terça-feira, 1 de abril de 2025

São Tiago - Vila de Monsaraz - 1758

História e estórias do celebrado rio Guadiana e de seus afluentes


7 - São Tiago - Vila de Monsaraz - 1758

Respostas do Pároco Manuel Gomes Cunqueiro Velho, da Paróquia de São Tiago - Monsaraz, ao Marquês de Pombal Sebastião José de Carvalho e Melo Secretário de Estado do Reino (Primeiro Ministro) do rei D. José I, em 16 de Junho de 1758.
Rio Guadiana
"Junto desta Vila na distância de meia légua corre um rio que divide este Termo do de Mourão, chama-se este, Guadiana, nos nossos campos, seguindo o nome é Mourisco, conforme diz Brito na Geografia que traz assim da sua Monarquia Portuguesa folha 564, a qual, antigamente segundo o mesmo e Espinola p. 5ª folha 157 o chama de Anna, nasce conforme todos afirmam na Mancha de Aragão de duas lagoas, uma das quais está junto a um Povo chamado Messas e outra mais ao meio dia junto a Vila Nova dos Infantes diz o mesmo Brito. E segundo Bluteau Lit. Guadiana nasce perto das Montanhas de Consuegra junto a um Lugar chamado Carhamares numas Lagoas de água chamam Olhos do Guadiana. Tem este rio outro nascimento conforme afirmam todos, porque depois de nascer no dito Lugar e deixar-se ver de alguns outros que rega com duas águas a outros as furta metendo-se por baixo da terra ocultando o seu curso por espaços de seis ou sete léguas desde Arganassil até à vista do Bamiel, conforme Espinolla e Brito e segundo Bluteau torna a aparecer junto de Vilharca, onde nasceu, o dizerem os naturais da Terra, que tem uma ponte em que de ordinário passam tantas mil cabeças de gado como se podem acomodar em sete léguas, Bluteau diz que lhe deram este nome, porque Anas em latim quer dizer Ade e ao modo desta Ave que mergulha e torna a vir à flor da água. Oculta-se este Rio debaixo da terra e dali a certo espaço se faz visível, sobre o que disse um discreto:
Guadiana rio de Espanha
Se encubre por largos trechos
Chegando a outros veraz
Solto por campos diversos.
São as águas deste Rio diz o mesmo Brito muito pouco gostosas e de menos recriação à vista pela cor escura, e triste que levam, enquanto ao gosto das águas é certo, mas pelo que respeita ao motivo do escurecimento apaixonado, porque ainda que em algumas partes pareçam escuras é pelos grandes re.. que os cercam e pela muita fundura que alguns pegos têm que ainda não se dá esta razão, certamente, não é assim e ainda que por Guadiana seguindo o Mourisco sejam suas águas escuras e tristes seguindo o Cristianismo pra águas e Ana, nunca podem deixar de serem engraçadas.
Corre ordináriamente todo o ano e só em anos tão secos como experimentamos em que deixa de correr.
Rigorosamente rios não tenho notícia que outros entrem no Guadiana, mas Ribeiros muito grandes alguns, como Ardila no Termo de Moura, o Degebe no Termo de Portel, e junto a esta Vila entra neste rio um Ribeiro grande chamado Azavel o qual divide para a parte do Norte o Termo de Monsaraz com o de Terena e entra em Guadiana para a parte do Nascente junto a um Moinho, chamado o Moinho do Gato. Não corre este Ribeiro mais do que de inverno e para este tempo tem vários Moinhos junto a esta Vila e todos em seu Termo Concelho). Tem grandes pegos em que se conservam peixes muito grandes e tem de toda a qualidade de peixes que há no rio. Neste Ribeiro junto à Guadiana entra outro chamado Pêga que tem seu princípio nas estremas desta Freguesia, com a do Corval da parte do Poente, o qual tem um Moinho junto à entrada do Azavel, a este se comunicam pardelhas bordalos picões e algumas bogas.
Navega-se neste rio com barcos pequenos que com dois remos os governa um homem só, de que usam para pescar e levar pão para os Moinhos, mas para as comunicações dos povos navega-se com barcas que com dois remos as governam, como a de Elvas, Juromenha, barca de Cheles Vila de Castela, que desembarca no Termo de Terena, barca de Mourão, que embarcam neste Termo (Concelho) distante meia légua desta Vila, barca de Moura e barca de Serpa e não é capaz de outras embarcações.
É de curso muito arrebatado nas enchentes, porque indo recolhido é de curso quieto, e na verdade em seis de Janeiro deste presente ano (1758) teve uma enchente tão extraordinária como os que são nascidos nunca viram, a qual causou perda muito considerável não só a Castela, mas também a Portugal, assim em gados e homens que afogou como em ruínas em casas, moinhos, e arvoredos fez.
Corre o descrito para Poente dizem o Espinolla e o Brito, em chegando a Badajoz deixa este caminho e lança-se contra o meio dia até dar no Mar Oceano Atlântico.
Cria grande abundância de peixes e os que trás em maior abundância são bogas, cria muitos e grandes barbos, alguns tão extraordinários que pesam uma arroba, como os têm pescado em cordas, cria também grandes escarpios, tencas, eirós, sebatelhos, e em alguns anos pescam-se nos caneiros muitas e grandes lampreias.
Em todo o ano há pescarias conforme o tempo, mas quase todas são por divertimento nestas partes, porém o mais comum e ordinário, são em Fevereiro, Março e Abril, que é quando costumam pescar os peixes grandes, assim nas cordas, como nos cevadouros, que para isto lhe fazem.
Todas as pescarias são livres neste rio e só na distância de uma légua desta Vila a cascalheira do Moinho de Valadares é particular do dono da Herdade das Pipas de baixo, que as cascalheiras são lugares de cascalho que as Ribeiras juntam onde as bogas costumam desovar.
Na distância da Freguesia de Santa Maria pouco se cultivam as suas margens, porque na distância que alcança a Coutada, não se semeia, depois continuam as herdades da mesma Freguesia e comumente são penhascos e terras muito fragosas, rigorosamente não tem margens junto a nós este rio. Não se cultivam senão algumas vagas em que presumem não poderão chegar as enchentes, e só no verão em algumas arcas ou ribanceiras fazem meloais. Nesta distência que uma légua grande não tem arvoredo silvestre, e só dentro do mesmo rio há muita tarrafeira, sarço, no circuito desta Vila tem oliveiras, zambujeiros e azinheiras.
Neste rio costumam muitas pessoas para certas queixas tomar banhos no verão por conselhos dos Médicos e tem virtude as suas águas para fazer degerir e comer, para o estômago dizem que por causa da muita tarrafeira que em si tem o rio.
Sempre conserva o mesmo nome e o mais que podia dizer neste particular e interrogatório e no seguinte me remeto ao que já respondi no primeiro e sexto interrogatórios.
São tantos os açudes neste Rio como são os Moinhos e não só por esta causa não é capaz das embarcações, como pelos muitos e grandes rochedos, e pelo pouco fundo que em muitas partes tem, porque em anos secos o veem quase todo o ano, e o ordinário é? do mês de Maio por diante, assim só andam as barcas em pegos que estejam livres destes obstáculos.
Junto à cidade de Badajoz tem uma grandiosa ponte de cantaria, porém em Portugal não tenho notícia que tenha mais pontes que a da cidade de Elvas, a qual se danificou no tempo das guerras.
Tão povoado está de Moinhos este Rio que entendo não há lugar com capacidade para tal ministério que deixe de os ter, ao presente quase todos são Rodetes, porque podendo-se contar há quarenta anos quantos destes teria o Guadiana, sendo tantos os Moinhos, hoje podem-se contar quantos são os rodízios sendo tantos os Moinhos de Guadiana. Rodetes são uns Moinhos que debaixo têm um poço da altura de homem e meio e alguns têm poço de altura de dois homens em que anda a roda debaixo de água e assim tanto que a água não entra na casa do Moinho, já pode trabalhar porque não tem os rodízios que é necessário que a água os não quebre para que possam moer, e por esta causa o Guadiana em anos ordinários de chuva não podia moer senão de verão, hoje porém em anos ordinários moem a maior parte do ano, em anos secos todo o ano moem.
Contra a evidência é o dizer do Brito no lugar acima citada que a farinha deste rio ainda sendo de bom trigo, é feita com boas pedras já é ordinariamente negra e de ruim cor porque o contrário vemos nós a todas as horas e se acaso assim sucede algumas vezes não é pela causa que o autor aponta, é sim pelo muito tempo que as pedras estão debaixo de água por causa das enchentes serem muitas, e grandes como sucedeu este ano que estiveram cinco meses, ou é esta a principal causa porque quase todos os Moinhos são Rodetes e estes se movem com tanta velocidade que dando-lhe pouco trigo queimam a farinha, cheira a chamusco daqui nasce o sair muitas vezes preta, por descuido dos mesmos que governam os Moinhos o que não sucede no Moinho de Rodízio. Assim, se as pedras e o trigo são bons como ele supõe a farinha também não tem defeito e verão que pode participar a água ao trigo e a água que já muito dá nas rodas lhe comunica o movimento por um veio de ferro. Seguir-se-ia daqui que farinha feita com água turva era menos perfeita do que a farinha feita com água clara, e é contra. Isto quem o dirá se a água não toca na farinha, nem nas pedras.
São suas águas livres e sem pensão, porém não tenho notícia que dela se aproveitem em Portugal para cultura dos campos.
As cidades ou vilas e seus Termos (Concelhos) que a Guadiana banha com suas águas, de Castela conforme Bluteau são Calatrava, Mérida, Medelin, Badajoz e junto a este povo são Cheles, Alconchel e Vila Nova del Fresno, e de Portugal são Elvas, Olivença, Juromenha, Alandroal, Terena, Monsaraz, Mourão, Portel, na distência de quatro léguas, Moura, Serpa, Beja, Alcoutim e entendo que Mértola.
Estas as notícias que da forma de interrogatórios posso participar a Vossa Excelência Reverendíssima cuja pessoa o congratula por felizes e dilatados anos como todos os seus subditos necessitam e pedem. Monsaraz 16 de Junho de 1758.
Excelentíssimo Reverendíssimo Senhor
De Vossa excelência Reverendíssima
Humelíssimo e Obedientíssimo Subdito
Pároco Manuel Gomes Cunqueiro Velho"
Fim
Transcrito por: Correia Manuel
Março de 2025

Comentário:
Conforme podemos verificar o Pároco Manuel Gomes Cunqueiro Velho, da freguesia de São Tiago de Monsaraz, nas respostas ao Inquérito do Marquês de Pombal, nas Memórias Paroquiais de 1758, sobre o celebrado rio Guadiana, consultou alguma literatura, de autores que, escreveram sobre o dito rio, sendo um trabalho muito exaustivo, porque, além da informação local, teve o referido apoio, embora o Pároco, não se mostrasse de acordo com um dos autores, o Brito, (pensamos, referir-se a Frei Bernardo de Brito, que nasceu em 1569 e faleceu em 1617, deixando imensas obras, entre as quais, Monarquia Lusitana, com uma parte de Geografia, e não portuguesa), apresentando algumas críticas e queixas ao marquês de Pombal, ao longo da sua descrição, sobre o que o mesmo autor escreveu, relativamente ao rio Guadiana.
Sobre o nome do rio Guadiana, explicou ser de origem mourisca, mas chamou-se Annas no tempo dos latinos (romanos), não escreveu que, este rio chamou-se "Odiana" desde a conquista destas terras pelos portugueses, até à perda da independência de Portugal, em 1580.
Parece que, o Pároco, estava bem informado sobre o lugar ou lugares da nascente do rio Guadiana, escreveu que, era nos Olhos do Guadiana, mas referiu, que tinha outra nascente a montante deste lugar e, neste caso, também citou outros autores, descreveu que o rio era subterrâneo umas seis ou sete léguas, e parece que, existe fundo de verdade, o rio ao passar por uma região de rochas porosas, estas permitem a infiltração das suas águas a montante dos ditos olhos do Guadiana, havendo um espaço geográfico que as águas desaparecem.
São mencionadas algumas Ribeiras e Ribeiros fora da Freguesia e até do Concelho de Monsaraz, mas também referiu as Ribeiras de Azevel e da Pêga, esta última, onde nasce e onde morre, e em relação à Ribeira do Azevel, apenas escreveu que entrava nesta Freguesia e ia separando os Concelhos de Monsaraz e de Terena até desaguar no rio Guadiana, junto ao Moinho do Gato, também se referu a algumas espécies de peixes que existiam nesta Ribeira.
Escreveu sobre os barcos e barcas que navegavam em todo o rio Guadiana no Reino de Portugal, logo, refere a barca que fazia a travessia do rio, entre os Concelhos de Mourão e de Monsaraz.
O Pároco escreveu que existia grande abundância de peixes no rio Guadiana, indicando as espécies e que, faziam pescarias livres todo o ano mas mais nos meses de Fevereiro, Março e Abril, era quando pescavam os grande peixes.
Quanto aos Moinhos e assudes no rio Guadiana o Pároco escreveu que, estava tão povoado que, seria impossível haver lugar para mais algum, mas não referiu os seus nomes. mas descreveu bem o que era um Moinho de Rodete, os do rio Guadiana que, as mós ao rodarem com muita velocidade, podiam queimar a farinha se o moleiro não estivesse a controlar a quantidade de trigo a entrar nas mesmas, enquanto isso, não acontecia com o Moinho de Rodizios, e era isso, que o Brito não levou em conta, nas suas criticas à farinha dos moinhos do rio Guadiana.
Sobre as localidades onde o rio Guadiana passava ou banhava, deu uma boa informação, indicando as do Reino de Castela e as do Reino de Portugal, neste caso, de Elvas até Alcoutim, cometendo aqui um erro, depois de Alcoutim era Mértola.
O Pároco Manuel Gomes Cunqueiro Velho, fez uma boa descrição do celebrado rio Guadiana, por vezes exagerada, mas deixou-nos um bom retrato do mesmo e dos seus afluentes, como eram em 1758, neste caso, naquela Freguesia e na região da Vila de Monsaraz.
Fim
Correia Manuel

Igreja de São Tiago de Monsaraz



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