terça-feira, 4 de outubro de 2022

A lenda da cura das crianças quebradas, na noite de S. João

 A lenda da cura das crianças quebradas, na noite de S. João

Entre outros males que, os nossos ancestrais acreditavam ser curados através de rituais profanos religiosos, transmitidos de geração em geração, desde tempos distantes, era a cura das crianças quebradas, ou com hérnia infantil, cuja cerimónia era feita à meia noite, de S. João.
Neste caso, a criança em causa tinha cerca de vinte meses e pouco depois de nascer, a mãe reparou que tinha uma pequena hérnia, sendo quebrado, ficando muito aflita, mas ao comentar com sua mãe, ela garantiu-lhe que não era nada de grave, na noite de S. João o menino seria curado.
Assim, no início do mês de Junho, secretamente começaram os preparativos, tinham de encontrar a madrinha e o padrinho que, teria de ser uma menina de nome Maria e um menino de nome João, ambos puros, ou seja, virgens, sendo uma tarefa da mãe e da avó e de encontrar um vimeiro ou um marmeleiro que fazia parte da mezinha, era igual ser uma ou outra destas espécies e como o vime ficava muito distante, só havia na Ribeira de Lucefécit ou no Rio Guadiana, escolheram o marmeleiro, e seria uma tarefa do pai.
Depois de tudo preparado, foi explicado à madrinha e ao padrinho, o que tinham de fazer e de dizer, recebendo algum treino, nessa noite uma hora antes, reuniram-se na casa dos pais da criança, onde beberam um aniz escarchado com um pedacinho de bolo e esperaram a hora da partida, todos juntos, para o lugar da cerimónia.
Aproximava-se a meia noite, quando, na escuridão brilhou a luz de um lampião e, um grupo de homens e mulheres chegou à horta do Cebolal onde existiam alguns marmeleiros, acercaram-se de uma dessas árvores já antes escolhida, na qual, junto do seu tronco estavam alguns rebentos com várias dimensões, depois, o pai da criança que fazia parte do grupo e tinha jeito para mestre de cerimónias, escolheu um dos rebentos do marmeleiro e com uma navalha rachou-o de alto a baixo, prendeu um cordel a cada ponta em cima e atou em baixo de forma a fazer um arco.
O grupo estava silencioso, numa atitude devota e recolhida, esperando a chegada da meia noite.
Por momentos, a criança choramingava e, logo de todos os lábios saiam prolongados pchius, ficando tudo de novo em silêncio, só perturbado pelo coaxar das rãs, pelo piar das aves noturnas e do ladrar dos cães à distância.
Quando os ponteiros do relógio do mestre da cerimónia chegaram à meia noite ele fez um sinal e o João que se conservava imóvel, recebeu a criança nos seus braços e a seguir disse:
- Maria?
E ela respondeu:
-João!
E o João disse:
- Toma lá este menino quebrado e dá-me o cá são!
Nesse momento, o João que estava de um lado da vara do marmeleiro e a Maria do outro, passou a criança por cima da vara sem lhe tocar com o corpo, para os braços da Maria.
A criança estava nua, apenas ligada com uma fita branca, feita de um coeiro e, depois de ser passada de um, para o outro lado, três vezes, sempre repetindo aquelas palavras, as duas partes da vara do marmeleiro foram bem ligadas com a fita, mas antes a vara e a criança foram besuntados com mel, pela avó, porque, segundo ela, fazia bem e era melhor assim.
Por fim, rezaram todos, um Pai Nosso e uma Ave Maria em louvor da Virgem Santíssima e de S. João Baptista e partiram para a Aldeia, regressando a suas casas, com muita fé na cura da criança.
O marmeleiro continuou a ser visitado e protegido, durante os meses seguintes pelo pai da criança para observar se a dita vara estava a regenerar, era o sinal de que a criança ficava curada, porque, no caso de secar, a criança não se curava e a cerimónia tinha de ser repetida no ano seguinte.
A vara do marmeleiro regenerou. e a criança quebrada, ficou curada.
O João e a Maria ficaram compadres, e padrinhos da criança até ao fim das suas vidas.

Fim

Texto: Correia Manuel




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