quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, da pescaria na Ribeira do Lucefécit, com a guita do pião

Memórias do Chiquinho de Capelins, da pescaria na Ribeira do Lucefécit, com a guita de rodar o pião

Nos tempos em que na Freguesia de Capelins não existia eletricidade nem saneamento básico, também não havia máquinas de lavar roupa e, as mulheres lavavam as roupas da Família em tanques, junto a poços privados ou da Junta de Freguesia, nos Ribeiros perto das Aldeias, desde que tivessem corrente, na Ribeira do Lucefécit ou no Rio Guadiana. 

O Chiquinho de Capelins, desde muito pequeno, começou a acompanhar a mãe no dia da lavagem da roupa, geralmente, uma vez por semana, para não ficar sozinho em casa a fazer o que não era para fazer, pelo que, um dia no início do mês de Maio do decénio de 1960,  acompanhou a mãe e, também foi o pai, à Ribeira do Lucefécit, na  carroça da mula. 

Partiram cedo  e atravessaram a dita Ribeira no Porto romano das Águas Frias de Baixo, subiram um pouco o caminho que passava a rasar a Horta das Águas Frias para a Aldeia do Rosário e, estavam no seu destino, um lavadouro feito de pedras de xisto quase talhadas, instaladas na margem da Ribeira, onde as mulheres esfregavam e batiam a roupa, um pouco abaixo do pégo da rocha, no seguimento do mesmo. 

A mãe começou logo a lavar, porque a roupa tinha de ser lavada, corada ao sol, depois batida e posta a enxugar por cima das tamujeiras e de outros arbustos, não se podia descuidar, e o pai andou Ribeira abaixo, Ribeira acima, a procurar arbustos de onde pudesse colher alguns ramos para fazer cabos para enxadas, sachos, martelos e outros instrumentos agrícolas.

O Chiquinho andou por ali observando o ambiente, até ficar cansado e sentou-se perto da mãe a ver os cardumes de peixes pequeninos, que andavam perto da pedra de lavar onde a mãe esfregava a roupa, atraídos pela espuma do sabão azul e do sabão clarim e, quando ele atirava uma pedra à água, movimentavam-se, como se fosse um só corpo. 

Quando o pai acabou a dita tarefa, foi sentar-se ao lado do Chiquinho e reparou nos cardumes que se viam na sua frente e começou a comentar que, se tivesse um fio, decerto fazia grande pescaria de saramugos e outros peixes, porque tinha anzóis, ou seja, tinha dois ou três alfinetes de cabecinha espetados na fita do chapéu, para quando andava nos trabalhos agrícolas e espetava algum pico nos dedos, podia tirá-lo logo, pelo que, era só dar-lhe a forma e ficava um anzól, mas sem uma linha, não serviam e desperdiçava-se uma boa ceia (jantar) de peixe frito, então perguntou à mãe se não lhe arranjava uma linha de qualquer peça de roupa, era só descoser, mas valia a pena, depois em casa logo a cosia, mas a mãe respondeu que não tinha linha nenhuma. 

O pai do Chiquinho ficou aborrecido, mas não desistiu de procurar uma solução, e deu tantas voltas à cabeça até que, perguntou ao Chiquinho:

Pai: Olha lá Chiquinho, por acaso não tens aí no bolso a tua guita de rodar o pião? 

Chiquinho: Tenho, tenho, está aqui! 

Pai: Passa-a para cá, já está resolvido, era mesmo isto que eu precisava.

O Chiquinho ficou boquiaberto à espera de ver pescar peixes com a guita de rodar o pião e com alfinetes de cabecinha, então o pai desatou o nó na extremidade da guita e começou a desfazê-la, porque era feita com três ou quatro linhas de fazer as antigas meias grossas que usavam nas botas de cabedal de andar nos campos, dobradas e entrelaçadas, e o Chiquinho começou a choramingar, dizendo que lhe estava a estragar a guita do pião, mas o pai disse-lhe: 

- Deixa lá a guita, amanhã fazemos outra melhor do que esta, vamos lá apanhar a ceia (jantar) e continuou a desfazê-la, depois cortou uma vara de um arbusto, dobrou um alfinete em curva, atou a linha à vara e ao anzól/alfinete e ficou uma cana de pesca pronta a funcionar, foi procurar algumas minhocas no leito da Ribeira e começou a pescar peixes, uns atrás de outros, em menos de uma hora, tinha um balde cheio de saramugos e outros peixes, alguns com mais de um palmo. 

O Chiquinho estava abismado e em pulgas para começar a pescar, mas enquanto o pai não achou que o jantar estava assegurado, não o deixou molhar as agulhas, por fim, explicou-lhe que, quando o peixe picasse tinha de dar um pequeno impulso, para o anzól/alfinete ferrar o peixe, senão saía e ele fugia, mas com o entusiasmo, o Chiquinho, nem ouviu a explicação, para ele aquilo era muito fácil, era só meter a minhoca na água e tirar o peixe, mas não foi assim, o Chiquinho não pescou  um único peixe, ou puxava antes do peixe picar ou depois dos peixes comerem a minhoca e esgotou o isco, logo a pescaria acabou. 

O pai escamou e preparou os peixes lá na Ribeira e, quando chegaram a casa à tardinha foi só acrescentar sal, e pouco depois, já estavam a fritar e fizeram um jantar que nunca mais foi esquecido, mas o mais importante foi a lição para a vida, quando queremos alguma coisa, que esteja ao nosso alcance, não podemos desistir, porque, muitas vezes, a solução para a obter, está na frente dos nossos olhos e não a vemos, neste caso, estava no bolso do Chiquinho, mas foi encontrada pelo seu pai.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Águas Frias




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