segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Memórias da tragédia do raio, em Capelins

 Memórias da tragédia do raio, em Capelins 

Na Freguesia de Capelins, noutros tempos, os elementos mais temíveis pelos capelinenses eram as feiticeiras e as trovoadas que, também as associavam,  contavam que, as trovoadas não queriam nada com as feiticeiras, porque elas sabiam segredos para acabar com elas e, vagueavam por baixo delas sem nada lhes acontecer, o mesmo, não acontecia com o comum dos mortais, os quais, tinham de ter a oração a Santa Bárbara na ponta da língua, como arma para afastar as trovoadas lá para bem longe onde não houvesse cadilho de lã, nem bafo de gente cristã, e com essa fé iam escapando dos raios que iam caindo num ou noutro lugar da Freguesia, mas a Santa Bárbara não conseguia acudir a toda a gente e, por vezes, aconteciam fatalidades com raios. 

Na quinta - feira, dia 14 de Junho do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e quarenta e cinco, a madrugada estava muito calma, como todas neste mês de verão, e os jornaleiros começaram a sair para os seus trabalhos nas herdades e  os seareiros e famílias nas carroças para as suas courelas, nas quais, já ceifavam os favais, a aveia e a cevada, os primeiros cereais a amadurecer e a ficar prontos para a ceifa, só depois, seguia a ceifa do trigo.

Nessa madrugada, também o casal, meus tios avós, seareiros, chamados Joaquim Dias e Maria Rosa Baptista, que moravam na Aldeia de Ferreira, no centro de Capelins de Cima, saíram na carroça da mula para a sua courela no Gomes, onde andavam a ceifar, levaram a panela com as sopas de grãos, pronta a arrumar ao lume para estarem cozidas ao meio dia, ou seja, à hora do jantar (almoço), porque, como toda a gente, só voltavam a casa à noitinha. 

Antes de abalar, enquanto comiam as migas com toucinho frito, do almoço (pequeno almoço), a Maria Rosa, disse ao marido que tinha dormido muito mal, tinha tido muitos pesadelos, sonhos muito maus, palpitava-lhe que, estava para lhe acontecer alguma coisa má, mas dava voltas  e mais voltas  à cabeça e não imaginava o que podia ser, já tinha pensado se algum deles se ia cortar com a foice, ou iam ter algum acidente com a carroça da mula, não achava mais nada! O Joaquim, pouco ligou à conversa da mulher, apenas respondeu que, não pensasse nos sonhos, porque, tinha a certeza que nada de mal lhe podia acontecer! E a conversa ficou por ali.

Chegaram à courela do Gomes e nada de mal aconteceu no caminho, e a Maria Rosa ficou mais descansada, o dia decorria normal, como todos os outros, e não pensaram mais nos maus sonhos, mas pelas quatro horas da tarde o Joaquim olhou para o horizonte a Sul e disse-lhe: - Olha Maria, já lá vem a magana da trovoada! Já passou Cheles e o Guadiana, não me agrada nada, não sei se não é sêca, são as piores, são raios e mais raios e nada de água! Agora, é todas as tardes e cada vez mais cedo, nunca vem só uma, há quinze dias que são seguidas! Temos de ir arrumando isto, porque, está aqui, está cá! Deixa-a, e a gente já cá estamos, é mais uma, o que podemos fazer? Comentou a Maria! 

O Joaquim e a Maria continuaram a ceifar, e a trovoada estava cada vez mais perto, era um negrume assustador, muitos relâmpagos e trovões tão fortes que faziam tremer o chão, mas como ainda não chovia, eles não arredavam pé para o abrigo que já estava preparado, como sempre, debaixo da carroça que, com umas sacas de serapilheira por cima, não deixava entrar água e, não era sítio para atrair raios, ainda nunca se tinha ouvido que tivesse caído um raio em cima de uma carroça, porque, os raios procuram sempre o sítio mais alto do solo, procuram a menor distância entre a nuvém e o solo, por isso, no campo, caem quase sempre nas azinheiras mais altas, assim, achavam que naquele abrigo não corriam perigo. 

Quando a trovoada estava por cima deles, correram para o abrigo e a Maria começou, imediatamente a rezar a oração a Santa Bárbara, mas nesse dia, a Santa das trovoadas não chegou a tempo, fez um relâmpago, ao mesmo tempo um grande.trovão e em simultâneo caiu um raio que os fulminou, não faleceram ali, porque, decerto não receberam o choque direto do raio, senão o coração parava de bater, a respiração era interrompida e morriam logo, mas ninguém soube como conseguiram chegar à Aldeia a pedir socorro, parece que, andaram desorientados pelo caminho, no entanto, já era tarde, porque, pouco depois faleceram, talvez, devido à descarga elétrica, ou a queimaduras profundas, lesões cardíacas ou danificação do sistema nervoso, inclusive do cérebro, provocando-lhe convulsões, perda de consciência e desnorteio, e por fim a morte. 

Esta tragédia, da morte do Joaquim Dias de 33 anos e da Maria Rosa Baptista de 32 anos, tinham casado cerca de dois anos antes, em Outubro de 1942, causou grande choque emocional na comunidade capelinense e, se a maioria das pessoas já temiam as trovoadas, este caso, aumentou o medo, mas ninguém deixou de acreditar em Santa Bárbara, continuando a ser invocada, sempre que, passava uma trovoada por Capelins.

Fim 

Texto:  Correia Manuel 

Alto do Gomes - Capelins 



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