sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Memórias da horta da ti Maria, em Capelins

 Memórias da horta da ti Maria, em Capelins

A ti Maria Rosa, era uma mulher de estatura média, tinha pouca conversa, assim como de empatia, vestia de negro, porque tinha ficado viúva muito cedo, e como não tinha filhos, vivia sozinha no seu Monte, perto da Aldeia de Ferreira.
A vida diária da ti Maria, pouco mudava, além de tomar conta de si própria, tratava das galinhas e da sua horta que se situava num pequeno vale a cerca de duzentos metros do Monte, onde tinha um poço com muita e boa água e lá plantava e colhia quase tudo o que precisava para consumo na casa, desde as hortaliças, batatas, alhos, cebolas, tomate, feijão, cenouras e muitas qualidades de frutos, figos, laranjas, abrunhos, ameixas, pêssegos, uvas, melão, melancia, morangos e outros.
A meio de cada manhã, a ti Maria deixava a horta e dirigia-se ao Monte, tratava das galinhas, comia alguma coisa e punha as sopas ao lume para o seu jantar (almoço) e davam para a ceia (jantar), e só voltava à labuta da horta à tardinha, mas no verão, como se levantava de madrugada, dormia uma boa sesta e era nessa hora que a rapaziada aproveitava para fazer uma visita ao seu morangal, que ocupava um grande espaço da horta, produzindo alguns quilos de morangos, e do qual, a ti Maria tratava muito bem e tinha muito orgulho.
Os rapazes foram passando a palavra sobre, o lugar onde havia muitos e bons morangos, um fruto muito cobiçado e raro em Capelins nessa época, e os fregueses dos mesmos foi aumentando, e quando a ti Maria esperava de haver morangos maduros para colher, não avistava nenhum e estranhava de naquele ano, dos finais da década de 1960, os morangos estarem tão atrasados, porque nos anos anteriores, nessa altura já tinha colhido quilos e quilos e começou a desconfiar que havia mão alheia a fazer a colheita, uma vez que, via morangos arraiados e depois desapareciam, tinha de haver ali gato ou rato, pelo que, começou a espreitar lá do Monte, de onde avistava as entradas da horta, mas os rapazes tinham um esquema bem montado e a ti Maria não conseguia apanhá-los, quando uns iam encher a barriga de moranguinhos, ficava um de vigia, camuflado em cima de uma oliveira, de onde via a porta do Monte e, assim que ela aparecia, mandava um assobio e os que estavam na horta rastejavam uns metros por baixo das roseiras, entravam dentro de um pequeno ribeiro e, facilmente se punham em fuga e como ela era surda, não ouvia o assobio, e se fosse à horta, quando lá chegava, já eles estavam longe.
A ti Maria usava várias estratégias, espreitava, espreitava e não via ninguém na horta, já nem dormia a sesta, para guardar os seus belos morangos, andava a dormir em pé, e queixava-se a toda a gente que naquele ano, já o verão ia a meio e ainda não tinha metido o dente num morango, não sabia o que se passava, achava que os roubavam, mas não via lá ninguém nem pégadas de gente, já estava desconfiada que seria algum bicho rastejante, porque era o que lá via, sinais de bichos rastejantes que lhe comiam os morangos todos, nem os deixavam amadurecer, mal ficavam arraiados e desapareciam.
A ti Maria não encontrava sinais de entrada dos invasores na horta, até já tinha andado, algumas vezes, com um grande pau a picar debaixo das roseiras e tudo em volta, mas apenas tinha espantado algumas codornizes e não encontrava nenhum bicho.
Os rapazes sabiam do dilema onde ela andava metida, e isso, ainda os motivava mais, a continuar a sua brincadeira, já não era pelo interesse nos morangos, mas por saberem que a traziam arreliada e combinaram em continuar e não a deixar provar os morangos nesse ano, mas não tocavam nos outros frutos, e aperfeiçoaram a técnica de catar morangos, mesmo aqueles que ela escondia, ainda verdes, debaixo de pasto, eles tanto procuravam que os achavam e mesmo que não estivessem maduros já lá não ficavam e a ti Maria chegou a uma altura que se convenceu que eram bichos rastejantes que tinham aparecido naquele ano e eram comedores de morangos e começou a dar voltas à cabeça de como os podia apanhar, não tinha dúvidas que o isco tinham de ser morangos, mas não tinha, a não ser que comprassse alguns e metia-os dentro de uma ratoeira dos ratos e assim fez, comprou meio arrátel de bons morangos, a um regatão, em troca dos ovos das galinhas e meteu alguns dentro de duas ratoeiras disfarçadas no meio do morangal.
Os rapazes aperceberam-se das ratoeiras, mas não tocavam nos morangos que lá estavam dentro, podiam estar envenenados para matar os bichos e ficavam no mesmo lugar até se estragarem, sem resultados, e a ti Maria pelo rasto que ficava das barrigas dos rapazes pensou que deviam ser bichos grandes que não cabiam na entrada das ratoeiras e, desesperada, desistiu das suas caçadas aos papa morangos, também, porque, o verão estava a chegar ao fim, assim como, a época dos morangos e ela quase não provou os seus morangos.
A ti Maria andou meses a contar a toda a gente que, naquele verão tinham aparecido uns bichos rastejantes que lhe tinham comido os morangos todos, mal os tinha provado, algumas pessoas achavam estranho, mas pensavam que ela não devia estar boa da cabeça, devia comê-los e depois não se lembrava e dizia que eram os bichos rastejantes que os comiam e não tocavam em mais nenhuma fruta, não podia ser, para os rapazes era uma paródia, mas mais tarde reconheceram que foi uma má ação, mas para eles não tinha passado de uma brincadeira na horta da ti Maria.
Fim
Texto: Correia Manuel

Morangueiros



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