domingo, 28 de janeiro de 2024

Memórias do Zé marinheiro, de Capelins

 Memórias do Zé marinheiro, de Capelins 

O José Manuel, conhecido por Zé marinheiro, era natural de Santo António de Capelins, filho único, de um pequeno lavrador, remediado, tinha algumas courelas e uma parelha de muares, o que lhe permitiu estudar no Colégio do Alandroal e no liceu de Évora, mas devido à vida boémia não passou do antigo quarto ano do liceu que, interrompeu para dar asas aos seus sonhos, alistou-se na Marinha de guerra, para dar a volta ao Mundo. 

Aos dezasseis anos, já se encontrava na Escola da Armada em Vila Franca de Xira e, depois de fazer a recruta, como escolheu em primeiro lugar a especialidade que mais queria, "Manobras",  de Manobras foi.

Assim que terminou a especialidade, foi mobilizado para a guerra colonial, com idas e vindas, passaram alguns anos, e quando a dita guerra terminou, o Zé marinheiro continuou a navegar por Mares e Oceanos, também passou algumas temporadas nos Açores, assim como, noutras missões, conforme os NRP (Navio da Republica Portuguesa), onde estava colocado, passando muito tempo sem visitar os pais e a família na Aldeia de Ferreira, mas quando a mãe adoeceu, sempre que tinha folgas estava com ela e não faltou ao seu funeral.

O pai ficou sozinho em casa, e talvez devido à solidão, pouco depois, entregou-se a uma vida de forrobodó, gastando muito dinheiro em bebidas e com mulheres e, depressa abrasou o dinheiro que tinha amealhado ao longo da sua vida de lavrador, as terras já pouco rendiam, recebia algum dinheiro de subsídios, da venda das pastagens e, uma pequena reforma, que ele depressa derretia, o filho sabia da vida que o pai levava, mas não se metia, deixava-o ser feliz à sua maneira. 

O Zé embarcou no Navio Escola Sagres numa volta ao Mundo que durou mais de um ano e, durante esse espaço temporal, pouco sabia da vida do pai, apenas que estava vivo e continuava a andar de taberna em taberna, quando voltou à Base Naval do Alfeite, encontrou-se com um marinheiro de Capelins, chamado João, cumprimentaram-se e falaram de vários assuntos entre os quais, sobre a sua Aldeia e o Zé disse-lhe que estava a pensar em ir lá ver como estava o pai e passar lá uns dias para ver a família que ainda lá tinha, o pai, a tia e os primos, mais ninguém, mas o João disse-lhe: - Não tens lá mais ninguém? Na Aldeia de Ferreira podes não ter, mas tens o teu irmão em Vila viçosa, não o vais conhecer? Ou já o conheces?

O Zé ficou surpreendido, corou e perguntou-lhe: - O meu irmão? Mas desde quando é que eu tenho algum irmão? 

Desde quando não sei, mas que tens, tens, toda a gente diz isso lá na Aldeia de Ferreira, afinal só tu é que não sabias? Respondeu o João!

A conversa sobre o suposto irmão do Zé pouco adiantou, porque o João não sabia mais nada, nem quem era, nem que idade tinha, apenas sabia que a mãe era de Vila Viçosa e era lá que estava o seu irmão, despediram-se e cada um seguiu para o seus posto de trabalho. 

O Zé ficou com a conversa sobre a existência do irmão na cabeça, por um lado sentia-se feliz por ter um irmão, que ele noutros tempos tanto tinha desejado, por outro, achava que devia haver alguma confusão, como é que nunca tinha ouvido falar nisso, nem ao pai, e decidiu ir à Aldeia de Ferreira, desvendar o caso, no fim de semana, quando tinha folga e a seguir uns dias de férias, e assim fez. 

O Zé foi visitar o pai e, não demorou em lhe perguntar sobre a existência do irmão, ele reagiu mal e respondeu-lhe que era uma magana que o queria enganar para lhe apanhar a fortuna, mas o filho respondeu-lhe que, ela só lhe podia apanhar uma fortuna em dívidas, porque ele só tinha a casa e as courelas que não valiam quase nada, e continuou a insistir para ele lhe dizer onde a mulher morava e como se chamava, porque, queria conhecer o irmão, e depois de muita insistência o pai contou-lhe tudo, que se chamava Rosa e onde morava e trabalhava. 

O Zé marinheiro, nesse Sábado à tarde foi direitinho à casa da Rosa a mãe do seu irmão, bateu à porta, veio uma senhora loira, muito bonita com cerca de trinta anos, ele disse-lhe quem era e que estava ali para  conhecer o irmão, a senhora parecia que já o esperava, mandou-o logo entrar e a sentar-se, e começaram a falar como se fossem velhos amigos, o Zé estava convencido que era a sua cunhada e achou que o seu irmão estava muito bem de mulher, até que lhe perguntou se o irmão não estava em casa, e ela respondeu-lhe que sim, mas estava a dormir e pediu-lhe para esperar um pouco, devia estar a acordar, porque não o podia acordar senão ficava rabugento, e o Zé brincou com a situação, dizendo que, isso era um mal da família e continuou a gracejar, se ele não tinha vergonha de ainda estar a dormir àquela hora, estava a ver que, também devia ter o vício da garrafinha de vinho, cerveja, bagaceiras, o que viesse, porque ele, também já tinha passado por isso, mas agora pouco bebia, e quando a Rosa ia começar a responder-lhe ouviu-se o choro de uma criança e o Zé pensou que já tinha um sobrinho, o que era muito natural, talvez até mais, a Rosa não demorou em voltar com uma criança nos braços na sua direção e ele perguntou-lhe: 

Zé: E esta criança, quem é? Meu sobrinho? 

Rosa: Não, não, este é o Manelinho, o seu irmão, tem o mesmo nome do pai! 

Zé: Ó mulher, não me diga uma coisa dessas! Então quantos anos tem o Manelinho? 

Rosa: O seu irmão ainda não tem anos, tem nove meses! 

Zé: Não pode ser meu irmão, pelas minhas contas quando foi gerado tinha o meu pai setenta anos, como é que ele fez isso? 

Rosa: Pois olhe, fez melhor do que muitos rapazes novos que andam por aí armados em fanfarrões, lá nisso não tenho queixas! 

O Manelinho parece ter percebido que o irmão o rejeitava e começou a chorar, nem a mãe o fazia calar, depois ela lembrou-se que estava na hora de lhe preparar o biberão e pediu ao Zé para o pegar ao colo enquanto ela ia preparar o leite e ele com alguma relutância pegou no Manelinho que, imediatamente se calou e ficou a sorrir para o José, arrebatando-lhe o coração. 

A conversa com a Rosa continuou, e ela contou-lhe que se tinha envolvido com o pai dele, porque ele aparecia muitas vezes no café onde ela trabalhava, sempre com muito dinheiro e toda a gente o tratava por lavrador e diziam que era viúvo e tinha herdades lá para Capelins, e como ela vivia muito mal, ganhava o ordenado mínimo, mais as gorjetas, que eram poucas, com dois filhos para criar, pensou que  ele podia ser a sua salvação, mas foi enganada, o pai do Manelinho não a queria ajudar, nem ao filho, dizia que não era dele, mas era, porque ela não tinha mais ninguém, mas como ele estava cheio de dívidas nas tabernas, não esperava nada dele, por isso, queria pedir ajuda ao Zé, para fazer um investimento que garantia um rendimento para o Manelinho ter uma boa vida. 

O Zé desconfiou que era alguma marosca da Rosa para lhe sacar dinheiro e disse-lhe que não tinha dinheiro nenhum, mas ela insistiu, insistiu, e ele perguntou-lhe que tipo de investimento queria fazer para garantir uma boa educação ao Manelinho, e de quanto precisava? A Rosa respondeu-lhe que não podia contar a ninguém o que era o investimento, mas precisava de cinco mil euros. 

O Zé disse-lhe que, não tinha esse dinheiro, e se tivesse não podia dar-lhe tanto dinheiro sem nenhuma garantia, mas enquanto esteve com o Manelinho ao colo, ele não parou de sorrir, parecia que pedia ajuda ao irmão, e por alguns traços o Zé achou que eram mesmo irmãos e quando se despediu disse à Rosa que ia ver o que podia fazer, mas era pelo Manelinho. 

O sorriso do Manelinho conquistou o irmão, a todo o momento lhe vinha à memória e, em menos de um mês já estava em Vila Viçosa a visitar o irmão e, entregou os cinco mil euros à Rosa, mas antes, passou-lhe um sermão e disse-lhe que se estava a pensar em o enganar não imaginava onde se ia meter e acrescentou que ia embarcar, mas assim que voltasse, estaria ali a pedir-lhe contas. 

O Zé esteve embarcado e, assim que chegou à Base Naval do Alfeite e teve dispensa de uns dias, foi a Vila Viçosa ver o irmão e a pedir contas à Rosa, pediu-lhe os talões do depósito do eventual Plano Poupança em nome do Manelinho, e ela respondeu-lhe que não tinha feito nada disso, porque o investimento que tinha feito, rendia cem vezes, ou mil vezes mais, mas antes de ela lhe contar o que tinha sido o investimento, ele desde que tinha chegado achava-a muito diferente, e não tirava os olhos do grande decote dela com os seios quase todos à mostra, até que, reparou que eram implantes e disse-lhe: 

Zé: Áh magana, sempre me enganaste! Então tu foste fazer implantes com o meu dinheiro? Que parvo que eu fui! Então, o dinheiro que me pediste não era para o Manelinho? 

Rosa: Tem lá calma! Deixa-me explicar-te! Sim, fiz implantes, foram muito caros, mas ficaram muito bons, como podes ver, por isso, desde que os fiz, comecei a receber mais dinheiro em gorjetas lá no café do que recebo de ordenado e a clientela aumentou tanto, que o Pernalonga já me aumentou o ordenado em mais duzentos euros e os clientes não param de aumentar, daqui a dois meses já tenho de volta o dinheiro do custo dos implantes, agora diz-me lá se conheces algum investimento que dê esse rendimento? Posso dizer-te que a minha vida e dos meus filhos mudou, completamente e não sou mal comportada, qualquer mulher que tenha dinheiro faz implantes, e só me dá gorjetas quem quer, eu não peço nada a ninguém, não achas este investimento bom para o Manelinho? Mas se quiseres, posso devolver-te o dinheiro!

Zé: Não, não! Está dado, está dado, para o Manelinho! Não sei o que diga! Mas se isso for bom para o Manelinho, não posso dizer nada! Mas toma tato, quando tiveres o dinheiro de volta faz um Plano Poupança para o Manelinho poder estudar! 

Rosa: Fica descansado que tenho tudo orientado, e está tudo a correr muito bem!

Como a Rosa contou ao Zé, os implantes mudaram-lhe a vida e, passados meia dúzia de anos, já era dona do café e restaurante pernalonga, sempre muito bem afreguesado, permitindo-lhe dar uma boa vida aos três filhos, nunca lhe faltou nada, estudaram e seguiram as suas carreiras profissionais, o Manelinho por influência do irmão Zé, que esteve sempre a seu lado, seguiu a carreira militar na Marinha de guerra, sendo um ilustre oficial superior, com a patente de capitão de mar e guerra.

As vidas dos protagonistas, decorreram, normalmente, mas foram chegando ao fim, os mais velhos foram prestar contas a Deus, os mais novos, continuam a cumprir a sua missão neste Mundo.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




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