A lenda do pastor do Monte do Pinheiro em Capelins
Conta-se que nos tempos em que Deus e o Diabo andavam pela Terra a catar almas, foram ambos `Freguesia de Capelins, porque Deus tinha de andar sempre com o olho no Diabo, uma vez que, ele negociava as almas através de enganos e da trafulhice. Quando o Diabo chegou a Capelins escolheu as melhores almas que lá havia e, começou, imediatamente o seu trabalho.
Havia um pastor que morava no Monte do Pinheiro, onde também tinha o curral das suas ovelhas e era dono de grande bondade e generosidade, ajudava todas as pessoas, principalmente os mais idosos que tinham dificuldades na mobilidade e as viúvas que não tinham filhos, dava-lhe almece e queijos, partia a lenha, levava-a para casa, fazia-lhe o lume e tudo o que precisassem, uma boa alma, logo cobiçada pelo Diabo. Assim, foi ter com o pastor e pediu-lhe a alma, em troca de, lá no Inferno ele dava-lhe um rebanho de ovelhas e podia ficar pastor até à eternidade.
O pastor não aceitou a proposta, porque pressentiu que era um engano, mas o Diabo não desistia e continuava a fazer-lhe ofertas irrecusáveis, mas o pastor recusava tudo. O Diabo estava já a ficar desesperado, porque não podia perder aquela alma tão boa, mas o pastor não cedia.
Um dia, quando o Diabo iniciava uma nova estratégia para convencer o pastor, já ao sol posto, cantou um galo e o pastor disse-lhe:
Olha, cantou o galo, está na hora de encerrar as minhas ovelhas, por isso, vai-te embora daqui!
O Diabo perguntou-lhe: O que tem a ver o cantar do galo com o encerrares as tuas ovelhas?
O pastor explicou-lhe que, tinha relógio, mas não o usava, fazia as suas tarefas conforme o cantar dos galos. De manhã levantava-se cedo, assim que o galo cantava, ao meio dia jantava, (almoçava) quando o galo cantava, depois encerrava as ovelhas ao sol posto quando o galo cantava, e só ceava (jantava) quando o galo cantava e deitava-se quando o galo cantava.
O Diabo ficou muito intrigado e, logo pensou em usar essa situação para ganhar a alma do pastor e disse-lhe:
Então e se o galo não cantar já não fazes nada disso?
E o pastor respondeu: Mas alguma vez o galo não cantou? Desde criança que me guio pelo canto do galo e nunca na minha vida falhou! Já o meu pai e meu avô era assim que faziam!
Nesse caso, queres apostar a tua alma em como ele hoje não canta até à meia-noite? Disse o Diabo!
Não, eu nunca aposto, porque o meu pai disse-me sempre para eu teimar, mas nunca apostar! Disse o pastor!
Mas se tens tanta certeza, se nunca falhou, que dúvida tens em apostar? Da minha parte se perder, prometo-te que nunca mais chego ao pé de ti e a tua alma fica para o Outro! Disse o Diabo!
O pastor, pensou, pensou, e como estava cansado de tanto o ouvir, achou que seria uma boa maneira de se livrar dele e, se nunca na vida dele, do pai e do avô o galo falhou em cantar, como é que agora podia falhar? E mesmo se falhar um galo, decerto há mais de cinquenta no Pinheiro e arredores! E respondeu: Aceito! Assim, se até à meia-noite o galo não cantar, a minha alma é tua, mas basta cantar um único galo que aqui se ouça, tu desapareces daqui para sempre!
Aperta aqui as unhas, disse o Diabo e foi-se embora!
A seguir, o Diabo chamou os seus demónios ajudantes e contou-lhe que a alma do pastor já era quase sua, mas os demónios tinham de fazer a sua parte sem falhar, deviam ir por todos os galinheiros da Freguesia de Capelins e arredores e apertar os garganetes a todos os galos e frangotes, porque não podia cantar nenhum galo, e quando as donas dos galos dessem com a desgraça, iam pensar que tinha sido uma moléstia que por ali teria passado!
Como andava sempre um anjo ao serviço de Deus com o olho no Diabo, estava escondido atrás de uma oliveira lá no Monte do Pinheiro, assistiu e ouviu tudo e foi a correr contar a Deus, que comentou: - Mais uma alma perdida, e esta que é tão boa, temos de salvá-la! Deus pensou, pensou, e deu um ovo ao anjo para entregar ao pastor e explicou-lhe muito bem o que ele tinha de fazer com o ovo, antes da meia-noite.
Como o galo não cantou à noitinha, o pastor encerrou as ovelhas já fora de horas, foi para casa para cear (jantar) e ficou à espera das ordens do galo, mas ele não cantou e ficou sentado à espera, cheio de fome, sem saber o que fazer. Naquele momento, bateram à porta, o pastor foi à porta e era o anjo que lhe contou o que se estava a passar e disse-lhe que a alma dele estava perto de ser do Diabo.
O pastor não acreditou no que ouvia, e o anjo perguntou-lhe se já tinha ouvido cantar algum galo naquela noite?
Não, não ouvi! Por isso, não encerrei as ovelhas à hora certa e ainda nem ceei, (jantei) tenho aí umas sopinhas de grãos com toucinho e um bocadinho de carne esfoladia, estou cheio de fome, mas ainda não as comi à espera que o galo cante! Disse o pastor!
Então não esperes mais, porque o galo não vai cantar! Come as tuas sopinhas! Disse o Anjo!
O pastor já convencido, chorou, lamentou-se que não tinha feito o que o pai lhe dizia, para nunca apostar e agora estava desgraçado!
Então o anjo disse-lhe que, se fizesse o que Deus mandou, ainda podia salvar a sua alma!
O que tenho de fazer? Perguntou o pastor!
E o anjo disse-lhe: Primeiro, deves continuar a ajudar as pessoas que precisam, mas vai lá buscar o relógio, que vai fazer-te muita falta, tens de lhe dar corda, e vamos acertá-lo, e vais aprender a ver bem as horas e logo quando faltarem cinco minutos para a meia-noite, atiras este ovo a rolar pela vereda aqui entre o Monte do Pinheiro e Capelins de Baixo, mas não podes falhar as horas, por isso, não te podes deitar até à meia noite para não te deixares dormir! Disse o Anjo!
O pastor confirmou tudo o qe o anjo lhe disse e depois comeu as sopinhas e foi sentar-se no sítio indicado pelo anjo, entretanto o Diabo andava por Montejuntos à procura de almas, mas às cinco para a meia-noite estava a chegar ao Monte do Pinheiro, vindo pelo lado do Monte Novo e, já com as unhas no ar para as pôr no ombro do pastor, este atirou o ovo que rolou pela chapada abaixo e, quando chegou à pedra da primeira escadinha do Pinheiro, partiu-se, saindo dele um grande galo, muito lindo com uma plumagem nunca vista, ficou nessa primeira escadinha, empertigou-se todo e cantou de tal maneira que se ouviu em toda a Freguesia de Capelins.
O Diabo deu dois pulos para trás e foi-se embora das terras de Capelins, para sempre, onde até hoje, nunca mais foi avistado.
A alma do pastor do Pinheiro foi salva e, ele continuou a ajudar as pessoas que mais precisavam, até ao fim da sua vida.
Fim
Texto: Correia Manuel
Escadinhas do Pinheiro - Capelins
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