terça-feira, 21 de novembro de 2023

A lenda do baile na estrema de Nabais, em Capelins

 A lenda do baile na estrema de Nabais, em Capelins 

O espaço geográfico da atual  Freguesia de Capelins, em 1314 passou a ser uma Villa Defesa, era tipo Couto de homiziados, com a diferença que, os criminosos que eram desterrados para os Coutos, onde podiam trabalhar, levar ou constituir lá família, eram uma prisão em regime aberto, logo não podiam sair dos seus limites, no caso das Villas Defesa, parte do sistema era semelhante, o nome é que era diferente, os criminosos não eram para lá desterrados, neste caso, fugiam para a prisão, mas todos os povoadores, foragidos à justiça, ou não, que nela entrassem, tinham vários privilégios em termos de isenção de impostos e, não podiam ser obrigados a sair de lá, para serem julgados ou presos, nem para irem à guerra por terra ou por mar, tudo isso, para poderem povoar as regiões desertas de gente. 

Ao longo dos tempos, foram aparecendo alguns foragidos na dita Villa Defesa de Ferreira e, no início da centúria de 1700 apareceu um rapaz, com um pau e uma manta às costas, aos quais, chamavam malteses, bem vestido e bem calçado, com menos de trinta anos, na taberna do Lugar de Ferreira, hoje Neves, a pedir informações sobre, onde podia trabalhar, a taberneira conhecia os foragidos à distância, viu logo que era mais um, mas como foi no início das ceifas, disse-lhe que, se soubesse ceifar, os lavradores todos precisavam de gente e como ele disse que sim, encaminhou-o para um feitor que estava de conversa à porta da taberna, como sabia fazer todos os trabalhos agrícolas foi logo contratado para uma das herdades da Defesa, sem o feitor querer saber quem era e de onde vinha, só era preciso saber ceifar, mas depressa demonstrou ser um bom trabalhador e no fim da ceifa já de lá não saiu, passou para o carrego dos cereais para a eira, depois para a debulha e para todos os trabalhos que se seguiram, começando a ganhar grande empatia por parte de todas as pessoas que trabalhavam na herdade. 

Toda a gente queria saber como se chamava, de onde era, se era solteiro ou casado e porque tinha vindo para a Defesa de Ferreira, e ele não escondia nada, dizia que tinha a consciência limpa, chamava-se Joaquim José, era de perto de Bencatel e tinha fugido para a Defesa de Ferreira porque era acusado de homicídio, do filho de um lavrador e jurava que estava inocente, nunca na sua vida tinha feito mal a ninguém, mas não tinha testemunhas nem maneira de provar a inocência e teve de fugir da herdade onde trabalhava desde criança.

As pessoas das suas relações, acreditavam que ele era sincero e que dizia a verdade, era muito divertido, pelo que, foi ganhando cada vez mais amigos, e como tinha fama de ser um bom trabalhador, começou a ser cobiçado por várias raparigas com idade casadoira, mas ele resistia, aumentando ainda mais o número de raparigas interessadas nele, e quando começou a frequentar os bailes, não chegava para as encomendas, e começou a pensar em arranjar aqui uma rapariga, casar-se e constituir família.

Nessa época, já se realizavam as grandiosas festas em honra de Santo António, junto à sua Igreja, que ficava situada a menos de 200 metros da estrema ou limite da Vila Defesa de Ferreira, pelo que, os foragidos não podiam assistir, ficavam a ver de longe, porque se pusessem um pé fora da Defesa, eram logo presos pelos guardas do Reino, os ordenanças, que nesses dias não arredavam pé dali, e nunca mais voltavam, geralmente eram desterrados para as colónias, em África, Índia ou Brasil ou para o remo nas galés, onde a maioria morriam, pelo que, a Comissão Paroquial de Santo António decidiu que a parte pagã das ditas festas fosse realizada sobre a estrema, ou limite da Vila Defesa com as courelas de Nabais, assim, já toda a gente podia participar e era pertinho da Igreja. 

A novidade nesse ano, trouxe ainda mais romeiros ás ditas festas e, a parte religiosa foi na Igreja, mas as procissões entraram um pouco na Defesa para os foragidos, devotos, poderem rezar, à noite houve bailes muito animados, realizados em cima da dita estrema, mas os dançarinos que eram foragidos, não podiam passar para o lado de fora, porque os guardas estavam com o olho neles e, qualquer descuido, eram logo presos, e foi o que aconteceu ao Joaquim Zéi, dançava muito bem e andava a rodopiar com uma linda rapariga nos seus braços, da qual, ele gostava muito e preparava-se para nessa noite lhe pedir namoro, mas ao rodar, entusiasmou-se e perdeu a cabeça, descuidou-se e pôs um pé fora da Villa Defesa, como os guardas o tinham debaixo de olho, deitaram-lhe a mão e o Joaquim Zéi desapareceu para sempre, quando os amigos lá do Monte da herdade começaram a ouvir o que tinha acontecido, foram procurá-lo até à Aldeia de Faleiros, mas não encontraram rasto dele e nunca mais apareceu nas terras de Capelins. 

Mais tarde, ouviram dizer que tinha sido condenado ao desterro para o remo nas galés e, nunca mais voltou, presumindo-se que tenha lá morrido. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 




 

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