sábado, 22 de março de 2025

Nossa Senhora do Loreto - Vila de Juromenha - 1758

História e estórias do celebrado rio Guadiana e de seus afluentes

1 - Nossa Senhora do Loreto - Vila de Juromenha - 1758

Respostas do Prior Frei Gaspar Mendes Fragoso, da Paróquia de Nossa Senhora do Loreto - Vila de Juromenha, ao Marquês de Pombal Sebastião José de Carvalho e Melo Secretário de Estado do Reino (Primeiro Ministro) do rei D. José I, em 08 de Abril de 1758.
"O rio que se acha nas vizinhanças desta Vila de Juromenha e muito próximo a ela é o celebrado Guadiana.
Dizem os que melhor notícia dele têm, que este rio tem seu nascimento em Espanha, entre duas serras de Aragão e que nasce de duas fontes que juntas formam este caudaloso rio e que no mesmo Reino entra por baixo da terra sete léguas, dizem outros que cinco, o certo é que no nosso Reino de Portugal, se vê a corrente à superfície.
Não há dúvida que caudaloso parece o seu nascimento, porque impetuosa é a sua corrente, principalmente de Inverno, no que se vê nas memoráveis grandes cheias, que servem de admiração. Em todo o ano, não deixa de correr, mas de verão com pouca abundância, que sucede passarem-no a pé descalço, dizem alguns que isso sucede por causa de lhe tomarem as águas para regarem, naqueles campos lá na Castella o que é preciso regar-se, outros dizem que a multidão de gado que baixam de várias terras lhe diminuem as águas, (ou seja, a seca no verão era porque a multidão de gado lhe bebia a água). O certo, é que de Verão se vâ o rio de águas muito empobrecido, sendo no inverno tão enriquecido delas.
Neste rio, em distância de tiro de espingarda, se mete a Ribeira de Mures, e em distância, de quase meia légua a Ribeira da Asseca, isto é, junto a esta Vila que em distâncias maiores se metem outras Ribeiras e Ribeiros, neste Termo (Concelho) só a Ribeira de Pardais na distância de uma légua, e três Ribeiros de menos qualidade, em distância de meia légua ou menos, como são o de Fatalão desta parte de cá do rio e da outra o de Vila Real e o de Freixial.
É navegável este rio Guadiana, e as suas embarcações não excedem a Barca (de Juromenha) e os seus barquinhos e não me parece que pode admitir outras e são as que nele vi e não ouvi o contrário.
Parece-me que o seu curso todo é o mesmo em todo o rio, arrebatado mais no Inverno pelas impetuosas águas que mais o faz enfurecer e de verão muito pacífico e quieto pela diminuição delas e bom sossego, e isto me parece, lhe sucede em toda a sua corrente, porque o contrário não me consta.
Este celebrado rio tem sua corrente do Nascente para o Poente.
Cria este rio muitos peixes, de vários nomes e de diversas espécies, uns são barbos, outros cumbos, outros beissudos, outros verceiros, estes são os de maior qualidade, há barbos que chegam a pesar de dois, vinte e trinta arrates, há também outra qualidade de peixes de menos grandeza e que se chamam escárpios, e pencas, os maiores pesam quatro, cinco, seis arrates, fora desta qualidade há eirozes, (ou iroses) que são como as enguias do mar, há muito peixe miúdo, bogas, bordalos, saralosas, pardelhas e outros. Neste rio há um celebrado pégo chamado Pégo do Lima que pelos especiais escárpios e pencas que o enriqueciam nele se faziam grandes e célebres pescarias de Verão pela abundância de água que lhe ficava, hoje se acha sem péguios, e só conserva a água no tempo do Inverno e já estas pescarias têm sessado por esta causa.
A foz da Mures e da Asseca que no dito Rio entram como já disse, em qualquer delas, se fazem pescarias, de toda a qualidade de peixes, e os principais, e em mais abundância, bogas e bordalos.
As pescarias que há neste rio, mais vistosas se fazem no verão, com redes e moscões, com que se pescam os mais, e mais nobres peixes.
Não consta que as pescarias deste rio seriam captivas, nem de pessoa particular, mas livres, para todas as pessoas e não sei que se pratique o contrário.
Ás águas deste rio, lhe não conheço virtude particular, só ouço dizer que é bom beber a água pelo pau da tarrafeira que no dito rio há muita e que esta água pelos copos da tal tarrafeira é boa para desfazer a obstrução (obstipação?). Eu não a experimentei.
O dito rio Guadiana, não sei que tenha outro nome neste Reino, ou fora dele, mas antes nas histórias onde se fala deste rio, sempre com o mesmo nome.
Este rio morre e finda no mar, junto à Vila de Serpa, onde chamam o Salto do Lobo, digo Mértola.
É certo que este rio por todo ele tem muitos açudes e moinhos, e por isso não se pode em toda a parte navegar, mas tão somente nas partes desimpedidas.
Não tenho notícia que este rio no nosso Reino, tenha mais de uma ponte, em distância desta Vila uma légua, na Freguesia da Senhora da Ajuda, Termo de Elvas, que se acha demolida a principal parte dela, que se não passa, e é de cantaria.
Não sei das léguas que o rio tem, nem as povoações por onde passa, só algumas no nosso Reino. De Badajoz para este Reino, passa pelo Termo (Concelho) de Elvas, Termo (Concelho) de Olivença e por esta Vila de Juromenha e pelas vizinhanças de Monsaraz, Mourão, Moura, não sei se passa por Serpa ou Beja.
O Prior Frei Gaspar Mendes Fragoso"
O nosso objetivo principal, é conhecer um pouco da história e eventuais estórias do Rio Guadiana na centúria de 1700 e, ninguém melhor do que os Párocos das povoações ribeirinhas para as contar, vamos, assim, comparar o que cada um, dos 10 Párocos das Paróquias entre a Vila de Juromenha e a Vila de Mourão, escreveram sobre o celebrado rio Guadiana e seus afluentes, nesse ano de 1758.
Vamos fazer uma viagem, recuando mais de 260 anos, pelas localidades ribeirnhas do celebrado rio Guadiana, desde a Vila de Juromenha, até à Vila de Mourão, passando pela Freguesia de São Brás do Matos - Mina do Bugalho, Freguesia de Nossa Senhora do Rosário - Aldeia do Rosário - Alandroal, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, Vila do Alandroal, Freguesia de São Pedro da Vila de Terena, Freguesia de Santo António de Capelins, Freguesia de São Tiago - Vila de Monsaraz, Freguesia de Nossa Senhora da Lagoa - Vila de Monsaraz, e Freguesia de Nossa Senhora das Candeias - Vila de Mourão.
Os padres destas Paróquias ou Freguesias, deixaram-nos este legado através das Memórias Paroquiais de 1758, na resposta ao Inquérito do Marquês de Pombal e, neste caso, no que se refere às informações sobre o rio Guadiana e seus afluentes, conseguimos ficar com uma ideia, como eram naquela data, e fazer a comparação com as eventuais mudanças em mais de 260 anos.
Todos sabemos que, a principal mudança na região abrangida, foi a Albufeira de Alqueva, de tudo o resto pouco mudou, a não ser a situação de Vila Real e todo o Concelho de Olivença ficar sobre domínio espanhol desde 1801 e nada se resolveu, sobre os limites oficiais da verdadeira fronteira entre os dois países.
São descritas as características do dito rio, como o conhecemos, muito caudaloso no Inverno, com grandes cheias, e quase seco no verão.
Conhecemos os seus principais afluentes, Ribeiras e Ribeiros, onde se situavam, onde nele entravam, as espécies de peixes que existiam em cada Ribeira e no Guadiana e que se faziam grandes pescarias.
Quanto aos seu lugar de nascimento o Prior de Juromenha achava que, era entre duas serras de Aragão a partir de duas fontes que juntas formavam este caudaloso rio e ainda naquele Reino de Aragão metia-se por baixo da terra sete léguas, ou cinco, ou fossem as que fossem, o certo é que quando entrava no Reino de Portugal já corria à superficie.
Sabemos que, os conhecimentos geográficos de então, eram muito limitados e, por vezes os lugares não eram bem identificados, neste caso, quanto ao lugar do nascimento do rio Guadiana, ainda hoje não existe consenso quanto ao sítio certo.
Encontramos em diversos artigos e livros que o seu nascimento é nas lagoas da Ruidera na província espanhola de Cidade Real, porém, existem outras versões, como a seguinte:
"A lenda de um rio que desaparece e reaparece sobreviveu até ao século XX. Ainda hoje se aceita como referência em alguns livros, além da tradição popular.
No entanto, não existe nenhum curso subterrâneo, como também, não parece que sejam as lagoas de Ruídera, o ponto de origem do rio Guadiana, ou pelo menos, somente nestas lagoas, a juzante delas, as águas infiltram-se através das rochas porosas, reaparecendo no lugar dos olhos do Guadiana, pelo que, aceita-se o seu nascimento neste lugar, nos Ojos del Guadiana.
Voltando às Memórias Paroquiais de 1758 dos Párocos desta região, podemos verifcar que, quase todos, assim como os moradores das povoações ribeirnhas, achavam que a foz deste celebrado rio, era no Oceano junto a Mértola, talvez, por ouvirem dizer que, nesse lugar, já existia influência das marés, porém, o Prior da Vila de Juromenha, achava que a foz ainda era mais acima, ou seja, no Salto do Lobo, (Pulo do Lobo), Mértola.
Era muito natural haver algumas confusões, porque, nesses tempos de 1700, era difícil viajar e, apenas era conhecido o que os povoadores e viajantes que chegavam a estas terras vindos dessas regiões aqui contavam, ou seja, as notícias vinham por boca, e muitas vezes eram incompletas.
É de salientar que, este Prior de Juromenha, o designava por "celebrado rio Guadiana", uma forma de o engrandecer e, mostrar ao Marquês de Pombal que este rio era um bem comum, porque ajudava a comunidade, se mais não fosse, com o seu bom peixe que, matava a fome a muita gente, porque, por vezes, os pescadores doavam o peixe que nele pescavam, ou vendiam-no a preços simbólicos.
A escrita do dito Prior é perfeita, mas há palavras que não é fácil transcrever, embora raras, e nesses casos, fomos procurar o sentido da frase, logo a transcrição não está à palavra.
Como sabemos, o rio Guadiana, nesta região e não só, sofreu algumas mudanças, em mais de 260 anos, já não tem barcas, os moinhos já não moem e, devido à Albufeira de Alqueva, a maioria deles estão submersos, porém, surgiram outras estruturas, como as diversas praias nas margens do Grande Lago e, como escreveu o Alcaide de Badajoz no telegrama ao seu ministro, na grande cheia de 1876: "o Guadiana desapareceu, chegou o Oceano".
O rio Guadiana, deixou muitas saudades, aos que o frequentavam, pela sua magia, pelas memoráveis cheias, pelos cheiros da flora das suas margens e ilhas, pelos banhos em águas selvagens e pelas festas nas pescarias que nele se faziam.
É caso para escrever: Até sempre, celebrado rio Guadiana.

Fim

Correia Manuel

Março de 2025

Vila de Juromenha



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