quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Memórias da lua de mel na choupana com o burro, em Capelins

Memórias da lua de mel na choupana com o burro, em Capelin

A partir do ano de mil novecentos e dez, os Registos dos casamentos deixaram de ser feitos nas Paróquias, pelos respetivos Párocos que, devido a essa alteração perderam o controlo em obrigar os seus paroquianos a realizar, oficialmente esse Sacramento da Igreja e, assim os chamados ajuntamentos começaram a aumentar, algumas raparigas durante a noite fugiam com os namorados, para a casa deles, ou para outra casa ou choupana, previamente preparada, e mais tarde iam casar ao Posto do Registo Civil de Capelins, e a união ficava oficializada, pelo Civil, porque, pela Igreja tinham de dar outros passos. 

A meio da manhã de um lindo dia do mês de Abril na década de 1960, o Chiquinho de Capelins andava a brincar no quintal em Capelins de Cima, quando se ouviu uma galinha a cacarejar, avisando que tinha acabado de pôr o ovo. 

Não demorou, a mãe do Chiquinho veio à porta, olhou, olhou, e como não o via em lado nenhum, encheu o peito de ar, empertigou-se e gritou: 

Mãe: Ó Chiquinho, Chiquinho! 

O Chiquinho estava a brincar aos passarinhos a fazer um ninho em cima da oliveira a poucos metros da mãe, imaginou que ela o estava a ver e em tom de zangado, respondeu: 

Chiquinho: Ó mãe, então se eu estou aqui mesmo ao pé, para que está a gritar lá para Capelins de Baixo? 

Mãe: Ora essa! Porque não te via! O que estás tu a fazer em cima da oliveira, vamos ver se cais daí e arranjas algumas fezes? 

Chiquinho: Estou aqui a brincar aos passarinhos, e não sei se sabe, eles fazem os ninhos em cima das oliveiras! 

Mãe: Desce lá daí e vai lá ao galinheiro buscar os ovos, mas tem cuidado não os partas, como fazes tantas vezes e depois a ti Xica já não os quer e só me faltam dois para amanhã lhe vender duas dúzias! 

Chiquinho: Qual Xica? 

Mãe: A ti Xica do ovos, que Xica havia de ser? 

Chiquinho: Sei lá! Há aí tantas Xicas! Fique já a saber que eu não quero o filho dela além do portão para dentro, porque ele está cada vez mais parvo! 

Mãe: Olha, tu é que estás cada vez mais parvo, não te metas com o rapaz, que ele não se mete com ninguém, coitado, anda aí a trabalhar a ajudar a mãe, não é como alguns que não fazem nada! 

Chiquinho: Mau, mau! Estou a desconfiar que já gosta mais do Celso do que de mim, fique cá com ele! 

Mãe: Olha, cala-te, senão apanho aí o esborralhador do forno e vens a correr pela oliveira abaixo, vai lá depressa ao galinheiro, porque as galinhas podem comer os ovos! 

Chiquinho: Ó mãe já que está aqui, porque não vai lá e deixa-me acabar o ninho que está a fazer falta aos passarinhos! 

Mãe: Não vou, não, porque está na hora de temperar as sopas de grãos, senão ao meio dia não comes! 

O Chiquinho pensou que podia pôr as sopinhas do jantar (almoço) em causa, e depressa desceu da oliveira e foi apressado para dentro da capoeira das galinhas, para dali entrar no galinheiro e recolher os ovos, mas quando se baixou a meter a cabeça para dentro do galinheiro ouviu a mãe gritar: 

Mãe: Ó Chiquinho, Chiquinho! 

Chiquinho: Estou aqui, dentro da capoeira, não me mandou a buscar os ovos, já não é para os levar? 

Mãe: É, é, mas vem depressa que tens de ir fazer um mandado! 

O Chiquinho ficou a barafustar, murmurando que tinha de fazer tudo naquela casa, e ainda tinha fama de não fazer nada, o Celso é que trabalhava, mas era ele que não dava a conta a fazer tanto trabalho, mas recolheu os ovos e foi-se chegando até casa, onde estava a mãe com uma visita, a ti Maria Joaquina, numa conversa misteriosa. 

O Chiquinho pousou os ovos em cima da mesa e perguntou à mãe o que queria? O que era e onde era o mandado? E foi a ti Maria Joaquina a responder: 

Ti Maria: Olha lá Chiquinho, tens de me fazer um mandado, ouve lá bem, com atenção, vais à choupana do meu burro, bates à porta e chamas o meu Manel e depois pergunta-lhe se a namorada dele está lá dentro com ele e diz-lhe que é só para a mãe e o pai dela ficarem descansados, porque, ela desapareceu e eles não sabem se está morta ou viva, depois diz-lhe para pôr o burro cá fora, porque faz-me falta para ir levar umas encomendas ao Monte da Vinha! 

Chiquinho: Ó ti Maria, eu posso lá ir, mas porque é que não vai lá vocemecê? 

Ti Maria: Ó filho, passei lá horas a bater à porta, mas o bruto não me responde, nem me abre a porta, se fores lá tu, tenho a certeza, que ele fala contigo, porque ele gosta muito de ti! Olha, diz-lhe também, que a mãe dela está à espera da resposta lá na minha casa e o pai ficou ali no Monte da Cruz, e que não tenham medo, eles só querem saber se ela cá está e se é para ficar com ele, mais nada! 

Chiquinho: Está bem, eu vou lá, mas deixe lá ver se no fim levo alguma cachaçada atrás das orelhas, por andar lá meter o nariz na choupana!  

Ti Maria: Cala-te filho, não levas, não, ele gosta muito de ti, não te faz mal, vai descansado, e depois vem ter aqui comigo, que eu fico à espera! Vá, vai num pé e vem no outro!

O Chiquinho saiu a correr para a choupana do burro da ti Maria e do ti José que ficava a duzentos ou trezentos metros dali e, só parou a poucos metros a reprogramar o que devia dizer ao Manel, quando chegou à porta forrada a zinco, fechou a mãe e bateu várias vezes com a força que tinha, mas não ouviu resposta, depois, lembrou-se de o chamar: 

Chiquinho: Ó Manel, Manel! 

Manel: Ah, és tu? Pensava que era a minha mãe, outra vez! Para que estás a gritar, se eu estou aqui mesmo ao pé de ti, o que queres? 

Chiquinho: Venho a fazer um mandado à tua mãe, ela quer saber se a tua namorada está aqui contigo, porque desapareceu de casa e o pai e a mãe não sabem se ela está morta ou viva e disse para pores o burro aqui fora que lhe está a fazer falta!

Manel: Está aqui, está e bem viva! Então, estás aí sozinho? 

Chiquinho: Estou, estou, e não há ninguém à vista! 

Manel: Então espera aí, que eu vou pôr o burro aí fora e já falamos! 

O Manel saiu da choupana a sorrir e queria saber se a família dele e da namorada estavam zangados por eles terem fugido, mas pelo que o Chiquinho lhe contou, tirado da conversa da mãe dele, teve a certeza que estava tudo a correr bem, ninguém estava zangado com ninguém.

O Chiquinho voltou a casa e contou à ti Maria o que tinha falado com o Manel, e confirmou que, a namorada estava lá com ele e bem viva, deixando-a muito contente, abalando a correr para casa a contar à mãe da rapariga que ela estava lá com o Manel e para ficar! 

A meio da tarde, o Chiquinho feito curioso, foi-se chegando até à casa da ti Maria, a porta estava aberta e ele entrou sem pedir licença, porque, isso não se usava em Capelins, se as portas estavam abertas era sinal que se podia entrar à vontade, estavam lá o Manel e a namorada, só os dois, a fazer uma açorda, ela estava envergonhada, pouco falava, o Chiquinho sentou-se e mirou-a da cabeça aos pés, porque ela não era de Capelins e ele não a conhecia, como imaginava que ela estaria coberta de palha, como os ouriços de espinhos, reparou que não tinha uma palhas na roupa, o Manel estava muito contente, meteu-se logo com o Chiquinho e não se calava a comentar, como tinha sido tão boa a lua de mel, embora tivessem passado muita fome, muita sede e dormido com o burro! 

Foi a primeira vez que o Chiquinho ouviu falar em lua de mel e, começou a imaginar o que seria isso, não encontrava nenhuma ligação da lua com o mel, mas uma coisa estava certa, metia mel, já a lua não achava lugar para ela, como o Manel não falava noutra coisa, teve a certeza que era alguma coisa muito boa, muito doce, pensou num bolo com mel, porque ligava com casamento e, assim que apanhou o Manel a jeito, perguntou-lhe o que era a lua de mel, e o Manel muito ufano, respondeu-lhe: - Então, foi o que eu passei com ela lá na choupana e com o burro, esta noite!    

O Chiquinho ficou abismado, a pensar que, afinal a lua de mel não era mais do que dormir com a namorada na choupana e com o burro e, ficou convencido, só passados alguns anos percebeu que, não estava enganado de todo, apenas o burro estava a mais na lua de mel que, ele imaginava.

O Manel e a namorada, organizaram a sua vida, arranjaram a sua casa, depois casaram, tiveram filhos e uma boa vida em comum durante muitos anos.

O Manel, ainda cedo, foi prestar contas a Deus, mas deixou por aqui, alguns descendentes. 

Fim 

Texto: Correia Manuel   

Ferreira - Capelins



Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...