segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Memórias das festas das sortes, em Capelins

 Memórias das festas das sortes, em Capelins 

A guerra colonial portuguesa teve início no dia 15 de Março de 1961, devido a um massacre no Norte de Angola e, não passou muito tempo para se estender à Guiné Bissau e a Moçambique. 

Durante a sua dimensão temporal, entre 1961 e 1974, mais de noventa por cento da população masculina foi mobilizada para esta guerra, geralmente, entre os vinte e os vinte e dois anos, mas os voluntários, podiam ingressar na Marinha aos dezasseis anos e na Força Aérea aos dezassete anos, neste caso, quase todos seguiam a carreira militar, como os rapazes tinham poucas hipóteses de escapar à mobilização, a não ser fugir para um país que lhe desse asilo político, mas nesse caso, não podiam voltar a Portugal, senão eram presos e torturados, então, alguns rapazes optavam pelo voluntariado, na tentativa de fugir ao alistamento forçado no exército, considerado mais severo e perigoso, em termos de logística no terreno de guerra. 

Cerca dos dezanove anos de idade, os rapazes não voluntários, eram convocados através de Edital afixado em determinados lugares na Freguesia de Capelins, para comparecer nas inspeções, ao que chamavam "tirar as sortes", no dia marcado eram observados por médicos e outros profissionais do exército que, decidiam se os rapazes estavam, ou não, aptos para o serviço militar, podendo, em caso de dúvidas dos médicos, por ser encontrado algum problema físico ou mental, ficar "Adiado", até fazer alguns exames de diagnóstico ou alguma consulta de especialidade, para confirmação, mas se ficassem "livres" estavam desgraçados, era porque tinham alguma doença grave, ou grande incapacidade. 

Quando os rapazes do mesmo ano de nascimento, iam às ditas "sortes", havia uma grande festa entre eles, que começava no dia anterior ao da apresentação, como não existiam casas de banho em Capelins, o banho era no rio Guadiana, um banho memorável, com muita brincadeira, davam mergulhos, passavam sabão azul ou sabonete da cabeça aos pés, para sair a casca formada pelo suor e pó apanhado no trabalho nos campos, ficando limpinhos por uns dias e prontos para a observação que os esperava.

No dia das "sortes", de madrugada, vestiam o melhor fato e partiam para o Alandroal na camioneta da carreira, mas noutros tempos mais remotos, iam a pé, ou em carroças enfeitadas para a festa, e quando voltavam em grande festa, ostentavam fitas coloridas, em conformidade com o resultado do que lhes tinha calhado na sorte, ou inspeção, não era preciso perguntar a "sorte" de cada um, bastava olhar para a cor das fitas que exibiam, assim, se ficassem "aptos", o mesmo que "apurados" era grande alegria e, as suas fitas eram vermelhas, mas se ficassem "livres" o que era  muito raro, as fitas eram verdes, mas ficavam tristes, porque sentiam-se à parte e dava falatório sobre que doença teriam, e se ficassem "adiados", traziam fitas amarelas. 

As fitas eram compradas após saberem o resultado da referida inspeção, sendo um bom negócio para as lojas do lugar onde faziam as inspeções, neste caso, era na Vila do Alandroal, onde se deslocavam os profissionais do exército, ao encontro dos mancebos de todo o Concelho, em determinados dias, a fazer a inspeção. 

Depois das sortes, a festa começava no Alandroal e quando chegavam a Capelins, alguns, já vinham com o grão na asa, andavam abraçados pelas ruas da Aldeia a cantar as cantigas da moda e outras heróicas que passavam de ano para ano, bebiam uns copinhos e, à noite faziam um grande baile, que era o baile das "sortes", onde eles eram as estrelas e, no dia seguinte, a festa continuava, alguns rapazes faziam grandes paródias no rio Guadiana, outras vezes era numa taberna de Capelins, ou podiam fazer eles alguns petiscos, ou arranjavam uma cozinheira  e, a festa, podia durar vários dias. 

A rapaziada não festejava, somente o estado de ficar apto para a guerra, sendo isso uma prova de robustez física e mental, mas envolvia outros sentimentos, como a libertação do jugo paterno, o triunfo por alcançar a autonomia, a emancipação, tipo carta de alforria, a partir desse dia já podiam decidir por si e, essa transição ficava registada na história da sua vida. 

No ano seguinte, quando eram notificados para apresentação num qualquer quartel do exército, era o início de uma nova vida, começava a sua preparação para a guerra colonial.

Fim 

Texto: Correia Manuel 





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