A lenda do cão leão, de Capelins
No dia 3 de Maio de 1962, o pai do Chiquinho de Capelins entrou em casa e disse:
Encontrei agora ali o ti Zé Maria (zuco) e trazia um cãozinho tão bonito, gostava muito de ficar com ele! Ainda lhe o pedi, mas disse-me logo que não o dava!
O Chiquinho deu um salto na cadeira onde estava sentado e perguntou:
Chiquinho: Oh pai, como é que é o cãozinho?
Pai: Olha é de raça pequena, não deve crescer muito, é malhado, branco e preto e com uma estrela na testa, muito bonito! Mas o ti Zé Maria não o quer dar!
Chiquinho: Eh pai! Com uma estrela na testa? Era mesmo um cãozinho assim como esse que eu queria!
Pai: Sim, querias! Mas ele não o dá, disse-me que ele, as filhas e a mulher, também gostam muito dele, por isso, fica para eles!
O Chiquinho, ficou muito pensativo, como seria a maneira de conseguir aquele cãozinho, com uma estrela na testa! Assim que teve oportunidade subiu a rua de Capelins de Cima a correr e foi direitinho à casa do ti Zé Maria, que era "regatão" (vendedor de frutas e hortaliças), entrou e meteu logo conversa:
Chiquinho: Eh ti Zé Maria! O que está fazendo?
Ti Zé Maria: Adeus Chiquinho! Nada, porquê? Querias alguma coisa?
Chiquinho: Não queria nada, ia aqui a passar e vinha ver se precisava que eu lhe fizesse alguma coisa!
Ti Zé Maria: Eh lá Chiquinho! Hoje estás de mão largas! Olha, quero! Traz além a caixa de fósforos, para acender o cigarro!
Chiquinho: É p'ra já, ti Zé Maria, tome lá! Não quer que lhe faça mais nada?
Ti Zé Maria: Hum...cheira-me a esturro, tanta oferta! Mas agora não quero mais nada!
Chiquinho: Oh ti Zé Maria, eu só o queria ajudar, mas se não quer mais nada, vou-me embora! Ah, é verdade, então, tem cá um cãozinho novo?
Ti Zé Maria: Tenho, tenho e é muito bonito, trouxe-o ontem de Reguengos!
Chiquinho: Ah sim? E nem me dizia nada! Mas quando precisa de alguma coisa não se esquece de me chamar! Onde está o cão?
Ti Zé Maria: Não está cá! A minha Maria foi ali à casa da mãe e levou-o!
Chiquinho: Mau, mau, se é assim tão bonito já lá deve ficar!
Ti Zé Maria: Não fica nada, porque este cão não o dou a ninguém! Já nem sei quantas pessoas o pediram!
Chiquinho: Eh ti Zé Maria! Veja lá que primeiro estou eu! Quem é que lhe faz aqui tudo o que me pede?
Ti Zé Maria: Olha que tu, não és de certeza! É conforme te dá na cabeça!
Chiquinho: Veja lá como fala ti Zé Maria! Olhe que está sujeito a eu não lhe fazer mais nada!
Ti Zé Maria: Cala-te Chiquinho! Eu um dia arranjo-te um cãozinho parecido com este!
Chiquinho: Não arranja nada! É este que eu quero e mais nenhum!
Ti Zé Maria: Não, não, este não o apanhas!
Chiquinho: Vamos ver, ti Zé Maria, vamos ver! Até logo, lembrei-me agora, que tenho muito que fazer lá em casa!
Como a mãe da ti Maria morava ao fundo da rua de Capelins de Cima, ao pé da estrada nova, o Chiquinho começo a correr com a ideia de ir ver o cãozinho, mas ao chegar a meio da rua encontrou a ti Maria com ele dentro de um cesto! Nem ligou à ti Maria e começou logo a fazer festinhas ao cãozinho que correspondeu como se fossem conhecidos, gerou-se logo ali uma grande amizade e o Chiquinho perguntou:
Chiquinho: Onde está a estrela ti Maria? Ele já tem nome?
Ti Maria: Qual estrela, nem estrela! Sim, já tem nome! Chama-se leão!
Chiquinho: Leão? Mas leão num cão tão pequeno? Leão? Pronto, está bem, é leão!
O Chiquinho virou costas e foi a caminho de casa pensando na forma de conseguir trazer o leão para casa! Quanto à estrela, só devia brilhar à noite! Passou o resto do dia a pensar no leão, tão bonito, era mesmo o que ele queria e, quando à noitinha o pai voltou a casa, reparou logo que ele não estava bem, muito triste e perguntou-lhe:
Pai: Então, Chiquinho, estás doente?
Chiquinho: Eu desconfio que sim!
Pai: Então, o que te dói?
Chquinho: Oh pai, doer, doer, não me dói nada, mas desconfio que estou muito doente!
Pai: Mau, mau, então estás muito doente e não te dói nada? Afinal o que é que tens?
Chiquinho: É por causa do cãozinho do ti Zé Maria, já o vi, é tão bonito, era mesmo o que eu queria! Chama-se leão, mas se ele não o quer dar, como é que fazemos?
Pai: Eu vou lá falar com ele, pode ser que, quem lhe o deu lá em Reguengos tenha mais e lhe arranje outro para ele e ficávamos a gente com este!
Chiquinho: Que bom, que bom, que bom! O leão é tão bonito!
O pai do Chiquinho depois de tratar do gado foi falar com o ti Zé Maria, esteve para lá quase uma hora, até que voltou com o leão ao colo, o Chiquinho foi a correr ao encontro do pai e perguntou:
Chiquinho: Então pai, o leão já é nosso?
Pai: É nosso é! Mas foi muito difícil convencer o ti Zé Maria!
Chiquinho: Nunca pensei, como é que o convenceu a dar-mos o leão?
Pai: Eu disse-lhe que tu gostavas muito dele, que estavas doente por causa do cão, que ele arranjava outro lá em Reguengos e mais isto e mais aquilo e acabámos por negociar! Disse-me que deu sete e quinhentos pelo cãozinho! Olha, acabou por me pedir dois litros de grãos, mas fechamos o negócio por um litro, mesmo agora lá os vou levar!
Chiquinho: Vá, vá e leve-lhe muitos grãos, não nos tire ele o leão!
Pai: Não tira, não! É um litro de grãos e mais nada!
O pai do chiquinho foi entregar o litro de grãos ao ti Zé Maria por troca do leão que, passou a ser a paixão da casa, onde ficou durante muitos anos, até ao dia que desapareceu sem deixar rasto, deixando toda a família muito triste, terminando, assim, a lenda da troca do cão leão por um litro de grãos.
Fim
Texto: Correia Manuel
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