sábado, 4 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi passar um dia à Vila de Cheles

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi passar um dia à Vila de Cheles 

Num sábado, nos alvores do decénio de 1970, a rapaziada da Aldeia de Ferreira, antes das dez horas da manhã, já estavam juntos numa das tabernas da Aldeia, eram cinco ou seis e o João desabafou: 

- Pronto, aqui estamos neste céu caído, vejam lá o que temos de passar daqui até à noite, mas onde é que a gente vai?

Os rapazes concordaram com o João, e as cabecinhas começaram a imaginar alguma coisa de novo, mas não surgia nada, e o João continuou: 

- Olhem lá, e se fossemos passar o dia a Cheles? Aquilo lá é outro Mundo, até parece uma cidade, há coca cola, cuba livre, cerveja Aguila, Cruz Campo, Skol e outras e boa música, tipo discotecas, muita alegria e fica barato, porque a peseta vale menos de metade do nosso escudo. 

Não foi preciso insistir mais para convencer a rapaziada toda, porque se alguém ali ficasse sozinho, então é que o céu lhe caía em cima, de tanto tédio. 

Alguns rapazes perguntaram como iam dali até Cheles e onde podiam trocar escudos por pesetas, e depois de várias ideias decidiram ir a pé, passavam o rio Guadiana nas Azenhas D' El-Rei, por cima do açude dos Moinhos, era seguro, e quanto ás pesetas, podiam fazer lá o cambio. 

O Manel concordou com a rota até Cheles, mas alertou que lá em Cheles, eram os Biruta que cambiavam, mas devia ser a seis tostões, enquanto em Montes Juntos o Ti Tonico dispensava a cinco, ou menos, logo em cinquenta escudos fazia uma diferença de vinte pesetas, ou mais, dava para muitas bebidas, por isso, decidiram ir pelos Montes Juntos, e dali, como combinado,  seguiram pelas Azenhas D`El-Rei.

Passaram por dentro dos Moinhos, dos dois portugueses e do espanhol e seguiram por cima do açude até perto da margem de lá, onde o açude estava desmoronado e tiveram de descalçar sapatos e meias e despir a roupa toda, meteram-se a banho com tudo à cabeça, mas quando passaram o correntão estava muito forte, a água dava-lhe por baixo dos braços e estiveram vai não vai água abaixo, mas com alguma dificuldade lá passaram, enxugaram um pouco, vestiram-se e seguiram até Cheles. 

Quando chegaram, dirigiram-se aos cafés do centro, o primeiro foi em frente ao café dos Biruta, o que diziam, vendia mais barato, beberam umas bebidas e depois foram, então ao café dos Biruta e aqui lembraram-se que seria melhor informar o sargento da guarda civil que estavam ali, para divertimento e beber umas cervejas. 

Assim que a embaixada chegou ao quartel, informaram os guardas de serviço ao que iam, eles chamaram o sargento que apareceu espavorido a pensar que tinha acontecido alguma zaragata, depois ouviu a rapaziada, perguntou se eram de Montes Juntos e eles responderam que eram de Ferreira, mesmo ali ao pé, e o sargento disse que conhecia e sabia muito bem onde era, e que podiam ir a divertir-se, mas sem armar nenhuma desordem, os rapazes agradeceram e acrescentaram que nunca armavam desordens, porque eram das melhoras pessoas de Portugal e despediram-se. 

Como já estavam com fome, passaram por um café, ao qual, chamavam o Casino debaixo do arco e perguntaram o que tinham para comer? Eles enunciaram vários petiscos entre os quais, lagarto, o João disse que queria lagarto, era muito bom, mas o Chiquinho disse que não comia cobras nem lagartos, mas depois explicaram-lhe que não era o réptil, eram pedacinhos de carne de porco frita e todos aceitaram o lagarto, com pão muito fino e branquinho e beberam algumas cervejas. 

A farra em Cheles não parou ali, ainda nem tinha começado e depois de temperados desceram pela praça e foram ter a um café com boa música, tipo discoteca, alguns continuaram a beber cerveja e outros cuba livre e não demorou surgir o efeito das misturas, para grande admiração de todos, deram de caras com outro grupo de rapazes da Aldeia de Ferreira e de Montes Juntos e começaram a misturar-se a beber em boa harmonia, mas não foi por muito tempo, sem razão o Chiquinho pegou-se com outro rapaz do outro grupo e, começaram a oferecer moquinos um ao outro, valeu-lhe a intervenção do João que lhes lembrou que se armassem ali zaragata ficavam a dormir no quartel da guarda dentro de uns calabouços que pareciam uns chiqueiros e até podiam ir parar ao Tribunal de Badajoz e a situação acalmou um pouco. 

Quando chegou a hora da abalada, já era noite cerrada e o outro grupo disse que já tinham combinado com o "Pirim " para os passar no barco à Cinza, mas, decerto, levava a malta toda, porque o barco era muito grande e lá seguiram todos no mesmo grupo até à Cinza, cerca de dez, mais o barqueiro que foi dispondo a rapaziada dentro do barco, ficando o mesmo com pouco mais de um palmo acima de água e foram bem avisados para em caso algum se mexerem de onde estavam, senão iam todos parar ao fundo do pego do rio Guadiana, e lá foram todos encolhidos cheios de medo, mas não havia alternativa e como o barqueiro fazia aquela travessia várias vezes ao dia e noite, com grandes cargas de café camêlo no barco, foi fácil e rápido, depressa meteram os pés na terra firme de Capelins. 

Na Cinza o grupo apartou-se cada um seguiu o seu caminho, uns seguiram a pé, outros de motorizada, e dali a pé até à Aldeia de Ferreira, as conversas foram sobre a grande aventura, desde a partida, até à chegada à Aldeia, apesar de alguns contratempos, todos concordaram que tinha sido uma boa ideia ir passar aquele dia à Vila de Cheles, onde todos foram muito bem tratados e foi tema de conversas durante muito tempo. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Vila de Cheles - Espanha 

(Foto net)





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