segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A lenda do Zé peruneiro do Monte do Roncão de Capelins

 A lenda do Zé peruneiro do Monte do Roncão de Capelins


Antes de 1800, já se faziam grandes bailes nos Montes das herdades e, nas Aldeias das terras de Capelins, muitas vezes, nem existia toque de harmónio, ou da gaita de beços, bastava alguém cantar e, todos dançavam! Os bailes nas Aldeias realizavam-se nas casas de habitação de quem os organizava e, era nesses lugares que, os rapazes e raparigas em idade casadoira, destas terras e dos arredores se conheciam e, surgiam namoros que, quase sempre davam em casamento, por isso, todos sonhavam com esses bailes, também, porque, havia poucos divertimentos por aqui e, mesmo estes, nem todos tinham o privilégio de frequentar, devido às durezas das vidas nesse tempo!
A Aldeia de Montes Juntos em 1830, já estava muito povoada, com pessoas de variadas regiões de Portugal e da raia da vizinha Espanha que trouxeram hábitos, usos e costumes, culturas diferentes que, aqui se fundiram, assim, os bailes eram uma forma de convívio entre estas gentes!
No final do mês de Outubro de 1830, foi anunciada a realização de um baile em Montes Juntos na casa da Ti Maria Rufina, que tinha cinco filhas e um filho, abrilhantado por dois tocadores de harmónio, uma grande novidade, a notícia depressa se espalhou e, não se falava noutra coisa por estas bandas, todos ficavam entusiasmados e diziam que não faltavam, até o Zé peruneiro do Monte do Roncão, um rapaz natural de Santiago Maior que, ainda muito pequeno, veio pela mão do tio, ganadeiro nesta herdade! 
O Zé, durante muitos anos foi guardador de perus, por isso, ficou com aquele apelido! Era um rapaz muito reservado, de pouca conversa, vivia triste e, nunca tinha ido a um baile daquele nível, mas agora, sentia um apelo para não faltar a esse!  Chegou o dia e, o Zé peruneiro lá foi com um grupo de rapazes que trabalhavam nesta herdade, quando chegaram a Montes Juntos, o baile ainda não tinha começado, mas foram logo entrando para ficarem num bom lugar! 
A casa da ti Rufina, depressa se encheu, começou o toque e a dança! O Zé peruneiro, ficou pasmado, nem fechava a boca, para ele, era tudo uma grande admiração! O baile estava cada vez mais animado e, o Zé reparou numa rapariga, talvez da sua idade, andava pelos dezoito anos, que lhe encheu instantaneamente o coração, era muito bonita e, dançava com todos os rapazes, ele imaginou-se a dançar com ela, mas lembrou-se que não sabia dançar e ficou quieto, continuando de boca aberta! Durante toda a noite, o Zé não tirou os olhos da rapariga, estava enfeitiçado, mas ela nem reparou nele! Alguns companheiros davam-lhe cotoveladas e diziam-lhe para fechar a boca, mas ele não os ouvia! 
O tempo passou muito depressa, o baile já estava no fim e, os outros chamaram-no, chamaram-no, para se irem embora, mas  ele não ligava, por fim, um deles, deu-lhe um abanão e ele percebeu-se que estava na hora da partida, mas disse-lhe para irem andando, ele logo os apanhava ali pelo Salgueiro e, continuou com os olhos postos na rapariga! 
As pessoas estavam a sair do baile e deram-lhe um encontrão que o desequilibrou e, quando se endireitou, procurou a rapariga com os olhos, mas como por magia, ela já lá não estava, ainda correu na direção onde a tinha acabado de ver, mas nada, saiu a correr para a rua e nada, ficou algum tempo na esperança de ela por ali passar, mas nada! Teve de seguir sozinho pela Rua da Faceira, Salgueiro, Arrabaça, Carrão, sempre com a imagem da rapariga na cabeça, nem reparava por onde ia, quando chegou à rocha do medo, estava um fraco luar, lembrou-se do medo, olhou para a dita rocha e ficou aterrorizado ao ver a rapariga lá sentada olhando para ele! 
O Zé, sentiu as pernas a fraquejar, passou imediatamente para o lado esquerdo da estrada, ainda pensou em voltar para trás,  mas tinha de seguir em frente e, ao olhar de soslaio teve a certeza que ela o seguia com o olhar, a rapariga não disse nada e, ele também não, mas assim que passou a rocha, começou  a correr o mais que podia e só parou esbaforido quando chegou à choça onde dormia!
No dia seguinte, toda a gente falava do baile, os que tinham ido contavam aos que não puderam estar presente o que lá se tinha passado e, um dos temas era sobre a figura que o peruneiro tinha feito e, contavam que estava perdido de amores por uma magana que lá estava e nem tinha fechado a boca a noite toda, por isso, começaram logo a mangar com ele, mas o Zé peruneiro não ligava, só pensava naquela linda rapariga, mas andava ainda mais atormentado porque não entendia o que fazia ela sentada na rocha do medo! 
A partir daquele dia, o Zé ficou melancólico e pouco falava, o que deu ainda mais falatório e chacota na herdade do Roncão! Uns diziam que andava de cabeça perdida pela perua do baile! Outros diziam que, depois do baile tinha ficado maluquinho! E, muitos outros comentários de troça!
Os bailes em Montes Juntos continuaram e, o Zé nunca mais faltou a nenhum, na esperança de encontrar a sua amada, mas nada! 
Foi passando o tempo e, cerca de um ano depois, já sem esperança de a encontrar, um dia, andava com as ovelhas junto à foz do Ribeiro do Carrão, foi descendo a Ribeira de Lucefécit e, ao aproximar-se do Moinho do Roncão deu de caras com a rapariga sentada à porta de casa, a costurar! O Zé ficou sem palavras, tirou o chapéu, acenou em cumprimento e afastou-se apressadamente, mas no dia seguinte voltou cedo, na esperança de a ver e, lá estava ela, seguiram-se outros dias, até que, ela começou a perceber que o Zé andava ali por ela!  
O Zé dava nas vistas e começou o falatório e outras raparigas da herdade encarregaram-se de ajudar o Zé, como a Maria Anna, assim se chamava a rapariga, não namorava, começaram por lhe contar que ele tinha andado perdido por ela, depois do baile na casa da ti Maria Rufina em Montes Juntos e que ele era muito bom rapaz, muito trabalhador e seria muito bom para ela! A Maria foi-se convencendo e começou a pensar nele e, não demorou, começaram a falar de coisa vulgares, mas a atração mútua foi aumentando dia a dia, o Zé ganhou coragem depois de passar muitos dias e noites a treinar e, declarou-se à Maria, disse-lhe que gostava muito dela desde o momento em que a viu no dito baile, mas não percebia porque estava ela sentada na rocha do medo naquela mesma noite!  
A Maria disse-lhe que nunca podia ser ela, porque, quando acabou o baile tinha ido logo com os pais e as irmãs para casa em Cabeça de Carneiro, por isso, só podia ser ilusão na cabeça dele, ou então, era outra rapariga parecida com ela! O Zé, não ficou muito convencido, mas o assunto ficou por ali, como já se conheciam e falavam, ele perguntou-lhe se aceitava namoro e, ela disse-lhe logo que sim, mas ele tinha de pedir ao pai dela, porque não podiam continuar a falar! 
O Zé, foi logo com o tio, a pedir a a filha do Moleiro que, depois de uma demorada conversa, autorizou que namorassem à pequenina janela da casa do Moinho, um bocadinho nos domingos à tarde e, mais nada de conversas por ali! O Zé e a Maria Anna namoraram mais de um ano, depois, marcaram o casamento que se realizou na Igreja de Santo António e, como ele era ganadeiro na herdade do Roncão, alargaram a choça e assentaram por ali, tiveram cinco filhos e, ainda hoje, existem seus descendentes nas terras de Capelins.
Ao longo da sua vida, o Zé peruneiro passou noites sem conta ao lado da rocha do medo e, nunca mais viu nada! Com o passar dos anos acabou por se convencer que, não tinha passado de uma ilusão.

Fim 

Texto. Correia Manuel

Rocha do medo


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