A lenda da galinha da Fonte da Torre, em Capelins
Conta a lenda que, nos finais do mês de Março de 1918, as feiticeiras de Capelins foram convocadas para um baile que se realizou junto ao pego da azinheira, na Ribeira do Lucefécit, lugar baixo, como convinha para abafar os gritos estridentes das feiticeiras, enquanto se divertiam.
Quando acabou o baile, vestiram-se e partiram para suas casas, mas a Rosa Maria, de Capelins de Cima, a mais doida no baile, estava cheia de sede e disse às outras para irem andando que ela ainda ia beber água à fonte da Torre.
Seguiu sozinha, Ribeira acima, e quando passou uma encruzilhada perto do Moinho do Bufo, disse alto, por brincadeira: "quero ser galinha", mal acabou de dizer e já estava transformada numa galinha.
A Rosa Maria podia ter corrigido logo a transformação, mas achou graça e deixou-se ir até à fonte, quando lá chegou, disse: "quero ser eu", mas nada aconteceu, repetiu várias vezes e continuava galinha, então percebeu que a lua já tinha desaparecido e só já podia voltar ao corpo dela ao nascer da lua lá para o meio dia e pouco.
Depois de beber num regato que corria para a Ribeira de Lucefécit amagou-se no meio da erva para descansar e dormir, porque só na noite seguinte podia voltar ao normal.
Era domingo e um grupo de rapazes de Ferreira de Capelins combinaram ir aos cogumelos para Santa Luzia, decidiram que levariam um pão e um bocadinho de toucinho, uns torresmos e umas azeitonas para o almoço e um barril para encher de água na fonte da Torre, que tinha uma água muito boa e, assim foi.
Os rapazes chegaram cedo ao Moinho do Bufo, dois ficaram ali deitados na erva e os outros dois, foram encher o barril de água, quando iam chegando à fonte, um deles, quase pisou a galinha que estava a dormir e nem deu pela chegada dos rapazes que a agarraram, imediatamente, quando acordou já estava bem segura pelo pescoço e debaixo do braço de um deles.
Os rapazes encheram o barril e voltaram ao Moinho do Bufo, mas antes de lá chegarem já iam a gritar aos outros: - "Temos galinha para o petisco".
A Ti Rosa Maria tremia de medo temendo pela sua vida, tinha a certeza que a iam matar e comer, então os rapazes conferenciaram sobre o que fazer com a galinha, era certo que tinham de a comer, mas faltava entenderem-se, quando e como, se iam para Santa Luzia apanhar cogumelos, não podiam andar com a galinha debaixo do braço o dia inteiro, ali não a podiam deixar, ainda pensaram em a matar e esconder, mas no fim do dia já não estava boa, e as formigas, as raposas, ou outros bichos, decerto a devoravam.
Por fim, lembraram-se de a levar à Ti Maria Gomes da taberna do Monte do Escrivão para a cozinhar num ensopado e eles pelas quatro ou cinco horas da tarde voltavam de Santa Luzia e comiam-na, acompanhada de pão e um litro de vinho.
- Boa ideia, disseram todos! E foram logo dois rapazes a correr ao Monte do Escrivão falar com a Ti Maria, que aceitou fazer o ensopado com a galinha para o comerem pelas quatro ou cinco horas da tarde, mas como era cedo para a matar e cozinhar, disse-lhe para a meterem na capoeira com as dela e fechá-la muito bem para não escapar.
Os rapazes meteram a galinha na capoeira e foram ter com os outros e seguiram para Santa Luzia, passando o dia a falar do ensopado de galinha das cinco da tarde.
Pelas duas horas da tarde a Ti Maria, que já tinha uma panela de água ao lume, foi buscar a galinha para a matar, depenar e preparar para fazer o ensopado e, quando chegou à capoeira ficou pasmada ao ver uma mulher muito aflita encerrada na capoeira a tentar sair sem conseguir e perguntou-lhe:
Ti Maria: O que faz vomecê aqui dentro da capoeira das minhas galinhas?
Ti Rosa: Olhe, não sei como vim aqui ter, mas acredite que não estou a roubar as galinhas nem os ovos!
Ti Maria: Ora essa! Então se não está a roubar os ovos nem as galinhas, diga lá o que faz dentro da capoeira?
Ti Rosa: Já lhe disse que não sei, porque estou aqui!
Ti Maria: Ai não sabe? Vou ali à taberna chamar os homens e já lhe diz a eles!
A ti Rosa pediu-lhe para a deixar sair da capoeira e depois contava-lhe tudo, mas a ti Maria disse-lhe que não a deixava sair dali sem ela lhe contar o motivo porque estava dentro da capoeira.
A Ti Rosa não teve outro remédio senão contar-lhe que era feiticeira, porque a sua avó também já era, e que tinha ficado ela no seu lugar, porque viu a avó a sofrer tanto e foi obrigada a aceita os novelos para a avó poder descansar em paz e pediu por tudo à ti Maria para não contar a ninguém porque decerto a matavam e chorava, chorava que dava pena, convencendo a ti Maria a deixá-la ir embora, porque o marido trabalhava na herdade do Azinhal, onde era porqueiro, mas tinha os filhos sozinhos em casa, sem saberem dela e a ti Rosa abriu a capoeira e deixou-a ir embora e prometeu que não contava a ninguém.
Ainda antes das cinco da tarde, já os rapazes estavam na taberna do Monte do Escrivão e, pouco esperaram pelo ensopado da sua suposta galinha.
A Ti Maria trouxe a tigela de fogo, toda mascarrada, com o ensopado da galinha lá dentro, metade de um pão e um litro de vinho.
Os rapazes tinham tanta fome que em poucos minutos o ensopado desapareceu, depois pediram contas, pagaram e seguiram para suas casas.
A ti Maria do Escrivão teve pena da ti Rosa feiticeira e para a proteger, fez o ensopado com uma das suas melhores galinhas, e à ti Rosa serviu-lhe de lição e nunca mais brincou às galinhas, mais tarde, voltou ao Monte do Escrivão a agradecer e a agraciar a ti Maria, pelo bem que lhe fez..
Fim
Texto: Correia Manuel
Monte do Escrivão
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