sábado, 11 de fevereiro de 2023

Memórias do grande ciclone de 1941, em Capelins

 Memórias do grande ciclone de 1941, em Capelins

Na parte da tarde do dia 14 Fevereiro de 1941 começou a chover, impedindo os alvanéus e os trabalhadores rurais de poderem trabalhar e, a noite seguinte foi diferente das anteriores, ouvia-se vento e os animais estavam agitados, acordando os seus donos e causando alguma preocupação, fazendo prever aos mais velhos conhecedores destes fenómenos que, alguma coisa má estava para acontecer, levando-os a pensar que podia ser um tremor de Terra, mas amanheceu sem isso acontecer.
Embora fosse sábado, nessa época era um dia de trabalho como os outros, por isso, embora com algum vendaval, de madrugada, algumas pessoas que dormiam nas suas casas nas Aldeias, levantaram-se e foram para os Montes e herdades onde trabalhavam para se juntarem aos que lá dormiam, alguns, junto dos animais de trabalho que tinham de tratar durante a noite, outros tinham de apascentar o gado durante o dia e moravam com as famílias nesses Montes, e os seareiros que trabalhavam por conta própria, meteram as bestas nas carroças e seguiram para as suas courelas, como faziam todos os dias, mas toda a gente comentava que tinha sido uma noite muito má e o dia continuava igual à noite, parecia que andava o diabo à solta, o céu estava carregado de nuvéns muito negras que pouca chuva deixavam cair, mas havia grande ventania.
Nesse fatídico dia de vendaval, estava marcado um casamento na Igreja de Santo António de Capelins, cujo noivo era o senhor Francisco António Pôtra, filho de João Pôtra e de Violante Maria, por esse motivo, era conhecido pelo senhor Francisco "Violantinho" (por a mãe ser Violante), moradores no Monte de Calados, e a noiva era a senhora Gertrudes Grave, filha de Manuel João Rocha (o ti "Capeleiras") e de Luzia Moreira, conhecida pela senhora Gertrudes "Capeleiras", moradores no Monte do Pinheiro, o qual, mesmo em dia de vendaval, não deixou de se realizar.
À hora marcada pelo padre, os noivos, Familiares e convidados estavam na Igreja, sendo transportados em charretes ou carroças puxadas por uma ou duas muares, cujos carreiros estranhavam o comportamento dos animais, com as orelhas afitadas, muito nervosos, levando os mais novos a pensar que se devia ao movimento festivo.
Quando iam no caminho para a Igreja deram-se algumas peripécias devido à ventania, a cobertura da charrete que transportava o noivo teve de ser recolhida, porque estava em risco de ser arrancada pelo vento e, logo a seguir, o chapéu do noivo que fazia parte da indumentária, levantou voo e por mais que o procurassem, nunca mais foi encontrado.
Quando estavam dentro da Igreja de Santo António, com a porta encostada, porque o vento soprava por todos os lados, assistindo ao casamento, ouviram, quase, repentinamente um grande ruído que, parecia um forte trovão abafado, o padre que dizia um sermão, parou de falar e ficou assustado, tal como toda a gente que ali estava e ficaram a olhar uns para os outros, até que, comentaram: - Foi um tremor de Terra! Mas nem todos concordaram, porque não sentiram a Igreja a tremer, alguns homens saíram a correr e lá fora ouviam-se gritos de mulheres e de crianças que moravam ali, assim como as vozes dos carreiros a acalmar as muares, em simultânio, gritaram todos: - Foi um ciclone! Foi um ciclone!
Os convidados iam saindo da Igreja e ficavam abismados com a destruição do arvoredo e com o que lhes contavam, que azinheiras arrancadas pela raiz tinham voado por cima da Igreja, das casas e deles, tinha sido uma grande sorte não terem caído mesmo ali, em cima da Igreja, só podia ter sido por proteção de Santo António, e puderam confirmar que havia azinheiras, pernadas e ramos das mesmas e de outro arvoredo em redor da Igreja de Santo António e, apenas algumas telhas das casas estavam levantadas, mas sem ninguém se encontrar ferido, pelo que, depois de as pessoas ficarem mais calmas, realizou-se o casamento, mas estava toda a gente desejando de regressar às Aldeias para saberem se as pessoas estavam bem e se as Aldeias não tinham sido destruídas pelo ciclone.
Assim que o casamento foi realizado, partiram para a Aldeia de Capelins de Baixo, mas tiveram muita dificuldade em lá chegar, porque a estrada estava obstruída em alguns sítios com o arvoredo que tinha sido arrastado pelo ciclone, mas os homens foram abrindo caminho conforme puderam e chegaram ao seu destino, sempre com a preocupação de saber se era preciso ajudar alguém e se, eventualmente havia feridos, ou mortos e só depois de saberem que, nas Aldeias e nos Montes de Capelins, estavam todos bem, deram continuidade à boda do dito casamento, porque apenas havia algumas telhas fora do lugar, algumas partes de beirais e de chaminés partidos que foram reparados pelos alvanéus de Capelins nos dias seguintes.
Nesse dia e nos seguintes, ouviram-se várias notícias de acontecimentos, desde pessoas que tinham voado alguns metros, outras tinham-se agarrado a árvores ou muros para não serem atirados ao ar pelo ciclone e o ti Manel que estava no seu Monte onde tinha ido jantar (almoçar) e, ao ouvir aquele ruído saiu a correr e foi apanhado de surpresa, apenas sentiu um grande empurrão pelas costas e quando deu por si, estava empoleirado numa figueira e a sua mulher que ia atrás dele, ficou sem palavras quando o viu naquela situação, achou estranho como é que ele tinha subido tão depressa para a figueira, mas viu logo na sua frente várias árvores arrancadas e partidas e percebeu que tinha sido um ciclone que o fez voar até àquele lugar, ele foi descendo com calma e estava bem, só tinha uns pequenos arranhões e as calças abertas atrás.
As pessoas que trabalhavam nos campos, incluindo os ganadeiros, começaram a ouvir o ruído e a ver ao longe, azinheiras, oliveiras e outras árvores a voar e tiveram tempo de se atirar ao chão e a procurar proteção para não voar, nem serem atingidos pelos destroços, mas apanharam grandes sustos.
Os gados que pastavam nos campos ficaram espavoridos e, muitos animais fugiram, passando dias e semanas perdidos, sendo muito difícil para os donos, ganadeiros e outra gente, em os encontrar e tornar a juntar os rebanhos e as manadas.
Assim, o grande ciclone de 15 de Fevereiro de 1941, fez grande prejuízo e deixou marcas psicológicas na Freguesia de Capelins, sendo relembrado ao longo dos anos, principalmente o desaparecimento do chapéu do senhor Francisco Violantinho, mas também, pelo receio de se repetir, vindo à memória dos mais velhos, sempre que se levantava ventania na Freguesia de Capelins.
Fim
Texto: Correia Manuel
"Escrito com base nos relatos que se ouviam aos que assistiram ao grande ciclone de 1941, e colaboração de outras pessoas que ouviram contar aos mesmos."
Fotografia: Correia Manuel
Azinheira que ficou nesta posição desde o grande ciclone de 1941 - em Capelins 



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