quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Memórias dos castelhanos rabudos, em Capelins

 Memórias dos castelhanos rabudos, em Capelins

Quando não existiam fogões a gás nem eletricidade na Freguesia de Capelins, o combustível mais usado era a lenha para o lume, quer para aquecimento, quer para cozinhar os alimentos, sendo, ao mesmo tempo, uma companhia para aqueles que, nos invernos, passavam os serões ao canto da chaminé, pondo mais lenha, atiçando o lume, ou conversando uns com os outros ou com o lume sobre as amarguras das suas vidas, mas quer fosse inverno ou verão tinham de acender o lume todos os dias, fosse para aquecer água, fazer o café com a brasa dentro da cafeteira, cozer as migas, as sopas e as açordas.

Nas noites mais frias de inverno, eram escolhidos os melhores e maiores madeiros, ou seja, partes dos troncos ou pernadas das azinheiras que ardiam durante o dia e a noite até à hora de ir para a cama, quando eram apagados com água e, na madrugada seguinte, acendiam-se, novamente o lume e continuavam a arder, fazendo bons braseiros e borralhos. 

No inverno, depois da ceia (jantar) e de quase tudo arrumado, chegava-se toda a gente para dentro da chaminé a fazer o serão, em volta do lume, os pais ou avós disponíveis, começavam a contar lendas, contos, histórias e peripécias aos mais novos, enquanto os mais velhos iam falando da sua vida de trabalho do dia a dia, mas estavam sempre com um olho no lume, para não o deixar apagar e dar lugar ao frio, por isso, quando a chama enfraquecia ou desaparecia, punham mais lenha, ou pegavam no canudo, um tubo de metal com cerca de um metro e extremidade achatada que servia para soprar e dar força à chama, e com ele picavam o madeiro que, com as pancadas na parte que ardia começava a crepitar com grande força, lançando faíscas em todas as direções que faziam fugir toda a gente da chaminé, porque, podiam ser atingidos e onde elas caíssem queimavam ou abriam um buraco na roupa, a essas faíscas chamavam-lhe castelhanos e quando pareciam estrelas cadentes, com rabo de fogo, diziam que eram castelhanos rabudos. 

Quando o madeiro debitava castelhanos era uma festa para a rapaziada, fugiam da chaminé e não se aproximavam enquanto o lume não estivesse calmo, ficando muito intrigados com aquele fogo de artifício e com o nome que lhe davam, castelhanos rabudos, era engraçado, muitas vezes pediam explicações aos mais velhos sobre essa designação e eles respondiam que os castelhanos rabudos eram os espanhóis e diziam que sempre tinham ouvido isso aos ancestrais, mas a rapaziada não percebia o que tinham os espanhóis a ver com os castelhanos rabudos, até ao dia em que avô Xico, com muita paciência, lhe explicou, a comparação entre os castelhanos rabudos e os vizinhos espanhóis, e começou assim:

A comparação que fazemos entre as faíscas do lume com os espanhóis já vem de há muitos séculos, como sabem, nunca nos demos bem, embora vizinhos, tivemos muitas guerras com eles, ódios e invejas, e por ofensa chamavam-lhe castelhanos rabudos e eles chamavam-nos judeus, mas essa alcunha veio da mãe do nosso rei D. Dinis, que era castelhana e chamava-se Beatriz,  filha do rei Afonso X de Castela e era descendente da Casa de Gusmão pelo lado da mãe, e em Espanha diziam que as mulheres dessa Casa, tinham filhos com cauda, com rabo como os macacos, e cá no Reino de Portugal as senhoras da Corte não gostavam dela, por inveja, e começaram a dizer que ela tinha rabo e vinha de uma choupana para o palácio real e chamavam-lhe a rabuda, depois para agravar a situação, ela trouxe para a Corte portuguesa a moda das cotas de rabo, ou caudatas, uns vestidos com rabo, que era a grande moda na Europa, por isso, as senhoras da nobreza e as princesas começaram a usá-los, o povo estranhava aqueles trajes e associaram-no ao rabo da Dª Beatriz, diziam que, era para esconder a cauda, assim, ganhou o título da "rabuda" e, por desprezo, para achincalhar os vizinhos, os portugueses atribuíram o mesmo título aos castelhanos, eram todos "rabudos".

Ao longo da nossa história, toda a gente afirmava, e estavam convencidos que Dª Beatriz, tinha nascido com cauda, e a intriga na Corte era tanta que, no dia 01 de Agosto de 1569, o rei D. Sebastião mandou abrir o túmulo da dita rainha Dª Beatriz, no Mosteiro de Alcobaça, e os físicos do Reino confirmaram que era, inteiramente falso, mas já era tarde, o título da rabuda e dos castelhanos rabudos não se alterou. 

Agora vejam, as faíscas dos madeiros a arder, saem com rabo de fogo, são rabudas e todos fugimos delas, como aqui fugiam dos castelhanos, quando havia guerras, vinham cá a roubar e a matar a gente, logo as comparamos com os castelhanos rabudos, nada é por acaso, rapaziada! 

A rapaziada já esclarecida, comentou em coro: - Bem visto, bem visto! Castelhanos rabudos! Castelhanos rabudos! Acabou o serão e foram todos para a "tulha" cama, a sonhar com os castelhanos rabudos.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Dª Beatriz - mãe de D. Dinis - Foto net




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