quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Memórias da partida ao louceiro do Redondo, em Capelins

Memórias da partida ao louceiro do Redondo, em Capelins

Numa tarde, após mais um dia de escola, em meados da década de 1960, em Ferreira de Capelins, o grupo habitual meteu-se a caminho de casa, a magicar sobre o que podiam fazer de mal durante o curto caminho, mas apesar de várias propostas de cada um, não se encontrava nada de jeito, que não fosse muito grave, senão o acerto de contas, depois em casa, ou mesmo na escola, podia ser muito severo.

Quando o grupo ia chegando à porta da taberna, o João parou e disse:

João: É pá, já sei o que vamos fazer hoje!

Os rapazes pararam, olharam em volta e ficaram sem o perceber, porque, não viram nada, nem ninguém, a quem pudessem pregar alguma partida e insistiram para ele lhe explicar o que afinal iam fazer!

João: Vocês não estão a ver mesmo em frente dos seus narizes os burros do louceiro? O que querem melhor?

Manel: Então, e o que queres fazer aos burros? Não vês que estão carregados de louça! Queres espantá-los e partir a louça toda?

João: Pois, isso é que era uma bela partida, era para toda a vida!

Manel: Sim, mas as lambadas que a gente levava dos nossos velhos, também eram para toda a vida! Ou tu pensas que o homem não ia fazer queixar e éramos logo apanhados?

João: Não sei! Se a gente fizer as coisas bem feitas, não somos, como é que o louceiro sabe que fomos nós os culpados de um atabão (grande mosca da família tabanidae) picar o rabo do burro?

Manel: Ó João, mas os burros estão presos um ao outro, com uma corda, por isso, se espantarmos só um, o outro vai segurá-lo!

João: Isso resolve-se bem! A gente desata a corda e o homem sabe lá se foi o burro ao fugir que a partiu!

Não, não! Responderam os rapazes em coro! E deixaram bem claro que não entravam na partida ao louceiro, era muito arriscado, no fim, ainda apanhavam uma grande sova dos pais e tinham de pagar a louça toda, e até podia meter a Guarda Republicana.

O João chamou-lhe tudo, caguinhas, medrosos, que não eram para nada, mas não os demoveu e apressou-se a contar-lhe uma partida semelhante à que ele queria fazer, passada nos tempos do seu avô, e começou a contar:

Há muitos anos, andava por aqui um louceiro do Redondo, ao qual chamavam o ti Zé louceiro, era muito bondoso e gostava muito de beber uns copinhos de vinho, um dia estava numa taberna além em Capelins de Baixo e tinha o burro à porta, com um resto de louça nos alforges, umas panelas maiores e umas mais pequenas, apareceram uns rapazes que o conheciam e lembraram-se de lhe pregar uma partida, e se bem o pensaram, melhor o fizeram, combinaram o que iam fazer e um dos rapazes foi buscar um tôjo sêco cheio de picos e outro levantou a cauda ao burro e meteram o tôjo entalado na cilha debaixo da cauda do animal que, quando sentiu as picadas, mandou dois sopros e partiu em corrida pela estrada de Montejuntos.

O ti Zé louceiro já tinha bebido uns copinhos de vinho e estava muito descontraído na taberna, pelo que, não deu por nada, mas daí a pouco tempo foram dizer-lhe que tinham visto passar o burro em grande correria para os lados da Aldeia de Montejuntos e parecia que ia com a mosca, mas ele não se importou, nem se mexeu de onde estava e só respondeu: - Deixem-no ir andando, ele há-de aparecer!

Os autores da partida, rebolavam-se no chão a rir, mas não contaram a ninguém que tinha sido obra deles e toda a gente que por ali passava eouvia dizer que o burro do ti Zé louceiro lhe tinha fugido, culpavam a mosca que lhe tinha picado no rabo.

Quando lhe apeteceu, o ti Zé louceiro despediu-se, saiu da taberna e seguiu para o lado que lhe indicaram terem visto ir o burro e, a partir dali foi pedindo informações, se o tinham visto, deu volta a Montejuntos a Cabeça de Carneiro, às herdades que ficavam no caminho e por fim, ao terceiro dia, alguém lhe disse que tinha visto um burro com alforges da louça, a pastar, serenamente perto das Sete Casinhas, o ti Zé louceiro seguiu a indicação que lhe deram e encontrou o seu burro, mas devido às picadas do tôjo, o animal tinha-se espojado para se livrar das picadas e partiu a louça toda, a sorte é que já era pouca, rematou o João!

Depois deste relato, o João insistiu para fazerem o mesmo, e afirmava que o louceiro não descobria que tinham sido eles, era a mosca, e que era uma partida muito engraçada, e mais isto e mais aquilo, mas nenhum rapaz do grupo lhe achou jeito, porque, pressentiam que não ia correr bem para o lado deles e foram andando para suas casas a imaginar o cenário do burro do ti Zé louceiro, tinha sido muito engraçado, mas era melhor ficarem assim.

Fim

Texto: Correia Manuel

Louça do Redondo 



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