domingo, 26 de fevereiro de 2023

Memórias do banho no pego da rocha, na Ribeira de Lucefécit

Memórias do banho no pego da rocha, na Ribeira de Lucefécit 

Nos primeiros anos da década de 1970, num sábado, ao fim da manhã estava um grupo de rapazes a beber umas cervejas numa taberna de Ferreira de Capelins, era um dia festivo com baile à noite. 

Um dos rapazes mandou vir mais uma rodada, mas o Manel disse que não queria beber mais nada, porque, tinha de ir tomar banho, senão,  metia-se o almoço e depois a tardada e chegava à hora de se vestir para a bailarada e ainda não tinha tomado banho e não queria ir para o baile a cheirar mal. 

Os rapazes que estavam no grupo, disseram que, também iam tomar banho, mas não era em casa, ainda não havia casas de banho em Capelins, uma vez que, não existia saneamento básico, a solução era o banho à chinês, num alguidar, com uma vasilha deitava-se água pela cabeça, depois de bem molhados, ensaboavam-se com um sabonete bem cheiroso e deitava-se um pouco de champoo na cabeça, a seguir continuavam a deitar água pela cabeça para tirar a espuma e estava o banho tomado, mas neste caso, sendo verão alguns rapazes, geralmente,  tomavam banho na Ribeira de Lucefécit ou no rio Guadiana, mas tinham um lugar muito bom e perto da Aldeia, era o pego da rocha, com nascente, na Ribeira de Lucefécit e tomavam banho em águas sagradas, já que desciam passando por diversos Santuários do vale da Lucefécit, assim, convenceram o Manel em ir com eles, era só levar um sabonete, champoo e uma toalha, e vinham de lá lavadinhos, davam uns mergulhos e vinham almoçar a casa.

Os rapazes beberam mais umas cervejas e pouco depois foram às suas casas buscar o que fazia falta para o banho e partiram a dois e dois nas motorizadas até ás Águas Frias com destino ao pego da rocha que ficava entre os portos das Águas Frias de Baixo e de Cima, muito próximo do caminho que ligava as Aldeias de Ferreira e do Rosário, assim que chegaram despiram a roupa toda e atiraram-na por cima das tamujeiras, e ficaram nus, saltaram para a água, começaram a nadar, a mergulhar e muita brincadeira, andaram nisso quase uma hora, mas quando a fome começou a apertar decidiram passar os sabonetes pelo corpo, o champoo na cabeça, e deram uns mergulhos para a espuma sair. 

Quando saíram da água, prepararam-se para se limpar, mas nem as tolhas nem uma única peça de roupa apareciam, ainda pensaram que, com o entusiasmo de irem mergulhar as tinham deixado lá mais para cima e já aflitos, começaram a procurá-las pelo meio das moitas das tamujeiras que por ali havia, mas nada de toalhas nem de roupa, entretanto, enxugaram com o sol, como já estavam convencidos que tinham sido roubados, lamentavam-se como é que iam aparecer nus, montados nas motorizadas na Aldeia de Ferreira, logo em noite de baile, o que não iam dizer deles, como seriam gozados no baile, depois de várias ideias, pensaram em fazer um tapilho em buínho entrelaçado ligado com junça, para o rapaz mais magro, por causa do tamanho da cintura, ir na motorizada, à casa de cada um, buscar roupa, e de entre todas as ideias, esta era a melhor, mas surgiu outro problema, não tinham uma única navalha para cortar a junça e o buinho, porque, estavam nos bolsos das calças que tinham roubado, tinha de ser à mão, mas demorava muito tempo e tinham muita fome, mas era melhor começar a fazer o tapilho, por isso, uns apanhavam o buínho e os que sabiam, faziam os entrelaçados, depois era só fazer as ligações  com junça e também ligar ao cinto feito em buínho, só assim estavam safos de passar a suposta vergonha. 

Quando os rapazes já andavam a colher o buínho, o Manel pressentiu que estavam a ser observados, levantou os olhos à procura de ver alguém e avistou uma camisola pendurada de um freixeiro no ribeiro do castelo, que ficava um pouco mais abaixo do dito pego, não conteve a alegria e gritou: - Está além a nossa roupa, estamos safos! E foi a correr naquela direção e os outros rapazes deixaram o buínho e foram a correr atrás dele, e lá estava a roupinha e as toalhas tudo bem arrumado, debaixo do freixeiro, foi um grande alívio para todos, depressa se vestiram e, antes da partida, ainda olharam, olharam, mas não viram ninguém e só não foram procurar o ladrão, que estava bem perto, porque não aguentavam a fome, ainda tentaram comer umas bagas de uvas bravas, mas estavam intragáveis e as amoras já estavam secas.

Passados uns meses, ouviram dizer que o brincalhão tinha sido o tio de um dos rapazes e amigo de todos, que era vaqueiro ali perto, e como tinha assistido ao espetáculo da rapaziada no banho, pensou em lhe pregar uma partida, depois era para aparecer com a roupa, mas como os viu e ouviu tão zangados teve medo não lhe chegassem a roupa ao pêlo, porque ouvia-os dizer que desfaziam o ladrão e ficou amagado no meio do buinho, dentro da Ribeira. 

Foi uma boa lição para os rapazes que, depois disso acontecer, sempre que iam tomar banho ao pego da rocha nas Águas Frias, deixavam a roupa bem arrumada e à vista deles, porque nunca mais esqueceram a vergonha que teriam passado se têm aparecido nus na Aldeia de Ferreira.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




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