Memórias do Chiquinho de Capelins, do jantar de grilos fritos do Ti Elias
O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro, tinha algumas courelas suas, outras arrrendadas e também cultivava outras ao quarto, ou seja, depois da ceifa do trigo, aveia ou cevada, o dono das courelas dirigia-se às mesmas e, em cada quatro molhos de cereal recolhia um para ele, como meio de pagamento da utilização da terra.
Uma dessas courelas era na herdade do Terraço, pertencente à Casa Camões, que tinha essa herdade dividida em três folhas, estando uma de pousio, em descanso, outra semeada de trigo e outra de aveia e, cada uma das folhas era composta por 10/12 courelas que, eram sorteadas pelos seareiros das terras de Capelins.
Num mês de Março em meados do decénio de 1960, o Chiquinho estava de férias da escola e, pelas 8 horas da manhã foi com o pai, na carroça, a caminho da courela do Terraço que, nesse ano era junto à herdade do Seixo, assim que chegou, começou logo a descobrir terreno, por ali andou a ver o que havia para ver e avistou, não muito longe, um seareiro a lavrar com a sua mula, foi-se aproximando e viu que era o seu vizinho o Ti Elias Balsante, e foi falar com ele:
Chiquinho: Olá Ti Elias! Então o que anda a fazer?
Ti Elias: Olá Chiquinho! Ando a lavrar, não vês?
Chiquinho: Que anda a lavrar sei eu!
Ti Elias: Então, se sabes, para que estás a perguntar?
Chiquinho: Para saber, não?
Ti Elias: Para saberes, o que já sabias, isso já é saber a mais! Então, hoje vieste com o teu pai?
Chiquinho: Pois, Ti Elias! Então se estou aqui é porque vim, não?
Ti Elias: Então, já conhecias aqui o Terraço?
Chiquinho: Aqui neste sítio, ainda não! Mas já estou a ver que há aqui pouco para conhecer!
Ti Elias: Podes ir conhecer além o Monte do Seixo, está a cair, mas foi um grande Monte, ainda podes ver como era!
Chiquinho: Eu tenho medo de ir para além, sei lá quem é que lá morou, no fim ainda lá me aparece alguém que já morreu, não, não, além é que eu não vou!
Ti Elias: Olha, vai ali aquele altinho, já perto das Areias, que ainda podes ver uns restos de paredes de umas casas dos romanos!
Chiquinho: Ainda bem que me disse, já lá não arrumo!
Ti Elias: Mas porquê? Não encontras lá ninguém, moraram aí, há mais de 1000 anos!
Chiquinho: Não, não, e se ainda lá anda algum bicho desses?
Ti Elias: Não eram bichos que lá moravam, eram pessoas como nós!
Chiquinho: Ah eram? E para onde abalaram?
Ti Elias: Já morreram todos, isso foi quase há 2.000 anos! Podes ir à vontade!
Chiquinho: Não, Ti Elias, eu não vou para esse lado! Vou mas é ver do meu pai que já devem ser horas de jantar (almoçar)!
Ti Elias: Ó rapaz, horas de jantar? Só se for da bucha, são agora umas dez horas, até ao meio dia ainda tens muito que esperar e eu ainda tenho de lavrar até aquele chaparrinho!
Chiquinho: Eh ti Elias! Só janta quando a lavoura chegar áquele chaparrinho? Eu morria de fome! Então, o que trouxe hoje para o jantar?
Ti Elias: Olha! Hoje são grilos fritos!
Chiquinhol: É lá, Ti Elias! Então isso come-se?
Ti Elias: Claro que come! Não me digas que nunca comeste?
Chiquinho: Como é que havia de comer, se os grilos não se comem!
Ti Elias: Já te disse! São o meu jantar hoje, se não acreditas logo estás aqui que eu dou-te a provar!
Chiquinho: Xó, xó, Ti Elias, não quero! Mas gostava de ver!
Ti Elias: Então, logo ao meio dia aparece aqui!
Chiquinho: Está bem! Agora vou ver do meu pai!
O Chiquinho foi ter com o pai, que já estranhava a sua ausência, e explicou-lhe onde tinha andado e continuou:
Chiquinho: Ó pai! Ainda demoramos em jantar?
Pai: Então porquê? Já tens fome? Ainda nem são 11 horas! Jantamos ao meio dia!
Chiquinho: Eu já tenho muita fome! Mas não é só por isso!
Pai: Então, é porquê?
Chiquinho: É que ao meio dia, já tenho de estar despachado do jantar, porque a essa hora tenho de estar à do Ti Elias para ver uma coisa que ele hoje trouxe para o jantar!
Pai: E que coisa é essa que o ti Elias trouxe para jantar e que tu tens de ver?
Chiquinho: São grilos fritos!
Pai: Não sejas parvo! Ninguém come grilos fritos! Foi ele a mangar contigo!
Chiquinho: Não foi, não! Ele falou muito a sério! Veja lá que até me quer dar a provar!
Pai: Já és muito grande para seres tão parvo! Já te disse que ninguém come grilos fritos!
O Chiquinho ficou sem saber em quem acreditar, o Ti Elias parecia tão sincero, e ficou na dúvida, por ali andou ansioso para se despachar do jantar (almoço) e ir assistir ao jantar dos grilos fritos do Ti Elias, mas passou-se uma eternidade até o pai parar de lavrar e, por fim, lá foram jantar.
Assim que acabaram de comer, o Chiquinho levantou-se de cima do saco de serapilheira onde estava sentado e foi a correr até onde andava o ti Elias e assim que chegou perguntou-lhe:
Chiquinho: Então?
Ti Elias: Então o quê?
Chiquinho: Já comeu os grilos fritos?
Ti Elias: Ao tempo! Havia de estar à espera de quê?
Chiquinho: Olha para isto! Não foi capaz de esperar!
Ti Elias: Mas de esperar o quê?
Chiquinho: Que eu viesse, não?
Ti Elias. Então, era para jantares comigo?
Chiquinho: Não era, não! Mas não tínhamos combinado de eu ver os grilos fritos?
Ti Elias: Mas foste tu que faltaste! Ainda esperei, mas não aparecias, não pude esperar mais!
Chiquinho: Então, e não sobrou nada?
Ti Elias: Sobraram umas rodelas de farinheira frita e um bocado de toucinho!
Chiquinho: Não é isso! Dos grilos fritos!
Ti Elias: Nem um sequer! E mais que fossem! Que bons que estavam!
Chiquinho: Esta agora! E quando é que trás outra vez mais grilos fritos para o jantar?
Ti Elias: Agora não sei! Não tenho tempo para ir a eles! Vê lá tu, se me arranjas por aí alguns!
Chiquinho: Eu até arranjava, mas nunca consigo apanhar mais de quatro ou cinco, mas deixe estar que eu não me esqueço de si!Também come grilas?
Ti Elias: Não, não, só grilos, as grilas não se comem!
Chiquinho: Está bem! Sendo assim, vou por aí a ver o que há de novo! Até logo!
Ti Elias: Até logo, Chiquinho!
O Chiquinho desamparou o Ti Elias e, por ali andou a passar o tempo, até à tardinha, quando voltaram para casa!
O Chiquinho fez durar a conversa dos grilos fritos do jantar do ti Elias por muito tempo, principalmente na escola primária da Aldeia de Ferreira, onde a rapaziada dizia que não acreditava.
Um dia o Chiquinho encontrou a Ti Margarida, a mulher do Ti Elias, e perguntou-lhe se era verdade dele comer grilos fritos, ela ficou admirada e percebeu que era brincadeira do Ti Elias e respondeu-lhe que não, porque ninguém comia grilos fritos, mas o Chiquinho continuou com dúvidas durante muitos anos, porque o Ti Elias não era homem de brincadeiras.
Fim
Texto: Correia Manuel
Terraço - Capelins
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