não! Mas já estou a ver que há aqui pouco para conhecer! 

Ti Elias: Podes ir conhecer além o Monte do Seixo, está a cair, mas foi um grande Monte, ainda podes ver como era!

Chiquinho: Eu tenho medo de ir para além, sei lá quem é que lá morou, no fim ainda lá me aparece alguém que já morreu, não, não, além é que eu não vou!

Ti Elias: Olha, vai ali  aquele altinho, já perto das Areias, que ainda podes ver uns restos de paredes de umas casas dos romanos!

Chiquinho: Ainda bem que me disse, já lá não arrumo!

Ti Elias: Mas porquê? Não encontras lá ninguém, moraram aí, há mais de 1000 anos!

Chiquinho: Não, não, e se ainda lá anda algum bicho desses?

Ti Elias: Não eram bichos que lá moravam, eram pessoas como nós!

Chiquinho: Ah eram? E para onde abalaram?

Ti Elias: Já morreram todos, isso foi quase há 2.000 anos! Podes ir à vontade! 

Chiquinho: Não, Ti Elias, eu não vou para esse lado! Vou mas é ver do meu pai que já devem ser horas de jantar (almoçar)!

Ti Elias: Ó rapaz, horas de jantar? Só se for da bucha, são agora umas dez horas, até ao meio dia ainda tens muito que esperar e eu ainda tenho de lavrar até aquele chaparrinho!

Chiquinho: Eh ti Elias! Só janta quando a lavoura chegar áquele chaparrinho? Eu morria de fome! Então, o que trouxe hoje para o jantar?

Ti Elias: Olha! Hoje são grilos fritos!

Chiquinhol: É lá, Ti Elias! Então isso come-se?

Ti Elias: Claro que come! Não me digas que nunca comeste?

Chiquinho: Como é que havia de comer, se os grilos não se comem!

Ti Elias: Já te disse! São o meu jantar hoje, se não acreditas logo estás aqui que eu dou-te a provar! 

Chiquinho: Xó, xó, Ti Elias, não quero! Mas gostava de ver!

Ti Elias: Então, logo ao meio dia aparece aqui!

Chiquinho: Está bem! Agora vou ver do meu pai!

O Chiquinho foi ter com o pai, que já estranhava a sua ausência, e explicou-lhe onde tinha andado e continuou:

Chiquinho: Ó pai! Ainda demoramos em jantar?

Pai: Então porquê? Já tens fome? Ainda nem são 11 horas! Jantamos ao meio dia!

Chiquinho: Eu já tenho muita fome! Mas não é só por isso!

Pai: Então, é porquê?

Chiquinho: É que ao meio dia, já tenho de estar despachado do jantar, porque a essa hora tenho de estar à do Ti Elias para ver uma coisa que ele hoje trouxe para o jantar!

Pai: E que coisa é essa que o ti Elias trouxe para jantar e que tu tens de ver?

Chiquinho: São grilos fritos! 

Pai: Não sejas parvo! Ninguém come grilos fritos! Foi ele a mangar contigo!

Chiquinho: Não foi, não! Ele falou muito a sério! Veja lá que até me quer dar a provar! 

Pai: Já és muito grande para seres tão parvo! Já te disse que ninguém come grilos fritos!

O Chiquinho ficou sem saber em quem acreditar, o Ti Elias parecia  tão sincero, e ficou na dúvida, por ali andou ansioso para se despachar do jantar (almoço) e ir assistir ao jantar dos grilos fritos do Ti Elias, mas passou-se uma eternidade até o pai parar de lavrar e, por fim, lá foram jantar. 

Assim que acabaram de comer, o Chiquinho levantou-se de cima do saco de serapilheira onde estava sentado e foi a correr até onde andava o ti Elias e assim que chegou perguntou-lhe:

Chiquinho: Então?

Ti Elias: Então o quê?

Chiquinho: Já comeu os grilos fritos?

Ti Elias: Ao tempo! Havia de estar à espera de quê?

Chiquinho: Olha para isto! Não foi capaz de esperar!

Ti Elias: Mas de esperar o quê?

Chiquinho: Que eu viesse, não?

Ti Elias. Então, era para jantares comigo?

Chiquinho: Não era, não! Mas não tínhamos combinado de eu ver os grilos fritos?

Ti Elias: Mas foste tu que faltaste! Ainda esperei, mas não aparecias, não pude esperar mais!

Chiquinho: Então, e não sobrou nada?

Ti Elias: Sobraram umas rodelas de farinheira frita e um bocado de toucinho!

Chiquinho: Não é isso! Dos grilos fritos!

Ti Elias: Nem um sequer! E mais que fossem! Que bons que estavam!

Chiquinho: Esta agora! E quando é que trás outra vez mais grilos fritos para o jantar?

Ti Elias: Agora não sei! Não tenho tempo para ir a eles! Vê lá tu, se me arranjas por aí alguns!

Chiquinho: Eu até arranjava, mas nunca consigo apanhar mais de quatro ou cinco, mas deixe estar que eu não me esqueço de si!Também come grilas?

Ti Elias: Não, não, só grilos, as grilas não se comem! 

Chiquinho: Está bem! Sendo assim, vou por aí a ver o que há de novo! Até logo!

Ti Elias: Até logo, Chiquinho! 

O Chiquinho desamparou o Ti Elias e, por ali andou a passar o tempo, até à tardinha, quando voltaram para casa! 

O Chiquinho fez durar a conversa dos grilos fritos do jantar do ti Elias por muito tempo, principalmente na escola primária da Aldeia de Ferreira, onde a rapaziada dizia que não acreditava.

Um dia o Chiquinho encontrou a Ti Margarida, a mulher do Ti Elias, e perguntou-lhe se era verdade dele comer grilos fritos, ela ficou admirada e percebeu que era brincadeira do Ti Elias e respondeu-lhe que não, porque ninguém comia grilos fritos, mas o Chiquinho continuou com dúvidas durante muitos anos, porque o Ti Elias não era homem de brincadeiras. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Terraço - Capelins 




quinta-feira, 16 de novembro de 2023

As tradições do Carnaval nas terras de Capelins

 As tradições do Carnaval nas terras de Capelins

Até aos finais do decénio de 1970, o Carnaval era festejado nas terras de Capelins de várias formas, mas a principal eram os três dias e três noite de bailes.
Na Aldeia de Ferreira os bailes até meados do decénio de 1960 começavam na noite de sexta Feira e acabavam na madrugada de terça feira e depois passaram o seu início para o domingo gordo e acabavam na quarta feira de Cinzas à tardinha, enquanto que, na Aldeia de Montejuntos, os bailes começavam no sábado e acabavam na quarta feira de Cinzas, e depois passaram o seu início para a segunda feira seguinte, e acabavam na madrugada da quinta feira de Quaresma, era assim a tradição, nesta duas Aldeias da Freguesia de Capelins.
Os acordionistas contratados para tocar de dia e de noite, não tinham descanso, os bailes acabavam pelas duas ou três horas da madrugada e pelas dez horas da manhã os rapazes e raparigas começavam a chegar aos casões dos bailes e se os acordionistas não estavam presentes e prontos para continuar a tocar havia reclamações, mas enquanto o tocador não chegava a mocidade organizavam rodas de baile e, cantavam quase sempre as mesmas cantigas como: A Machadinha, a Maria dos Anjos e outras, e jogavam o jogo do lencinho da botica, quem lá vai lá fica, a roda estava parada e todos/as cantavam a dita cantiga e um rapaz ou uma rapariga circulava por fora e deixava cair um lencinho atrás de um elemento da roda e depois corria para dar a volta sem ser apanhado/a até tocar em quem tinha o lenço atrás e ocupar o seu lugar e esse elemento ia para o meio da roda, e repetia-se várias vezes, os/as da roda não podiam olhar para trás, senão era batota, guiavam-se pelo pressentimento ou reação do/a que circulava atrás deles/as, assim, os bailes de Carnaval, quase não tinham paragens durante os três dias e noites.
Relembramos uma das cantigas que a mocidade cantava nos bailes de roda, com alguns contornos na letra em relação ao que cantavam nas terras de Capelins:
A Machadinha
Ah! Ah! Ah! Minha machadinha!
Ah! Ah! Ah! Minha machadinha!
Quem te pôs a mão, sabendo que és minha?
Quem te pôs a mão, sabendo que és minha?
Se tu és minha, eu também sou tua
Se tu és minha, eu também sou tua
Pula, machadinha, para o meio da rua
Pula, machadinha, para o meio da rua
No meio da rua, não hei de ficar
No meio da rua não hei de ficar
Eu hei de ir à roda, escolher o meu par
Eu hei de ir à roda, escolher o meu par
Escolher o meu par já eu sei quem é
Escolher o meu par já eu sei quem é
É um rapazinho chamado José
É um rapazinho chamado José
Chamado José chamado João
Chamado José chamado João
É o rapazinho do meu coração
É o rapazinho do meu coração
Esta é a rosa
Este é o portão
Esta é a chave
Do meu coração.
Fim 

Aldeia de Ferreira - Casão dos bailes 


Memórias do Chiquinho de Capelins, da pescaria na Ribeira do Lucefécit, com a guita do pião

Memórias do Chiquinho de Capelins, da pescaria na Ribeira do Lucefécit, com a guita de rodar o pião

Nos tempos em que na Freguesia de Capelins não existia eletricidade nem saneamento básico, também não havia máquinas de lavar roupa e, as mulheres lavavam as roupas da Família em tanques, junto a poços privados ou da Junta de Freguesia, nos Ribeiros perto das Aldeias, desde que tivessem corrente, na Ribeira do Lucefécit ou no Rio Guadiana. 

O Chiquinho de Capelins, desde muito pequeno, começou a acompanhar a mãe no dia da lavagem da roupa, geralmente, uma vez por semana, para não ficar sozinho em casa a fazer o que não era para fazer, pelo que, um dia no início do mês de Maio do decénio de 1960,  acompanhou a mãe e, também foi o pai, à Ribeira do Lucefécit, na  carroça da mula. 

Partiram cedo  e atravessaram a dita Ribeira no Porto romano das Águas Frias de Baixo, subiram um pouco o caminho que passava a rasar a Horta das Águas Frias para a Aldeia do Rosário e, estavam no seu destino, um lavadouro feito de pedras de xisto quase talhadas, instaladas na margem da Ribeira, onde as mulheres esfregavam e batiam a roupa, um pouco abaixo do pégo da rocha, no seguimento do mesmo. 

A mãe começou logo a lavar, porque a roupa tinha de ser lavada, corada ao sol, depois batida e posta a enxugar por cima das tamujeiras e de outros arbustos, não se podia descuidar, e o pai andou Ribeira abaixo, Ribeira acima, a procurar arbustos de onde pudesse colher alguns ramos para fazer cabos para enxadas, sachos, martelos e outros instrumentos agrícolas.

O Chiquinho andou por ali observando o ambiente, até ficar cansado e sentou-se perto da mãe a ver os cardumes de peixes pequeninos, que andavam perto da pedra de lavar onde a mãe esfregava a roupa, atraídos pela espuma do sabão azul e do sabão clarim e, quando ele atirava uma pedra à água, movimentavam-se, como se fosse um só corpo. 

Quando o pai acabou a dita tarefa, foi sentar-se ao lado do Chiquinho e reparou nos cardumes que se viam na sua frente e começou a comentar que, se tivesse um fio, decerto fazia grande pescaria de saramugos e outros peixes, porque tinha anzóis, ou seja, tinha dois ou três alfinetes de cabecinha espetados na fita do chapéu, para quando andava nos trabalhos agrícolas e espetava algum pico nos dedos, podia tirá-lo logo, pelo que, era só dar-lhe a forma e ficava um anzól, mas sem uma linha, não serviam e desperdiçava-se uma boa ceia (jantar) de peixe frito, então perguntou à mãe se não lhe arranjava uma linha de qualquer peça de roupa, era só descoser, mas valia a pena, depois em casa logo a cosia, mas a mãe respondeu que não tinha linha nenhuma. 

O pai do Chiquinho ficou aborrecido, mas não desistiu de procurar uma solução, e deu tantas voltas à cabeça até que, perguntou ao Chiquinho:

Pai: Olha lá Chiquinho, por acaso não tens aí no bolso a tua guita de rodar o pião? 

Chiquinho: Tenho, tenho, está aqui! 

Pai: Passa-a para cá, já está resolvido, era mesmo isto que eu precisava.

O Chiquinho ficou boquiaberto à espera de ver pescar peixes com a guita de rodar o pião e com alfinetes de cabecinha, então o pai desatou o nó na extremidade da guita e começou a desfazê-la, porque era feita com três ou quatro linhas de fazer as antigas meias grossas que usavam nas botas de cabedal de andar nos campos, dobradas e entrelaçadas, e o Chiquinho começou a choramingar, dizendo que lhe estava a estragar a guita do pião, mas o pai disse-lhe: 

- Deixa lá a guita, amanhã fazemos outra melhor do que esta, vamos lá apanhar a ceia (jantar) e continuou a desfazê-la, depois cortou uma vara de um arbusto, dobrou um alfinete em curva, atou a linha à vara e ao anzól/alfinete e ficou uma cana de pesca pronta a funcionar, foi procurar algumas minhocas no leito da Ribeira e começou a pescar peixes, uns atrás de outros, em menos de uma hora, tinha um balde cheio de saramugos e outros peixes, alguns com mais de um palmo. 

O Chiquinho estava abismado e em pulgas para começar a pescar, mas enquanto o pai não achou que o jantar estava assegurado, não o deixou molhar as agulhas, por fim, explicou-lhe que, quando o peixe picasse tinha de dar um pequeno impulso, para o anzól/alfinete ferrar o peixe, senão saía e ele fugia, mas com o entusiasmo, o Chiquinho, nem ouviu a explicação, para ele aquilo era muito fácil, era só meter a minhoca na água e tirar o peixe, mas não foi assim, o Chiquinho não pescou  um único peixe, ou puxava antes do peixe picar ou depois dos peixes comerem a minhoca e esgotou o isco, logo a pescaria acabou. 

O pai escamou e preparou os peixes lá na Ribeira e, quando chegaram a casa à tardinha foi só acrescentar sal, e pouco depois, já estavam a fritar e fizeram um jantar que nunca mais foi esquecido, mas o mais importante foi a lição para a vida, quando queremos alguma coisa, que esteja ao nosso alcance, não podemos desistir, porque, muitas vezes, a solução para a obter, está na frente dos nossos olhos e não a vemos, neste caso, estava no bolso do Chiquinho, mas foi encontrada pelo seu pai.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Águas Frias




terça-feira, 14 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ouvia as adivinhas da bisavó Jacinta

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ouvia as adivinhas da bisavó Jacinta 

A bisavó Jacinta Maria, nasceu no Monte do Pinheiro, em Capelins, mas depois de casar desceu para a Aldeia de Capelins de Baixo, ficando a morar numa das suas moradas de casas situadas um pouco antes da curva da rua principal desta Aldeia.

Foi mãe de oito filhos, ficou viúva aos 58 anos e já não casou, porque tinha alguns bens, não sendo obrigada a dar esse passo por necessidade, como acontecia a muitas viúvas nessa época.

Quando, devido à senilidade foi obrigada a deixar de trabalhar, não deixou a sua casa, recusando-se sempre a andar a meses na casa dos filhos, conseguindo tratar-se, com algum apoio dos filhos e netas.

Nas últimas décadas da sua longa vida, viveu até aos 91 anos, passou os dias, desde que o bom tempo o permitisse, sentada numa cadeira com assento de buínho no patio de uma casa que tinha sido sua e, era de uma filha em frente da sua, debaixo de uma parreira que a protegia do sol e ajudava ao seu bem estar naquele sítio. 

O lugar do seu poiso era no meio da Aldeia, muito bom para se distrair com alguma conversa com quem passava, porque, não entrava nem saía ninguém da Aldeia que ela não visse e, embora não fosse de muita conversa, a mesma, não lhe faltava, dava fé de tudo o que se passava na sua rua, quando lhe contavam alguma novidade, respondia sempre: - Já sabia! E ninguém me contou, fui eu que vi! Mas se não puxassem a conversa, não dizia nada, não era tagarela.

Quando estava à soalheira, com sol ou sem sol, no dito lugar, estava sempre fazendo alguma coisa para ajudar alguém, fazia meias grossas de linha para os homens usarem nas botas de cabedal nos trabalhos do campo e, no tempo da colheita da azeitona fazia a limpeza e escolhia as azeitonas uma a uma para as conservas, metia um tabuleiro de madeira à sua frente em cima de uma cadeira e, tirava as folhas e os ramos para um lado, a azeitona escolhida para um balde ou um alguidar e a restante para outro, e passava a temporada ocupada nesse trabalho, porque não podia estar sem fazer nada.

O Chiquinho de Capelins, um dos bisnetos, que lhe chamava avó, passava horas e tardes inteiras junto dela a brincar e a ouvir contos, lendas, provérbios e lenga lengas,  até ficar cansado, assim como ela, com tantas perguntas, e numa dessas tardes que ela estava na tarefa da escolha da azeitona disse uma adivinha ao Chiquinho que tinha a ver com a mesma:

Bisavó: Olha lá Chiquinho, vê lá se sabes qual é a coisa, qual é ela, que passa por tudo isto: Verde foi meu nascimento/E de luto me vesti/Para dar a luz ao Mundo/Mil tormentos padeci! 

Chiquinho: É avó, não percebi nada do que disse, como é que posso adivinhar? Diga lá essa lenga lenga mais devagarinho!

A bisavó repetiu várias vezes, frase a frase e mostrava-lhe as azeitonas, ele ia dizendo atrás, mas não se fazia luz na sua cabeça e passado imenso tempo, ele continuava a dizer que não percebia e ela já saturada disse-lhe: - Então, não estás a ver que é a azeitona! 

Ciquinho: Ó avó, a azeitona? Nunca vi nenhuma azeitona a acender nenhuma luz! 

Bisavó: Pois, não! Mas pensa lá bem, as voltas que ela dá e no fim vai dar luz! 

O Chiquinho, pensou, pensou, até que desistiu, dizendo que não percebia como é que a azeitona dava luz ao Mundo e a bisavó continuou:

Bisavó: Olha lá neto, toma atenção, então a azeitona quando nasce, não é verde? Olha aqui estas azeitonas verdes, depois de ficarem maduras, não ficam pretas? Estão aqui pretas não estão? Então as pessoas quando se vestem de luto, por lhe falecer alguém da família não se vestem de negro de preto? Depois, as azeitonas vão para o lagar e fazem azeite, mas para lhe tirarem o azeite que usamos nas candeias para dar luz por todo o Mundo, não vês as minhas candeias, a luz que dão é porque têm azeite lá dentro, mas as azeitonas tiveram de passar por muito sofrimento, foram esmagadas e prensadas lá no lagar,  assim já percebeste? 

Chiquinho: Ainda não, com tanto palavreado, quando chega ao fim, já não me lembro do principio e não percebo nada, mas pronto, ao menos já sei que a coisa, qual é ela da adivinha é a azeitona, vá diga lá outra, que eu desta não percebi nada! 

Era assim, que o Chiquinho de Capelins, passava as tardes com a bisavó Jacinta Maria, a ouvir o que ela já tinha ouvido aos seus avós e, eram passados de geração em geração e, sem dúvida, foram lições que lhe valeram em muitas ocasiões da sua vida. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira




segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, do baile à luz de um trator

Memórias do Chiquinho de Capelins, do baile à luz de um trator 

Após a revolução do dia 25 de Abril de 1974, seguiu-se um período revolucionário, cheio de peripécias e algumas tentativas contra revolucionárias rematadas por festividades por quem achava que vencia e, nunca houve tantas festas em Portugal. 

Nas terras de Capelins, além das festas anuais em honra dos respetivos oragos, começaram a organizar outras, para divertimento da comunidade, a maioria compunham-se de vacadas à tarde e de bailes à noite, em qualquer fim de semana, fosse, ou não, para festejar um acontecimento bem sucedido para o povo, e como os bailes ficaram isentos de licença, antes era emitida pela Câmara, assim como, da presença da Guarda Republicana, diminuíram os custos de organização, apenas faziam o pagamento aos acordionistas, quase sempre, o senhor Pinto, de Borba, o senhor Cochicho, de Vila Viçosa, o capelinense Joaquim José Aleixo, o vizinho Bento Canhão da Aldeia do Rosário e outros, nessa época, eram bailes e mais bailes. 

Um dia, surgiu a notícia de que ia haver um baile na Aldeia de Ferreira, como nunca tinha havido, seria abrilhantado por vários acordionistas, entre os quais, o capelinense senhor Manuel João Figueiras que, viria acompanhado de outros acordionistas residentes na Baixa da Banheira ou arredores e como toda a gente, mais, e menos nova, se manifestou que estaria presente, o organizador, viu-se de mãos atadas, porque estava visto que o seu casão dos bailes não suportava nem um quarto das pessoas que estariam presentes e não era tempo para o baile se realizar ao ar livre, e começou a dar voltas à cabeça, a pensar como podia resolver esse dilema e, tanto pensou até que encontrou a solução, foi falar com o senhor António Chambel que era rendeiro da herdade da defesa de Ferreira, incluindo o Monte Grande, para ele lhe ceder um grande casão que fazia parte dos currais do gado na eira do Monte, o qual, servia para guardar as alfaias agrícolas e a palha para as vacas. 

O senhor Chambel depois de ouvir o pedido e de se informar que se destinava a fazer uma grande festa para o povo, não hesitou em ceder as referidas instalações que, exigiram muito trabalho  para ficarem em condições de poderem ser usadas para o dito fim. 

No dia do tão afamado baile, as ditas instalações estavam limpas, com um palco improvisado e, com tudo o que era necessário, fios elétricos com lâmpadas,  ligados, provisoriamente a partir de um enxerto feito pelo senhor Chambel que, era lavrador, mecânico, eletricista e fazia de tudo e esforçou-se para que fosse uma noite inesquecível para o povo. 

Quando começou a escurecer, acenderam as luzes da via pública e, algumas pessoas começaram a aproximar-se do recinto do baile, porém, pouco depois deu-se um apagão e as pessoas comentaram: - Olha, acabou-se a luz, mas não deve demorar em aparecer, de vez em quando acontece isto e depois carregam lá num botão e acende, ou vem cá o eletricista que mora ali em Terena, é só carregar num botão ali na cabine e fica resolvido. 

O tempo foi passando e a luz não voltava, e chegavam cada vez mais pessoas de toda a região, o organizador do baile, entretanto, telefonou ao eletricista que chegou, rapidamente e ficou desolado ao verificar que era uma situação muito grave, tinha havido um curto circuito e queimado parte do posto de transformação, não conseguia resolver a tempo de dar luz ao baile, tinha de substituir várias peças que nem tinha ali, nem em Terena, e disse que a eletricidade só estaria de volta pela madrugada ou no dia seguinte.

O senhor Chambel ia quase todas as noites para Montoito, onde morava, mas nesse dia ficou no Monte até mais tarde e quando lhe contaram que não conseguiam arranjar a eletricidade até à hora do baile, prometeu que resolvia o problema, levou logo um trator para junto do casão, começou a fazer ligações de fios aos faróis e a todo o sistema elétrico do trator e, com ele sempre a trabalhar, conseguiu dar boa luz para a realização do grande baile que durou até de madrugada, à luz de um trator. 

O senhor Chambel foi incansável, decerto ficou prejudicado, mas fez isso pelo povo de Capelins, que ele achava que o merecia. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Casão do baile - Aldeia de Ferreira 



sábado, 11 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi a banhos ao Rio Guadiana

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi a banhos ao Rio Guadiana 

Os rapazes da Aldeia de Ferreira, quando estavam de férias e aqueles que não tinham nada para fazer, juntavam-se, diariamente logo de manhã, numa das tabernas, ou à esquina do lagar do Monte Grande ou ainda, debaixo de uma oliveira na ex Aldeia de Capelins de Baixo, depois da troca de algumas ideias sobre o que fazer ao longo do dia, partiam à aventura. 

Num dia de verão, que se adivinhava muito quente, em meados do decénio de 1970, o grupo juntou-se debaixo da oliveira, foram contando peripécias da sua vida nos lugares por onde andavam, o tempo foi passando e a rapaziada começaram a queixar-se do calor que já sentiam e ainda nem eram onze horas, decerto, ia chegar aos quarenta ou quarenta e dois graus, e alguns rapazes começaram a dizer que era um dia para passar dentro de água e comentaram: 

- Não acham que era melhor a gente ir tomar um banho à Guadiana? Depois já passávamos o dia mais fresquinhos! 

- Até podíamos ir tomar um banhito à Guadiana, mas como vamos sem transporte para todos? Respondeu o João! 

A bicicleta do Manel estava encostada ao poial de pedras, olharam todos para ela e comentaram: - Aqui, está o transporte para dois, por isso, podemos arranjar mais duas bicicletas e está o caso resolvido. 

Os rapazes deram várias ideias para arranjar mais duas bicicletas, mas não conseguiram, porque, elas eram o transporte para o trabalho e não estava nenhuma ao dispor, então o João exclamou: - Querem mesmo ir a banhos à Guadiana? Então vamos embora, todos numa bicicleta! 

O Chiquinho quando ouviu o João, começou a rir e perguntou-lhe como é que uma bicicleta carregava com cinco ou seis rapazes? Então o João explicou à rapaziada que, a bicicleta carregava só com um de cada vez, mas esse rapaz percorria uns quinhentos ou seiscentos metros nela, depois deixava-a encostada à roda do caminho e continuava a andar, depois outro dos rapazes dos que seguiam a pé, quando chegassem junto dela, montava-se e fazia os mesmos metros e por ordem faziam todos isso, assim, no máximo em meia hora, estavam todos a tomar banho nas Azenhas del-Rei com a ajuda de uma única bicicleta.

Muito bem pensado e nem hesitaram, meteram-se a caminho do Rio Guadiana, mas quando lá chegaram, já iam todos brigados, porque, alguns ultrapassaram a distância a que tinham direito na bicicleta, até tinham contado os passos, por isso, não havia dúvidas que tinham abusado, por isso, depois de acesa discussão, deram uns mergulhos no pégo abaixo do Moinho das Azenhas del-Rei de fora, em cuecas, depois enxugaram um pouco ao sol, porque nem toalhas tinham levado, vestiram-se e voltaram à Aldeia de Ferreira, mas palmaram o caminho à pata galhana, porque só o Manel, o dono da bicicleta a usou de volta, e como era a hora de mais calor, depois de uma hora de caminhada, pelo Ribeiro do Carrão acima, pela Zorra e Ramalha, quando chegaram à Aldeia já tinham a visão turva, vinham desidratados, cheios de sede e brigados uns com os outros, mas à tardinha quando voltaram a juntar-se na taberna, já estava tudo esquecido, no entanto, essa aventura, nunca mais se repetiu, porque se tinham muito calor antes de partir para o rio Guadiana, quando voltaram vinham a arder por dentro e por fora e o banho não os arrefeceu. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Moinho das Azenhas del-Rei




Memórias do Chiquinho de Capelins, quando comeu a caldeta sem peixes

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando comeu a caldeta sem peixes 

Num dia de verão dos primeiros anos do decénio de 1970, um grupo de rapazes da Aldeia de Ferreira decidiram ir fazer uma paródia ao rio Guadiana, começaram por escolher o dia e surgiram discórdias, uns queriam que fosse num Sábado ou Domingo, e outros queriam que fosse numa Sexta-Feira, porque no fins de semana havia lá muita balbúrdia e como uns estavam de férias e outros não tinham nada para fazer, concordaram que seria numa Sexta-Feira. 

Depois de escolhido o dia da paródia, passaram para o rol das coisas que tinham de levar, azeite, alhos, sal, cebola, tomates, pão, farinha, talheres, pratos, copos, um tacho e uma frigideira, um balde, fósforos, vinho e cervejas e, os  peixes que seriam lá pescados. 

Depois disso  acertado, faltava assegurar os peixes e, logo alguns rapazes disseram que os peixes estavam por sua conta, não era preciso comprar, porque conheciam umas lapas onde havia sempre muito peixe, ficavam por baixo do açude  das Azenhas D' El-Rei, era só meter a mão nos buracos e tirar os que quisessem, por isso, estava tudo acertado, enquanto uns iam pescar os peixes ás lapas, os outros iam adiantando a caldeta e, à hora de almoço estavam todos a dar ao dente e a beber uns bons copos de vinho. 

A partida da Aldeia de Ferreira foi marcada para as oito horas da manhã, uma vez que, em pouco mais de uma hora chegavam ás Azenhas D' El-Rei, mas no dia marcado já passava das nove horas quando conseguiram partir, porque ao conferir o que tinham de levar, faltava sempre alguma coisa e, quando chegaram ao destino, alguns já iam cheios de fome. 

A base foi o Moinho das Azenhas D' El-Rei de fora, chegaram, descarregaram os sacos de serapilheira onde levavam as coisas e os pescadores apanharam uns sacos e correram para as lapas a apanhar os peixes com a promessa que em menos de meia hora estavam ali com o peixe para a caldeta e com algum mais miúdo para fritar. 

O João ficou em terra firme a comandar a cozinha, mandou dois rapazes a buscar lenha, porque havia ali alguma, mas não chegava, e acendeu logo o lume no sítio onde toda a gente o fazia, já estava tudo ajeitado, com umas pedras a servir de trempe para apoiar os tachos e uma cavidade para a lenha arder e disse ao Chiquinho para pegar no balde e ir à água, para quando os temperos estivessem refogados juntar a água, depois, quando eles voltassem com os peixes era só arranjá-los, meter um pouco de sal, esperar um pouco para tomarem do sal e metê-los dentro do tacho e depressa coziam. 

O Chiquinho pegou no balde e foi a correr à Fonte em frente ao Moinho, mas o João gritou-lhe a perguntar onde ia à água? 

O Chiquinho ficou atarantado e respondeu-lhe que ia à Fonte, onde havia de ir? Mas o João disse-lhe: - Volta lá para trás, porque a água para a caldeta é ali do correntão, não há água como a do rio para as caldetas! 

O Chiquinho voltou contrariado, e lembrou o João que os esgotos da cidade de Badajoz desaguavam no rio Guadiana, mas o João respondeu que aquele correntão era da água que vinha da Ribeira do Lucefécit, por isso, era muito boa para as  caldetas.

O João fez o lume, meteu o azeite no tacho e pouco depois, os temperos já estavam a refogar no tacho e os rapazes continuaram a ajudar, e um foi buscar uns ramos de hortelã da Ribeira.

Depois do refogado o João adicionou a água, derreteu duas ou três colheres de farinha de trigo em água e juntou para fazer o caldo grosso, só faltavam os peixes e já tinha passado mais de uma hora e os dois pescadores não apareciam, deixando a rapaziada inquieta, alguns rapazes puseram a hipótese de se terem afogado e começaram a chamá-los aos gritos e aos assobios, mas não havia resposta e foram procurá-los, mas o tempo passava e os peixes não apareciam e estava a fazer-se tarde, porque ainda tinham de os arranjar e coser, esperaram, esperaram e tiveram de arredar a caldeta do lume, por fim, lá apareceram os quatro rapazes com uma cara assustadora e os pescadores muito envergonhados, sem um único peixe, dizendo que parecia uma coisa do demónio, nunca na sua vida isso tinha acontecido, então lembraram-se de recorrer ao Ti Venâncio e comprar alguns peixes, como tinha a choupana ali do lado de baixo do Moinho, não demoraram a voltar de braços caídos, porque não havia sinais dele, devia ter ido a Montes Juntos, e agora? Perguntaram todos!

Os rapazes começaram a dizer que tinham muita fome já nem viam, por isso, decidiram comer o pão com vinho, mas o João fez-lhe alto e disse: - Está aqui uma sopa de tomate já feita, por isso, miguem lá o pão nos pratos e comemos a sopa de tomate, alguns rapazes responderam que aquilo era uma mixórdia, ou uma caldeta falida, porque nunca tinham comida sopa de tomate com hortelã da Ribeira e farinha, mas não tinham alternativa e encheram os pratos com pequenas fatias de pão e quando começaram a comer todos comentavam o mesmo: - A mixórdia estava muito boa, só faziam faltam uns figos para acompanhar, dispensava os peixes, e diziam que nunca tinham comido uma caldeta tão boa, e sem peixes, devia ser porque a fome era muita, ou porque estava mesmo muito boa, por ter hortelã da Ribeira, água do rio Guadiana e algum segredo do João.

Quando à tardinha voltaram à Aldeia de Ferreira, pelo caminho, combinaram não abrir o bico, porque, ninguém podia saber que tinham comido uma caldeta sem peixes, senão, seriam gozados por toda a gente, e todos juraram que não diziam nada, e ficou no segredo dos deuses. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Moinho das Azenhas del-Rei - Capelins 



quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Capelins - história, lendas e tradições

 Capelins - história, lendas e tradições 

Todos os jogos são viciantes e, um dos jogos de outros tempos que mais viciaram a humanidade, chegando às terras de Capelins, foi o jogo do alquerque, o dos três, dos nove e dos doze, ainda hoje, podemos ver os tabuleiros desenhados nas lages dos assentos à porta da Igreja de Santo António de Capelins, porém, ao longo dos séculos foram surgindo outros jogos, como foi o caso do jogo do xito, que se jogava nas tabernas, onde existia uma laje, preparada para esse efeito, em cima da qual era empinado um xito, um invólucro ou cartuxo metálico de uma bala, que os jogadores tinham de derrubar, atirando-lhe com umas moedas antigas e tinham de cumprir as devidas regras, somando pontos, com a finalidade de ganhar o jogo e ao ganhar dois jogos, primeiro do que os adversários ganhava a partida, e nesse caso, ganhavam um copo de vinho, uma cerveja ou outra bebida, paga por aqueles que perdiam.
O jogo do xito, também era viciante, alguns homens passavam dias e noites a jogar e a beber, chegando por vezes, à situação de bebedeira, existindo uma cantiga tradicional nas terras de Capelins que ilustrava essas situações, chamada: Maria dos Anjos! Assim, alertamos que, qualquer semelhança com casos reais, é pura coincidência.
Tem uns pontos diferentes dos que cantavam em Capelins, em rodas de bailes do Carnaval, mas parece que, esta é a cantiga original, mas estamos disponíveis para corrigir:
Cantiga da Maria dos Anjos
I
Onde vais Maria dos Anjos?
Onde vais tu a chorar?
(bis)
Ai ai ai vou buscar o meu marido
Ai ai ai que está na Venda a jogar.
(bis)
II
Que está na Venda a jogar,
Com uma grande bebedeira
(bis)
Ai ai ai se eu casei p'ra trabalhar
Ai ai ai mais valia estar solteira.
(bis)
III
Mais valia estar solteira
Lá em casa do meu pai
(bis)
Ai ai ai meu marido é um malandro
Ai ai ai trabalhar é que não vai.
(bis)
IV
Trabalhar é que não vai
Trabalhar é que não quer
(bis)
Ai ai ai o malandro do meu marido
Ai ai ai não quer saber da mulher.
(bis)
(Venda= Taberna)
Fim
Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira 


Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...