terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Memórias das conversas na lavagem da roupa no poço da bomba, em Capelins

Memórias das conversas na lavagem da roupa no poço da bomba, em Capelins

Quando a Maria Carpinteira, que morava em Capelins de Baixo, chegou ao poço da bomba para fazer a lavagem da roupa da casa, ainda de madrugada, apenas se via um palmo à frente dos olhos, mesmo assim, não foi a primeira a chegar, já lá estavam duas mulheres no esfrega, esfrega, cada uma em sua tanqueta (tanque), a Maria cumprimentou-as e só quando elas responderam com bom dia, é que conheceu a sua prima Mariana Rosa que morava em Capelins de Cima, por sorte, a tanqueta ao lado estava desocupada e foi nela que ela instalou o alguidar da roupa, para ficar marcada, porque, depois dos preparativos tinha de ir ao poço buscar água para mergulhar a roupa, ensaboá-la com sabão clarim ou azul e começar na esfrega. 

A Maria perguntou à prima como estavam, ela e a família desde a semana passada, quando tinham estado ali no mesmo sítio e depois de algum diálogo, foi buscar água e deu início à lavagem, que se fazia tarde, mas isso, não impediu a continuação da conversa e da troca das novidades que havia em Capelins de Cima e em Capelins de Baixo, e pouco depois, já estavam as tanquetas todas ocupadas e ouvia-se grande burburinho. 

A Maria estava muito contente por ter apanhado a tanqueta mesmo ao lado da prima, porque tinham muito para falar, e continuou:  

Maria: Então Mariana, cá estamos outra vez na nossa vida, é roupa e mais roupa para lavar, são muitos larujos a sujar, mas calha sempre às mesmas a lavar! 

Mariana: Pois é, prima, a quem havia de calhar, se eles são nossos!

Maria: Sim, quem tem gaiatos não dá à conta, mas não os podemos mandar para a escola cheios de nódoas, eu não dou conta dos meus, não sei onde andam metidos que ficam cheios de nódoas, os teus gaiatos também te aparecem assim? 

Mariana: Sim, o meu Chiquinho às vezes aparece só com uma nódoa, mas é da cabeça aos pés, vai além para o lagar da Casa Dias e deve pular para dentro dos bidões do azeite, depois com o pó, não imaginas como ele aparece!

Maria: Pois, os gaiatos são todos a mesma coisa, e nós cá estamos para tratar deles, quem havia de ser, se são nossos filhos! Então e que novidades há além para cima? 

Mariana: Olha Maria, não sei nada de novo, tirando a da mula do ti Manel António deu um coice, que só por sorte não o apanhou, foi tão grande que bateu com as ferraduras no telhado, se o tivesse apanhado partia-lhe uma perna, se não fossem as duas, ou até podia ter morrido, teve muita sorte! 

Maria: Ai filha, coitado do ti Manel do que ele se livrou, mas então o animal é manhoso ou o que lhe aconteceu? 

Mariana: Não, não é manhosa, até é muito mansinha, mas ele andava a limpar a cabana e sem querer picou-a com a forquilha numa pata, e o animal deu o coice! 

Maria: Vê lá tu bem, como elas se arranjam, esta hora o ti Manel podia estar morto, é preciso muito cuidado, porque animais, são sempre animais, mas nesse caso, a culpa foi do ti Manel!  

Mariana: Olha, agora por falares em animais, sabes que a semana passada uma galinha das minhas começou a cantar como os galos!

Maria: Ai filha, então já sabes o que tens a fazer! Fora com ela e com o dinheiro compras uma cautela da lotaria! Toda a vida foi assim! 

Mariana: Sim, sim eu sei, estou só à espera que a Xica dos Ovos lá apareça e vendo-a logo, depois quando o homem ali de Terena ou do Alandroal aqui aparecer a vender cautelas, compro uma com o dinheiro da galinha, mas com a sorte que eu tenho, devo ficar sem galinha e sem dinheiro, ainda fazem mangação de mim, mas é assim a tradição! 

Maria: Pois, tens de comprar uma cautela, pode ser que tenhas sorte e te calhe pelo menos a terminação, depois trocas por outra, já conheci casos que as trocaram três vezes! 

Mariana: Sim, eu também já conheci casos desses, mas no fim ficaram sem nada e fizeram mangação delas, mas sem jogar é que não me calha, quero lá saber que façam mangação! 

Maria: Olha lá, por falares em mangação lembrei-me do que me contaste a semana passada, então aquela tronga ainda anda a atroujar-te (a gozar)? 

Mariana: Olha, para falar a verdade, há mais de quinze dias que não a vejo, ela não deve estar cá, deve estar lá pra malhada, mas decerto já não se chega cá pro pé de mim, porque a última vez bati-lhe os pés e ela nem sabia onde se havia de meter! E além para baixo que novidades há?

Maria: Nenhuma, não há nada, tirando o estouro (queda) da ti Ana do Caco, além na Rua do Quebra, ia deitar umas coisas velhas ao Ribeiro da Aldeia, escorregou naquelas rochas que estavam com geada e abalou por ali abaixo! 

Mariana: Coitada da ti Ana, e o que é que partiu? 

Maria: Não partiu nada, as coisas que levava a deitar ao Ribeiro eram velhas e não eram de partir! 

Mariana: Não é isso, se partiu uma perna, ou as duas, ou os braços ou a cabeça? 

Maria: Ah não, coitadinha, não partiu nada, mas o estouro que foi, podia ter morrido, quem a viu ir pelos ares, pensou que não ficava inteira, mas não, já anda além com uma perna toda ligada, mas mexe-se bem! Teve muita sorte, não ter morrido! 

As conversas entre as primas Maria e Mariana continuaram nesta linha, todo o dia, mas as outras mulheres sempre que tinham oportunidade, também metiam a colher e acrescentavam alguns pontos às novidades, assim, passaram mais um dia de lavagem da roupa no poço da bomba em Capelins.

Fim 

texto: Correia Manuel  

Poço da bomba - Capelins 




Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...