sábado, 1 de março de 2025

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando se foi confessar

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando se foi confessar

O Chiquinho de Capelins, quando andava na Escola de Instrução Primária, nunca faltava às missas na Igreja de Santo António, porque, era obrigado a acompanhar as professoras, a Dª Eva, a Dª Amélia sua irmã, professora na Aldeia dos Orvalhos, mas vinha ter com a irmã, aos fins de semana, e a Neca, a empregada da casa delas, embora, fosse contrariado, porque havia rapaziada que o criticavam, mas não tinha outro remédio.

Em meados do decénio de 1960, o padre da Paróquia de Santo António de Capelins era o mesmo da Paróquia de Santiago Maior, onde morava numas casas desta Paróquia ao lado da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, na Aldeia dos Marmelos, mas não se descuidava da Paróquia de Santo António, onde rezava a missa aos Domingos e visitava a Escola Primária em qualquer dia da semana e alguns compadres como o ti Xico Paulino, na sua taberna, onde comia sempre uns amendoins, enquanto se ia inteirando da vida dos seus paroquianos se andavam dentro da linha e, se havia alguma novidade do seu interesse.
Na Escola Primária, assim que o padre Silva entrava, a rapaziada corria a fazer uma fila e, à vez iam todos e todas a pedir a sua benção e a beijar-lhe a mão, coisa que alguns rapazes detestavam, devido a boatos, que ele não lavava as mãos e mexia aqui e ali e outras coisas piores, por isso, uma vez um aluno em vez de a beijar cuspiu-lhe para a mão, depois teve sorte, ficar com as orelhas, a professora não perdoava.
Em alguns Domingos no final da missa, o padre Silva, fazia as confissões, mas avisava antes na Escola para a rapaziada serem preparados como se fossem fazer um exame, logo, tinham de levar decorados os episódios dignos de ser punidos pelo padre depois da confissão, senão, não iam lá fazer nada, então, as conversas entre a rapaziada nos dias antes, eram todas sobre o que iam dizer ao padre na confissão.
Assim, no Domingo marcado para a confissão, a Igreja de Santo António estava cheia, com os habituais devotos e com a rapaziada da Escola, familiares, e professoras, quando o padre deu o sinal começaram a ir um a um ao confessionário e quando chegou a vez do Chquinho, foi todo lampeiro, ajoelhou-se e ficou à espera que o padre dissesse alguma coisa, porque não o via, nem sabia onde ele estava, tinham de falar para a janelinha, por fim, ele perguntou-lhe que pecados queria confessar? Ele não se lembrava de nada e respondeu:
Chiquinho. Não sei! Não me lembro de fazer nada mal!
Padre. Não sabes? Mau, mau! Então não sabes o que fizeste de mal? O que não devias ter feito?
Chiquinho: Ah! Isso sei!
Padre: Então se sabes diz lá, que é para receberes o perdão de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Chiquinho: Olhe, a minha mãe mandou-me ir aventar uma bacia de água prá rua e eu não a aventei!
Padre: Ora aqui temos um pecado, e muito grave, sebes porquê?
Chiquinho: Sei, sei! A água não podia lá ficar pra sempre! A bacia tinha de levar água nova!
Padre: Não é nada disso, a água até podia lá ficar!
Chiquinho: Ah podia?
Padre: Poder, podia! Mas o pecado é outro! Ora, diz lá os 10 Mandamentos!
O Chiquinho começou a dizer os 10 Mandamentos e, quando chegou ao quarto o padre fez-lhe alto e mandou repetir:
Chiquinho: Honrar pai e mãe!
Padre: Estás a ver? Tu pecaste por teres faltado ao respeito à tua mãe, logo não a honraste, meu filho! Vais ter de rezar muito e pedir perdão a Nosso Senhor Jesus Cristo, e nunca mais faltes ao respeito à tua mãe! Está entendido?
Chiquinho: Está, está! Não falto, não! Nunca mais! Vou sempre aventar as bacias de água que a minha mãe me mandar!
Padre: Vá, mais!
Chiquinho: Mais o quê?
Padre: Mais pecados que cometes-te! O que havia de ser?
Chiquinho: Ah, pois! Então, a minha mãe mandou-me à cabana da mula a ver se havia lá ovos das galinhas e eu fui brincar pro meio da Aldeia e nunca mais me lembrei!
Padre: Outro pecado grave, meu filho, é igual ao outro! Já sabes o que tens de fazer! Tens de rezar muito meu filho e pedir perdão a Nosso Senhor Jesus Cristo! Outro, vamos embora!
Chiquinho: Ora, outro? Agora não me lembro de mais nenhum, só se for o de bater nas raparigas lá na Escola!
Padre: Ai valha-me Deus! Tu fazes uma coisa dessas? Que pecado tão grave!
Chiquinho: Só lhe bato às vezes, quando elas me chamam nomes e também me batem!
Padre: Mas quando isso acontecer vais dizer à professora e não bates em ninguém! Na nossa doutrina está lá que, se alguém nos bater numa face oferecemos a outra! Isso quer dizer que, nunca podemos responder à violência com violência! Vais ter de rezar muito meu filho! Vais, vais! Vá, vai lá, e rezas três Pai Nossos e três avé Marias! E nunca mais faltes ao respeito à tua mãe e não bates nas raparigas na Escola, senão, ainda tens de rezar muito mais!
Chiquinho: Está bem! Está bem! Nunca mais faço isso!
O Chiquinho estava em pulgas para que a confissão acabasse, porque, se o padre Silva pedisse mais pecados, já não se lembrava de inventar mais nada e, se tivesse de entrar no campo da verdade, decerto, levava grande desanda, ficava com as orelhas a arder e, nunca mais acabava de rezar, mas não foi tão mau como chegou a pensar e, mais tarde percebeu, a importância dessas lições de moral do padre Silva.
Fim
Texto: Correia Manuel

Igreja de Santo António de Capelins




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