domingo, 30 de março de 2025

A lenda do protegido da Condessa da Vila de Cheles

 A lenda do protegido da Condessa da Vila de Cheles 

O donatário do Senhorio ou Feudo da Vila de Cheles, D. José Bambalere, era um homem muito rico, e casou com Dª Maria Josefa, Senhora também muito rica e, embora, viessem passar grandes temporadas no seu palácio da Vila de Cheles, eram senhores de um dos maiores e mais belos Palácios de Madrid, onde tinham um exército de criados e criadas, entre as quais, havia famílias inteiras e, naturalmente havia muitos casamentos entre eles, além do regimento da guarda do palácio. 

De entre muitas criadas, havia uma rapariga chamada Lolita, muito linda que, era a perdição de todos os rapazes que trabalhavam no palácio, a sua beleza era tanta que, não escapou ao desejo do Senhor D. José, homem de 31 anos e, com fama de se aproveitar das raparigas que gostava, pelo que, não demorou em se apoderar da linda Lolita, mas ela tinha namorado, um rapaz chamado Manuel Rodriguez, um dos ferradores dos cavalos do palácio, e estavam muito apaixonados, mas ela não podia fazer nada para se livrar do D. José, e o Manuel começou a ser alvo de chacota por parte dos outros rapazes que, lhe davam cabo da cabeça.

O tio do Manuel, que o tratava como filho, era o comandante do regimento da guarda, sabia de tudo e sofria com isso, então teve uma conversa com ele e disse-lhe que só havia uma maneira de resolver a situação, era ele e a Lolita fugirem dali, para bem longe, era melhor não ficarem no Reino de Espanha, porque, muitos cavaleiros e escudeiros recorriam aos ferradores e podiam saber notícias dele, e falou-lhe de um lugar em Portugal, que ambos conheciam, junto a Cheles e sendo ele um bom ferrador em todo o lado se haviam de governar. 

O Manuel disse ao tio que ia falar com a Lolita, e falou, mas ela não mostrou muita vontade de entrar nessa aventura, na esperança da situação mudar, mas não mudava e o Manuel tinha cada vez mais ciúmes do Senhor D. José, ao ponto de o odiar, até que, no dia 02 de Novembro de 1854, quando ele voltava de França, onde tinha ido fazer uns negócios, já dentro do palácio, o Manuel estava de cabeça perdida e a vista turva de tanto ódio, de cara tapada com um lenço, saiu detrás de um reposteiro e cravou um punhal no coração do D. José, que caiu morto.

  Quando as criadas se aperceberam, começaram aos gritos e veio logo a guarda, mas ao serem interrogadas, todas disseram que não lhe tinham visto a cara, não sabiam quem era o assassino, mas o tio do Manuel não teve dúvidas que tinha sido ele, e para lhe dar alguma vantagem na fuga, pediu ajuda aos guardas para salvarem a vida ao Senhor, pedindo para correrem a chamar o médico, a buscar toalhas e água quente e outras coisas, dizendo que tinham tempo de apanhar o assassino, uma vez que, era impossível ele sair do palácio.

O Manuel correu a chamar a Lolita e sairam a correr por uma porta secreta do palácio que, poucos criados conheciam e não era vigiada pelos guardas, montaram nos cavalos que ele já tinha preparados, com as ferramentas dele e com mantimentos e partiram, entretanto no palácio, só depois de reunirem as criadas e os criados todos e guardas, verificaram que faltava o Manuel e a Lolita e tiveram a certeza que tinha sido ele o autor do crime, e deram início às buscas por Madrid e arredores, mas não conseguiram encontrar nenhuma pista, porque, eles já estavam a muitas léguas distantes de Madrid. 

O tio do Manuel, sabia o caminho que ele tinha seguido, por isso, deu instruções contrárias aos guardas, dizendo que, eles deviam ter seguido para França onde ele tinha familiares e, ninguém  imaginou que ele fosse dirigido à toca do lobo, ou seja, a Cheles, onde podia ser reconhecido, porque já lá tinha estado uma vez a acompanhar o Senhor D. José, por isso, não foi procurado para essas bandas e, passado algum tempo, o triste caso, foi ficando esquecido.

O Manuel Rodriguez e a Lolita, foram descendo de terra em terra, pelo caminho que ele já conhecia, até Mérida e, a partir daí, seguiram de perto o curso do rio Guadiana, chegando quase dois meses depois da fuga de Madrid às Terras de Capelins que ele já conhecia quando tinha passado uma grande temporada na Vila de Cheles, aqui sentiam-se seguros e começou logo a trabalhar, porque, era um bom ferrador e havia falta deles.

O Manuel e a Lolita, não levantaram suspeitas, porque, a todo o momento chegavam aqui povoadores vindos de todo o lado, até de Espanha, uns ficavam cá a residir, outros, eram trabalhadores temporários que, no fim das safras voltavam às suas terras, por isso, embora espanhóis, foram bem recebidos, porque, para os moradores eram mais uns de Cheles ou daqueles lados, casaram logo, na Igreja de Santo António, ele ficou registado com o nome de Manuel Rodrigues e ela de Lolita Maria, conforme constava nos seus documentos e, disseram que eram de perto de Cheles, começaram a sua vida normal, tiveram seis filhos, todos batizados na Igreja de Santo António de Capelins, naturalmente com nomes portugueses, como eram, e aqui foram muito felizes, sem nunca serem incomodados.

 Todos os seus filhos aprenderam uma profissão, e dois deles,  aprenderam a profissão do pai, de ferradores, e trabalhavam todos pelas herdades da Freguesia de Capelins, até que, um dia, o  filho mais velho chamado Pedro Rodrigues, encontrou em MontesJjuntos, um amigo que trabalhava nas herdades do Condado da Vila de Cheles, como sabia que ele era um bom ferrador disse-lhe  que precisavam de um ferrador lá na herdade e pagavam muito bem, se Manuel quisesse, ele falava lá com o maioral e o lugar era dele.

O Pedro, ficou indeciso, era bem pago, mas era para lá do rio Guadiana, e se do lado de cá não lhe faltava trabalho, mesmo ganhando menos, tinha de pensar muito bem, mas não esquecia o valor que o amigo lhe tinha falado e contou à mulher que lhe respondeu para ir, porque não era assim tão longe e era muito bom dinheiro, devia aproveitar, pelo menos uns tempos, depois logo se via e, passados uns dias, o Pedro atravessou o rio Guadiana e apresentou-se no Monte indicado pelo amigo, onde começou logo a trabalhar.

A Condessa Maria Esperança, filha de D. José, Senhor de Cheles, a menina que nasceu dois meses após a morte do pai, herdou o Senhorio de Cheles, o qual, em 1879, passou a Condado, sendo ela, a primeira Condessa de Cheles, já estava mais tempo em Cheles do que em Madrid, porque, as suas maleitas, aqui desapareciam, talvez, devido aos bons ares do campo, ela vivia no seu palácio Via Manuel na Vila de Cheles, mas ia quase, diariamente numa carruagem até à herdade, e montada a cavalo fazia grandes passeios pelas margens do rio Guadiana, desde o Porto de Cheles, em frente ás Azenhas D'El-Rei, até à Ribeira de Tálega, até que um dia, quando voltava desse percurso acompanhada de alguns criados, o seu cavalo preferido coxeava muito, por ter perdido uma ferradura e ficou com um cravo ou prego, dos que suportam as ferraduras, espetado no casco, numa pata, chamaram logo o Pedro para ver o que se passava com o animal, quando ele se aproximou fez a devida vénia à Condessa, ela olhou para ele e quase desmaio, ficou branquinha como a neve, porque, o Pedro tinha a fisionomia, o físico, os gestos, era todo, tal e qual, o seu irmão, quatro anos mais velho.

A Condessa quando se recompôs, fez-lhe imensas perguntas, qual o nome, a idade, de onde era, e outras, ele respondeu num castelhano correto, era filho de pais espanhóis, e quando ele lhe disse que os pais eram espanhóis, dali da região de Cheles, ela deduziu logo que tinha sido obra do pai, do D. José, como passava temporadas na sua Vila de Cheles, tinha apanhado alguma rapariga dscuidada e, era certo, que tinha ali mais um irmão, e a partir desse dia, sempre que tinha oportunidade ia falar com ele, como se fossem conhecidos desde sempre, até ficar sem nenhuma dúvida que ele era mesmo seu irmão e, começou a pensar que tinha de o proteger e recompensar.

Um dia, chamou o Pedro e o maioral da herdade, que já estava velhote, aos seus aposentos, e disse ao Pedro que, podia continuar a ser ferrador da herdade, mas para o maioral admitir outro ferrrador, porque a partir daquele dia o Pedro começava a  aprender tudo sobre a administração da herdade e dos negócios da mesma.

De verdade, o Pedro Rodrigues, era irmão da Condessa Maria Esperança, mas não tinha origem em Cheles, como ela pensava, quando a mãe dele, a Lolita, fugiu de Madrid, com o Manuel Rodriguez, já estava grávida do Senhor D. José, por isso, ele era tão igual ao outro irmão da Condessa, ela ainda mandou averiguar por Cheles e arredores, sobre a família do Pedro, mas não conseguiram encontrar nenhuma notícia dela.

O Pedro, como desde pequeno andava com o pai pelas herdades de Capelins a ferrar e a tratar de gado, conhecia bem todos os trabalhos, pelo que, isso ajudou muito na sua aprendizagem e, passados cerca de dois anos, já era ele o maioral ou feitor da herdade e, a Condessa nomeou-o Procurador para os assuntos da herdade, com um bom salário, podia fazer negócios de gado e cereais e resolver situações, sem precisar da aprovação da Condessa, nem dos seus Procuradores.

A mulher e os filhos do Pedro foram morar para Cheles, onde nasceram mais alguns filhos, mas ele ia muitas vezes a Capelins, onde tinha irmãos e irmãs, até tinha um barco próprio, para atravessar o rio Guadiana, visitava e ajudava a família e, fazia negócios de gado e de cereais e foi numa dessas visitas que uma das irmãs lhe contou tim por tim a história de vida dos seus pais, tudo o que antes foi descrito, que lhe tinha sido contado pela mãe, a Lolita, uns dias antes de falecer, e foi assim que esta lenda, chegou até aqui.

O Pedro não ficou muito impressionado, porque, desde sempre, pressentia que havia algum mistério na vida dos seus pais, mas, assim, ficou com a certeza que, era irmão da Condessa de Cheles, e se ela o tratava daquela maneira, decerto, também sabia, mas se sabia isso, também devia saber que tinha sido o seu suposto pai, o Manuel Rodriques, que tinha assassinado o pai dela, isso é que já não dava certo, porque, ela teria de o odiar, mesmo sem ele ter culpa, mas estava claro que, não era isso que acontecia.

A vida do Pedro Rodrigues em Cheles não podia ser melhor e ele já era um homem rico, comprou uma herdade na Freguesia de Capelins e, tornou-se um grande lavrador da região, mas continuou a morar em Cheles. 

A pedido da Condessa, o Pedro não a deixou até ao dia da sua morte em Cheles, que foi no dia 07 de Outubro de 1935 e, nesse mesmo dia, sem apresentar nenhuma doença, já com a idade de oitenta anos, tal como a Condessa Maria Esperança, também ele faleceu, no mesmo dia da sua irmã e, ficou sepultado em Cheles. 

No ano seguinte, começou a guerra civil de Espanha, que decorreu entre 1936/39 e, a família Rodrigues/Rodriguez tiveram de deixar a Vila de Cheles e refugiaram-se na herdade que a família tinha do lado de cá do rio Guadiana, mas assim que a situação lá melhorou, a família voltou para Cheles, porque, não tinham dúvidas que, Espanha, era a sua Pátria.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Palácio Via Manuel na Vila de Cheles - Espanha, construído por D. Francisco Manuel de Villena 




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