domingo, 9 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, sobre o carro do ti Manel Cá Fica

Memórias do Chiquinho de Capelins, sobre o carro do ti Manel Cá Fica

No início da década de mil novecentos e sessenta, num mês de Agosto, quando o Chiquinho de Capelins, ouviu a sua mãe a dizer à prima Maria Isabel que ia à feira de Vila Viçosa, pulou de contente e, começou a imaginar aquela animação e, principalmente os carróceis com os cavalos em correria louca, nos quais, com alguma sorte, podia dar uma voltinha.
Assim que a prima Maria Isabel seguiu o seu caminho, aproximou-se da mãe e perguntou-lhe:
Chiquinho: Mãe, vamos à feira de Agosto a Vila Viçosa?
Mãe: Vamos, vamos, eu e o teu pai!
Chiquinho: E eu? Não vou?
Mãe: Vais, vais, mas é no carro (carroça) do ti Manel Cá Fica!
Chquinho: Quem esse homem? E porque é que vou com ele?
Mãe: Esse homem é quem leva os gaiatos de Ferreira, de Montejuntos e de Faleiros, no seu carro, às Feiras!
Chiquinho: Oh mãe, mas se vocês vão no nosso carro, (carroça) porque é que eu tenho de ir com um homem que nem conheço?
Mãe: Oh filho, porque é assim a lei que saiu agora, e se não fizermos o que a lei manda, está ali a guarda à nossa espera em Terena e ficamos lá presos!
O Chiquinho já não insistiu mais e saiu de casa a correr para ir contar a novidade, que ia à feira em Vila Viçosa, ao vizinho Zé António que, era alguns anos mais velho, quando chegou estava ele à porta apertando umas porcas e uns parafusos da bicicleta, com cara de estar mal disposto, então o Chiquinho foi-se aproximando com cuidado, não lhe calhasse algum sorvete e a uma distância segura, começou assim:
Chiquinho: Eh Zé António, o que estás a fazer?
Zé: Olha, estou a ver se chove!
Chiquinho: Então, queres que chova para quê?
Zé: Para ver se tu tomavas banho!
Chiquinho: Oh Zé António, ainda não deve haver um mês que fui com a minha mãe a lavar a roupa à Ribeira e tomei lá cinco ou seis banhos, vê lá!
Zé: Ah! Então já estás banhado para o resto do ano!
Chiquinho: Não sei, se a minha mãe me levar outra vez lá à Ribeira, se calhar, ainda devo tomar mais algum banho!
Zé: Era uma boa ideia, mas tem cuidado, não te afogues lá no pego das vacas!
Chiquinho: Não afogo, não! Olha, sabes que vou à feira de Agosto a Vila Viçosa?
Zé: Deves ir, deves, só se for no carro do ti Manel Cá Fica!
Chiquinho: Olha, como é que sabias? É mesmo com esse homem que eu tenho de ir à feira, por causa da lei que saiu agora!
Zé: Pois, é a lei, é! Queres um conselho? Põe-te a andar daqui e vai já marcar lugar, porque ouvi dizer que o ti Manel Cá Fica já tinha a carrada de gaiatos quase completa!
O Chiquinho voltou para casa muito confuso, por causa do carro do ti Manel Cá Fica, e a pensar no raio da lei que tinham feito para levarem os gaiatos todos juntos no mesmo carro, às feiras, mas já não teve maneira de adiantar a conversa com a mãe que andava ocupada a chamar as galinhas, pita, pita, pita, para as encerrar na capoeira.
Como o Chquinho estava muito tempo em casa dos avós em Capelins de Baixo (Ferreira), uma tarde andava a brincar na rua quando parou perto dele uma camioneta da carreira, verde, da empresa de João Cândido Belo, com muita mercadoria na grade sobre o tejadilho, apertada pela rede de malha larga, o cobrador saiu da camioneta, assim como alguns passageiros, subiu uma escadinha fixa na parte de trás, e começou a entregar as encomendas a quem, cá em baixo, as reclamava, quando acabou, a camioneta seguiu para Montejuntos com os respetivos passageiros dessa Aldeia e, ainda com meia carga na grade sobre o tejadilho.
O Chiquinho assistia à chegada da camioneta da carreira quase todos os dias e, nunca tinha visto os passageiros que chegavam, trazer tantas coisas e pensou que eram trastes (mobílias) e novos povoadores que chegavam à Aldeia, mas quando se aproximaram, confirmou que já os conhecia, entre elas, vinha um vizinho muito carregado com sacos e embrulhos e trazia na mão um carrinho de madeira encimado por uma linda pombinha cujas asas estavam ligadas com arames às rodas do mesmo e á medida que iam rodando a pombinha abria e fechava as asas, era mesmo esse o brinquedo que o Chiquinho queria comprar na feira, então, com os olhos postos no dito carrinho, deu um passo em frente e perguntou:
Chiquinho: Onde foi a isso?
Vizinho: A isso, o quê? Trago tantas coisas! Os cobertores?
Chiquinho: Não, não! O carrinho da pombinha!
Vizinho: Ah, o carrinho! Comprei-o na Feira!
Chiquinho: Ah! Já foi a Feira de Vila Viçosa? E eu que queria ir comprar um carrinho igual a esse!
Vizinho: Então não sabias que a feira era hoje? Mas amanhã ainda há, mas não há camioneta da carreira para lá, passa ao Alandroal e a Bencatel, podem ir e depois dali vão à pata galhana até Vila Viçosa!
Chiquinho: Eu não preciso de ir à pata galhana, porque se for, é no carro do ti Manel Cá Fica, não sabe a lei?
Vizinho: Sei, sei! Ora aí está, então vai no carro do ti Manel Cá Fica!
As pessoas foram descendo a rua até desaparecer à curva de Capelins de Baixo e o Chiquinho ficou inerte com os olhos postos no carrinho da pombinha e a imaginar o que teria acontecido ao ti Manel Cá Fica, para se esquecer de o levar no seu carro à Feira.
Daí a pouco, continuou a brincar e esqueceu-se da feira de Agosto de Vila Viçosa.
Quanto ao carro do ti Manel Cá Fica, nunca apareceu, mas nessa época, falava-se muito dele nas terras de Capelins.
Fim
Texto: Correia Manuel

Ferreira de Capelins



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