terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ao Moinho das Neves

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ao Moinho das Neves

A Freguesia de Capelins chegou a ter vinte e dois Moinhos de água, situados na Ribeira de Lucefécit, Rio Guadiana e na Ribeira de Azevel, afreguezados pelos seareiros ou maquilões das localidades mais próximas ou porque o Moleiro dava mais corrente na maquia, isto é, cobrava menos percentagem na farinha!
O Moinho mais próximo da Aldeia de Ferreira de Capelins, era o Moinho das Neves, por isso era muito procurado pelos seareiros desta localidade! Este Moinho ficava na Ribeira de Luceféit, muito próximo da atual Ermida de Nossa Senhora das Neves, pouco acima da foz do Ribeiro com o mesmo hidrónimo e, do antigo Lugar de Ferreira de 1314, mas era um Moinho ja de finais de 1600, início de 1700, decerto construído, pela Casa do Infantado a donatária da herdade Defesa de Ferreira!
Hoje, encontra-se submerso pelas águas do Grande Lago de Alqueva!
O Chiquinho de Capelins, estava na idade das descobertas e, desde que fosse para sair da Aldeia, estava sempre de acordo! Um dia, nos finais do mês de Março, o pai disse-lhe que, na manhã seguinte tinha de ir mandar fazer farinha para o pão da casa e para as "travias" dos porcos e das galinhas, ao Moinho das Neves, por isso, se ele quisesse, podia ir!
O Chiquinho deu pulos de contente, ir ao Moinho das Neves, talvez conseguisse ver fazer a farinha que, era um mistério, como é que o trigo, a aveia e a cevada, daquela cor dourada, passava para farinha tão branquinha e ao mesmo tempo ir à Ribeira, era grande aventura!
No dia seguinte, o pai do Chiquinho meteu a mula na carroça e carregou um saco de trigo e, dois meios sacos, um com aveia e outro com cevada e depressa partiram pelos caminhos da herdade da Defesa de Ferreira, pelo vale de Enxofre abaixo e, em pouco mais de meia hora estavam junto ao Moinho das Neves, mas as perguntas do Chiquinho pelo caminho foram muitas, como o pai ia bem disposto respondia a todas e o Chiquinho aproveitava-se:
Chiquinho: Pai, pai, olhe aquele pássaro tão grande de asas abertas, a andar à roda, até parece um avião! Como se chama? O que anda a fazer?
Pai: Ah, aquela águia, anda à roda à procura de comida, de passarinhos, coelhinhos, ratinhos, pintainhos aí nos Montes, ou nas choças dos pastores, o que avistar além de onde anda a voar, mergulha, apanha a presa e já não a larga, é assim que arranja a comida!
Chiquinho: A águia não come pessoas? Parece tão grande!
Pai: Não, rapaz, não come pessoas, está descansado que não há aqui bicharada que faça mal às pessoas, já não há lobos, só esses podiam fazer!
Chiquinho: Oh pai, eu não vou com medo, mas não teria ficado por aí algum lobo escondido nessas silvas?
Pai: Não, não ficou cá lobo nenhum, desapareceram todos há muitos anos, nem eu os vi, vê lá!
Chiquinho: Pai, então para que serve isso aí dentro do chiqueiro dos bacros?
Pai: Onde? Não vejo aqui nenhum chiqueiro! Onde é que estás a ver isso rapaz?
Chiquinho: Aqui mesmo na nossa frente, quase no meio da estrada!
Pai: Oh rapaz, isso é um poço, só que não é redondo, aproveitaram isso das minas e ficou retangular, estavam aí umas boas nascentes quase em cima da terra, foi só fazer essa parede! Esses paus, chama-se uma cegonha para tirar água com um balde, para esse tanque onde as vacas bebem!
Chiquinho: Eh pai, não sabia que havia poços desses, mas cegonhas dessas já vi lá no outro poço ao pé da malhada do Dias!
As perguntas continuaram pelo vale de enxofre abaixo, pararam na fonte do ti Mutchaco para encher o barril, uma pocinha de água com umas pedras em volta e uma por cima, mas a água a correr límpida e cristalina, mais uma grande admiração para o Chiquinho! Começou logo a imaginar fazer fontes daquelas!
Continuaram o caminho para o Moinho das Neves que já estava perto, mas as perguntas não pararam!
Chquinho: Pai, como se chama aquele pássaro?
Pai: Oh rapaz, já tens obrigação de saber, quantas vezes já te disse lá na Aldeia que é um trigueirão?
Chiquinho: Ah pois é! Olhe ali uma cotovia e outra e outra, tantas!
Pai: Parecem, não é? Mas não são cotovias! São calhandras! É verdade que são muito parecidas, mas não são cotovias!
Chiquinho: Assim, nunca consigo aprender os nomes de tanta passarada, os pássaros são todos parecidos e os nomes tão diferentes!
Pai: Não são, não! Aos poucos vais aprendendo! Já conheces alguns e o resto vais aprendendo!
Chqiuinho: Não sei se aprendo! Mas é verdade que já conheço os pardais, pintassilgos, pimentos, parvoelos, arvéolas, melros, trigueirões, cotovias, calhandras, flozinhas e mais alguns que, agora não me lembro! Ah as cotornizes (codornizes) é que não conheço, mas todos os dias as ouço a voar que até assobiam, lá na nossa horta!
Pai: Olha que pouco mais passarada aí há! Estás a ver que já os conheces quase todos! Também conheces as perdizes, tordos, zurzais,abelharucos e outros que andam por aí! Só te falta conheceu os Noitibós, mas esses tens muito tempo!
Esta conversa acabou aqui, porque chegaram ao Moinho das Neves, o pai cumprimentou o Moleiro: - Boa tarde ti Antonho! O Chiquinho todo empertigado imitou o pai! Boa tarde ti Antonho! Depois de alguma conversa sobre diversos assuntos, o Moleiro perguntou se o Chiquinho era filho e, o que lhe trazia de semente para fazer em farinha?
O pai do Chiquinho disse o que levava, qual era o peso da semente e perguntou se podia voltar a buscar a farinha daí a dois ou três dias!
O ti António, Moleiro da Aldeia de Cabeça de Carneiro, respondeu que não era preciso voltar, porque, tinha farinha feita de toda a semente, até de milho, para troca, por isso, era só acertar o peso entre a semente e a farinha a que tinha direito e levava-a já de volta!
O Chquinho que se manteve calado, a observar tudo e a ouvir a conversa, não se conteve e disse:
Chiquinho: Oh pai, então nós vamos levar a farinha das outras pessoas? Depois, quando souberem disso lá na Aldeia é uma vergonha e os donos dela vão buscá-la lá à nossa casa!
Pai:Cala-te rapaz! Então a gente deixa aqui o nosso trigo e o ti Antonho faz mais farinha, quando as outras pessoas vierem ao Moinho levam a farinha do nosso trigo, nem chegam a saber que não é farinha do trigo deles, fica tudo igual!
Chiquinho: Fica igual? Mas depois não é do trigo deles e se chegam a saber, ficamos em maus lençóis! Eu não levava a farinha dos outros!
Pai: Cala-te, tu não percebes nada disto, rapaz, isto é assim em todos os Moinhos! Levamos o trigo e trazemos logo a farinha que já lá está feita!
Chiquinho: Oh pai, mas há aqui outra coisa, é que assim nem vejo como se faz a farinha!
O Moleiro percebeu a curiosidade do Chquinho e respondeu:
Moleiro: Oh rapaz, não há-de ser por isso! Se o teu pai quiser esperar um bocadinho já te mostro o Moinho de baixo até acima e como se faz a farinha, vamos lá!
Como estavam na casa do Moinho, um pouco acima do mesmo, ao descerem, o Moleiro começou a mostrar o açude que ficava por trás do Moinho, segurava a água e deixava passar as pessoas por cima para lá e para cá na herdade de Santa Luzia, apontou o taipal de madeira que, controlava a passagem da água na entrada da engrenagem do Moinho!
Depois de visto e explicada a função do açude, entraram no Moinho, o Moleiro continuou a explicar como se moviam as mós e disse que aquele conjunto era um aferidor, apontou para o tegão, onde era colocada a semente, para dali ir caindo, calmamente para a mó que a fazia em farinha, mostrou o chocalho para avisar quando o tegão ficava vazio e contou como era todo o seu trabalho até meter a farinha nos sacos! Depois, o Moleiro levantou a porta do alçapão que conduzia ao fundo do Moinho por umas escadinhas estreitas, onde estava a engrenagem que fazia rodar a mó lá em cima!
Quando subiram, o Moleiro perguntou:
Moleiro: Então rapaz, gostaste de ver como se faz a farinha?
Chiquinho: Olhe, para lhe dizer a verdade, não esperava nada disto, pensava que, eram máquinas a fazer a farinha!
Moleiro: Então, e isto que viste não é uma máquina? Os Moinhos de água são todos assim, podem ser maiores que este, alguns têm mais aferidores, mas trabalham todos como este!
Chiquinho: Está bem! Mas eu pensava que era outra coisa, com muitas máquinas a fazer farinha!
O pai do Chiquinho e o Moleiro, não responderam e foram carregar a farinha na carroça! Despediram-se e abalaram para a Aldeia de Capelins de Cima, mas o Chiquinho na volta, pouco falou, estava cansado e com os tombos da carroça ficou sonâmbolo!
Quando chegou a casa, foi a correr contar à mãe, que traziam a farinha de outras pessoas!
A mãe tentou explicar-lhe que, nos Moinhos era mesmo assim, trocavam os cereais por farinha já feita, para não estarem lá à espera, mas não adiantou, e ninguém lhe tirava da cabeça que a farinha não era deles e, cada vez que faziam uma cozedura de pão, perguntava sempre se era da farinha das outras pessoas?
Só mais tarde, o Chiquinho compreendeu como funcionava a troca de cereais por farinha nos Moinhos, no caso dos seareiros não quererem esperar pela transformação dos seus cereais em farinha, ficando no Moinho, numa paródia de comes e bebes o dia todo, ou até de um dia para o outro.
Fim
Texto: Correia Manuel







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