terça-feira, 14 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ouvia as adivinhas da bisavó Jacinta

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ouvia as adivinhas da bisavó Jacinta 

A bisavó Jacinta Maria, nasceu no Monte do Pinheiro, em Capelins, mas depois de casar desceu para a Aldeia de Capelins de Baixo, ficando a morar numa das suas moradas de casas situadas um pouco antes da curva da rua principal desta Aldeia.

Foi mãe de oito filhos, ficou viúva aos 58 anos e já não casou, porque tinha alguns bens, não sendo obrigada a dar esse passo por necessidade, como acontecia a muitas viúvas nessa época.

Quando, devido à senilidade foi obrigada a deixar de trabalhar, não deixou a sua casa, recusando-se sempre a andar a meses na casa dos filhos, conseguindo tratar-se, com algum apoio dos filhos e netas.

Nas últimas décadas da sua longa vida, viveu até aos 91 anos, passou os dias, desde que o bom tempo o permitisse, sentada numa cadeira com assento de buínho no patio de uma casa que tinha sido sua e, era de uma filha em frente da sua, debaixo de uma parreira que a protegia do sol e ajudava ao seu bem estar naquele sítio. 

O lugar do seu poiso era no meio da Aldeia, muito bom para se distrair com alguma conversa com quem passava, porque, não entrava nem saía ninguém da Aldeia que ela não visse e, embora não fosse de muita conversa, a mesma, não lhe faltava, dava fé de tudo o que se passava na sua rua, quando lhe contavam alguma novidade, respondia sempre: - Já sabia! E ninguém me contou, fui eu que vi! Mas se não puxassem a conversa, não dizia nada, não era tagarela.

Quando estava à soalheira, com sol ou sem sol, no dito lugar, estava sempre fazendo alguma coisa para ajudar alguém, fazia meias grossas de linha para os homens usarem nas botas de cabedal nos trabalhos do campo e, no tempo da colheita da azeitona fazia a limpeza e escolhia as azeitonas uma a uma para as conservas, metia um tabuleiro de madeira à sua frente em cima de uma cadeira e, tirava as folhas e os ramos para um lado, a azeitona escolhida para um balde ou um alguidar e a restante para outro, e passava a temporada ocupada nesse trabalho, porque não podia estar sem fazer nada.

O Chiquinho de Capelins, um dos bisnetos, que lhe chamava avó, passava horas e tardes inteiras junto dela a brincar e a ouvir contos, lendas, provérbios e lenga lengas,  até ficar cansado, assim como ela, com tantas perguntas, e numa dessas tardes que ela estava na tarefa da escolha da azeitona disse uma adivinha ao Chiquinho que tinha a ver com a mesma:

Bisavó: Olha lá Chiquinho, vê lá se sabes qual é a coisa, qual é ela, que passa por tudo isto: Verde foi meu nascimento/E de luto me vesti/Para dar a luz ao Mundo/Mil tormentos padeci! 

Chiquinho: É avó, não percebi nada do que disse, como é que posso adivinhar? Diga lá essa lenga lenga mais devagarinho!

A bisavó repetiu várias vezes, frase a frase e mostrava-lhe as azeitonas, ele ia dizendo atrás, mas não se fazia luz na sua cabeça e passado imenso tempo, ele continuava a dizer que não percebia e ela já saturada disse-lhe: - Então, não estás a ver que é a azeitona! 

Ciquinho: Ó avó, a azeitona? Nunca vi nenhuma azeitona a acender nenhuma luz! 

Bisavó: Pois, não! Mas pensa lá bem, as voltas que ela dá e no fim vai dar luz! 

O Chiquinho, pensou, pensou, até que desistiu, dizendo que não percebia como é que a azeitona dava luz ao Mundo e a bisavó continuou:

Bisavó: Olha lá neto, toma atenção, então a azeitona quando nasce, não é verde? Olha aqui estas azeitonas verdes, depois de ficarem maduras, não ficam pretas? Estão aqui pretas não estão? Então as pessoas quando se vestem de luto, por lhe falecer alguém da família não se vestem de negro de preto? Depois, as azeitonas vão para o lagar e fazem azeite, mas para lhe tirarem o azeite que usamos nas candeias para dar luz por todo o Mundo, não vês as minhas candeias, a luz que dão é porque têm azeite lá dentro, mas as azeitonas tiveram de passar por muito sofrimento, foram esmagadas e prensadas lá no lagar,  assim já percebeste? 

Chiquinho: Ainda não, com tanto palavreado, quando chega ao fim, já não me lembro do principio e não percebo nada, mas pronto, ao menos já sei que a coisa, qual é ela da adivinha é a azeitona, vá diga lá outra, que eu desta não percebi nada! 

Era assim, que o Chiquinho de Capelins, passava as tardes com a bisavó Jacinta Maria, a ouvir o que ela já tinha ouvido aos seus avós e, eram passados de geração em geração e, sem dúvida, foram lições que lhe valeram em muitas ocasiões da sua vida. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira




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