A lenda do baile na estrema de Nabais, em Capelins
Conforme consta em documentos régios e Paroquiais, quase todo o espaço geográfico da atual Freguesia de Capelins, em 1262 passou a chamar-se Vila de Ferreira, era uma Defesa tipo Couto de homiziados, com algumas diferenças entre os dois sistemas.
A Vila Defesa de Ferreira era um Couto Senhorial, que recebia foragidos para, dessa forma, poderem povoar estas terras, depois de aqui entrarem eram protegidos, não iam à guerra, nem eram levados para serem julgados noutras terras e, ficavam isentos de pagar impostos ao Reino e ao donatário da Vila.
Conta-se que, no início da centúria de 1700, numa madrugada de Maio, apareceu aqui um rapaz, com um pau e uma manta às costas, logo, um maltez, mas bem vestido e bem calçado, com aparência de vinte e poucos anos, entrou na taberna do Lugar de Ferreira, hoje Neves, bebeu um copinho de aguardente e pediu informações sobre, onde podia trabalhar.
A taberneira conhecia os foragidos à distância e murmurou que, era mais um, mas como foi no início das ceifas, disse-lhe que, se soubesse ceifar, os lavradores todos precisavam de gente e, como ele disse que sim, que sabia fazer todos os trabalhos, encaminhou-o para um feitor que estava de conversa à porta da taberna, trocaram algumas palavras e foi logo contratado para uma das herdades da Defesa, sem o feitor querer saber quem era e de onde vinha, só era preciso saber ceifar.
O rapaz mostrou logo ser um bom trabalhador e, no fim da ceifa já de lá não saiu, passou para o carrego dos cereais para a eira, depois para a debulha e continuou a fazer todos os trabalhos que se seguiram, começando a ganhar grande empatia por parte do feitor e de todas as pessoas que trabalhavam com ele na herdade.
Toda a gente queria saber como se chamava, de onde era, se era solteiro ou casado e porque tinha vindo para a Defesa de Ferreira, e ele não escondia nada, dizia que se chamava Joaquim José, era de perto de Bencatel e tinha fugido para a Defesa de Ferreira, porque era acusado de homicídio, de um filho do lavrador da herdade onde tinha nascido, onde morava com a família e sempre tinha lá trabalhado, e afirmava que estava inocente, nunca na sua vida tinha feito mal a ninguém, apenas tinha encontrado o rapaz já morto, mas não tinha testemunhas nem maneira de provar a sua inocência e teve de fugir de casa, para não ser condenado à morte, mas não ia descansar, enquanto não provasse que não tinha sido ele o autor do crime, mas era verdade que, tinha feito uma grande asneira ao tirar-lhe o relógio que ele nunca podia ter e foi denunciado.
As pessoas que já eram amigas dele, não tinham dúvidas que falava a verdade, acreditavam na sua inocência e, aceitaram-no como se fosse natural dali.
O Joaquim José era muito divertido, nunca andava triste, pelo que, foi ganhando cada vez mais amigos e como tinha fama de ser um bom trabalhador, começou a ser cobiçado pelas raparigas com idade casadoira, mas ele resistia, porque tinha deixado uma namorada na herdade onde morava e trabalhava.
O tempo foi passando e, como ele não podia comunicar à família onde se encontrava, podia chegar aos ouvidos do lavrador e, ele podia mandar matá-lo, foi esquecendo a namorada e, nos bailes começou a olhar para as raparigas dali e elas pare ele, também, porque, dançava muito bem, até que, começou, seriamente a pensar em arranjar uma rapariga, casar-se, constituir família e ficar ali sossegado, até um dia conseguir provar a sua inocência.
Nessa época, já se realizavam as grandiosas festas em honra de Santo António, junto à sua Igreja, que ficava situada a cerca de 100 metros da estrema ou limite da Vila Defesa de Ferreira, pelo que, os foragidos não podiam assistir, ficavam a ver a festa a essa distância, porque, se pusessem um pé que fosse, fora da Defesa, eram logo presos pelos ordenanças do Reino, neste caso, da Vila de Terena que, nesses dias não arredavam pé dali e os foragidos que fossem apanhados lá fora, eram levados para julgamento e nunca mais voltavam, geralmente, ou eram condenados à morte, ou desterrados para as colónias em África, Índia ou Brasil ou para o remo nas galés, onde a maioria morriam.
Como os foragidos e famílias eram muitos, a pensar neles, a Comissão Paroquial de Santo António decidiu que, a parte pagã das festas, seria realizada sobre a estrema, ou limite da Vila Defesa de Ferreira, com as courelas de Nabais, assim, já toda a gente podia participar e, era pertinho da Igreja de Santo António.
A novidade nesse ano, levou ainda mais romeiros às festas e, a parte religiosa foi na Igreja, mas as procissões entraram na Defesa para os foragidos, devotos, poderem assistir e rezar as suas orações. À noite, houve grande baile, muito animado, como prometido, realizado em cima da dita estrema, assim, os dançarinos que eram foragidos, podiam dançar sem passar para o lado de fora, onde os guardas estavam à espera de algum descuido para lhe deitar a mão e foi isso que aconteceu ao Joaquim José, como dançava muito bem, andava a rodopiar com uma linda rapariga nos seus braços, da qual, ele gostava muito e preparava-se para nessa noite lhe pedir namoro, ao rodar na dança, descuidou-se e pôs um pé fora da Vila Defesa, como os guardas o tinham debaixo de olho, não lhe deram tempo de recuar e desapareceu, quando os amigos souberam, começaram logo a procurá-lo por todo o lado, foram a correr até à Aldeia de Faleiros, dispostos a resgatá-lo das mãos dos guardas, mas não encontraram rasto dele e, nunca mais voltou às terras de Capelins.
Mais tarde, ouviram por ali dizer que, o Joaquim José tinha sido condenado ao desterro para o remo nas galés e, nunca mais souberam nada dele, presumindo-se que tenha lá morrido.
Muita gente mais antiga, afirmavam que, este caso foi verídico e que, com mais ou menos contornos, foi passando de geração em geração.
Fim
Texto: Correia Manuel
Contavam que foi aqui o baile - Capelins
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