A estória dos macacos, do padre de Capelins
Nos finais dos anos cinquenta, início dos anos sessenta, ainda havia muita gente, a viver com dificuldades na Freguesia de Capelins, não só devido às fracas jornas que ganhavam nos trabalhos rurais, mas também, devido à dimensão da maioria das famílias, que eram muito numerosas.
Os homens e as mulheres trabalhavam de sol a sol, só em 1962 chegou o horário das 8 horas diárias de trabalho aos rurais, mas já existia desde 1919 para outras profissões, assim, saíam de casa para os trabalhos ainda de noite e de noite voltavam a casa, os trabalhadores que voltavam, porque, alguns comiam e dormiam nas herdades onde trabalhavam e só iam a casa a mudar a roupa de vestir nos Domingos à tarde.
Todos os Domingos, havia a missa dominical na Igreja de Santo António de Capelins, mas compareciam poucos fiéis, e quanto mais o padre criticava e apelava aos paroquianos para irem à missa, menos compareciam, obrigando o padre a procurar saber as razões desse acontecimento, chegando à conclusão que, os fregueses não tinham tempo para ir à missa, porque, mesmo no caso de não trabalharem para os patrões, era no Domingo, que tinham de fazer os trabalhos nas suas casas, as mulheres tinham de lavar as roupas da família, fazer comida, arranjar os filhos e dar uma volta à casa. Os homens tinham de tratar das lenhas, limpar as estrumeiras, semear, cavar e colher as batatas, alhos, couves, alfaces, favas e outros produtos agricolas e horticolas, que eram imprescindíveis à casa, sendo impossível dispensar algumas horas para irem à missa.
Essa situação, obrigou o padre a dirigir-se ao Arcebispo, e pediu-lhe ajuda sobre o que fazer, transmitindo-lhe o motivo que impedia os paroquianos a comparecer nas missas, que era por não terem tempo, uma vez que tinham de trabalhar de noite e de dia e mesmo assim, havia muitas famílias a passar mal em termos económicos, tendo receio que, estivessem a perder a fé, até podiam estar a caminho de uma crise espiritual, por estarem tanto tempo sem ouvir a palavra do Senhor.
O Arcebispo reconheceu que era uma situação grave, não só por algumas pessoas estarem a passar mal, mas não podiam cair num vazio espiritual e decidiu que, durante uma temporada, seria dada uma ração de farinha energética para caldos, a cada paroquiano e paroquiana que fossem à missa, para os ajudar a alimentar o corpo e a alma.
O padre de Capelins anunciou logo esta oferenda da Igreja, dizendo que, era uma farinha muito energética e benzida que tratava o corpo e o espírito, dava muita energia e tinha muitas qualidades, substituía o pão com carne, o pão com queijo, o pão com azeitonas e o pão com pão e anunciou que, no Domingo seguinte, a farinha já estava na Igreja de Santo António e seria distribuída por quem estivesse na missa.
Os paroquianos e paroquianas em poucas horas espalharam a notícia pela Freguesia e foram acrescentando ainda mais qualidades à farinha, nessa semana, não se falou noutra coisa e no Domingo os fregueses não cabiam na Igreja de Santo António, e quase todos os presentes levaram a sua ração, mas os que não levaram a quantidade que queriam para a casa, ou até por qualquer motivo não levaram nenhuma, ficaram zangados com o padre e deu muito falatório.
Nesse dia, houve caldos de farinha por muitas casas de Capelins, mas a maioria das pessoas não sabiam tratar aquela farinha e ficaram com imensos grumos, mas não houve queixas, era grande o desejo de provar a farinha milagrosa, que nem os notaram, e toda a gente comentou que, nunca tinham comido caldos de farinha tão bons, até ali só comiam de farinha de trigo torrada no forno de coser o pão, ou crua, e diziam que era como o padre tinha dito, sentiam-se mais fortes com mais força, aumentando ainda mais a curiosidade daqueles que não tinham ido à missa e à farinha, e no Domingo seguinte, já lá estavam, sendo assim, durante uns tempos, a Igreja enchia, diziam que o trabalho podia esperar umas horas, eles é que não podiam desperdiçar aquela dádiva, já a missa, era como as mais missas.
A rapaziada, andava toda entusiasmada com os caldos de farinha do padre, até corriam e saltavam ainda mais, e passavam o tempo a pedir mais caldos de farinha, enquanto havia, até que um dia estava um grupo de vizinhos e vizinhas a aproveitar a soalheira e um gaiato começou a pedir à mãe o respetivo caldinho de farinha do padre, assim que um pediu, pediram todos, e lá foram mães e avós para casa a fazê-los, e eles por ali ficaram com o ti João que aproveitou para brincar com eles e disse-lhe:
Ti João: Óh rapaziada, vocês sabem que a farinha dos caldos é muito boa, mas é pena vir cheia de macacos do padre, eu já há muito tempo que a arrumei, nem tão pouco a quero cá em casa!
A rapaziada deram um salto e ficaram junto dele a fazer imensas perguntas:
Rapaziada: Oh ti João, está a brincar com a gente? Como é que soube essa coisa, dos macacos do padre?
Ti João: Não estou a brincar, não! Oxalá que estivesse! Foi uma pessoa da minha confiança que me contou, e além disso, não me digam que nunca acharam os macacos nos caldos, quando estamos a comê-los sentem-se a escorregar na boca! E o sabor, lembrem-se lá do sabor, se não é mesmo dos macacos!
Bastou um dos rapazes confirmar que já tinha desconfiado disso, e que já não comia nem mais um caldo, para todos acreditarem no ti João, ele não era pessoa de mentiras, e quando as mães e avós os chamaram, porque já tinham os caldinhos feitos, pelo sim pelo não, responderam todos, que não queriam, não tinham fome de caldos, só queriam um bocadinho de pão com azeitonas ou com queijo e, a partir daquele dia, não comeram mais caldos de farinha do padre que, de verdade, distraído, tirava macacos do nariz com o dedo, talvez alguns lá fossem parar à farinha.
A rapaziada começaram a dizer isso na Escola e todos achavam que devia ser verdade, porque o padre tirava muitos macacos, logo, convenceram os outros gaiatos por toda a Freguesia e, a maioria já não queriam os caldos, a sorte da rapaziada para não terem de os comer, foi que, devido ao grande consumo, depressa esgotaram a farinha, a qual, dava jeito a muita gente.
Quando a doação da farinha acabou na Igreja de Santo António, a comparência dos devotos nas missas, voltou ao que era antes, porque, a maioria dos paroquianos de Capelins, não tinham tempo para ir às missas.
Fim
Texto: Correia Manuel
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