sábado, 23 de setembro de 2017

Vidas do Contrabando e dos guardas fiscais nas terras de Capelins

Vidas do Contrabando e dos guardas fiscais nas terras de Capelins  

As memórias de um tempo em que o contrabando era um modo de vida de muitas pessoas nas terras de Capelins desde há centenas de anos! Existem documentos datados de 1463, do reinado de D. Afonso V, que se referem ao contrabando no Concelho de Terena, que era essencialmente de gado, cereais, armas, couros e mercadorias.
 Os contrabandistas de Ferreira de Capelins, Montejuntos e outras localidades vizinhas entravam em Espanha e dirigiam-se a cidades, vilas e aldeias, como: Olivença, Vila Real, São Bento da Contenda, São Rafael de Olivença, Valverde de Leganés, Almendralejo, Almendral, Táliga, Alconchel, Cheles, Barcarrota e outros lugares, durante a noite, de carga às costas que variava entre os 25 e os 40 quilogramas e, ao longo de distâncias que poderiam atingir mais de 50 quilómetros.
O que ganhavam com o contrabando foi ao longo de séculos, o sustento de muitas famílias da Freguesia de Capelins, sendo, em alguns casos um suplemento dos salários nos trabalhos agrícolas, mas havia muitas famílias que vivam exclusivamente desta atividade. Desses tempos, ficaram as memórias e ainda os testemunhos de algumas personagens, como o Ti Agostinho de Almeida, Joaquim do Assobio, Natalino, Abrantes, Lagarto, Lourenço, Fura, Batista, Jacinto, Varandas, Busca e muitos outros, chegaram a passar o rio Guadiana numa noite mais de 40 homens e respetivas cargas em barcos a remos dos moleiros ou de pescadores como o Ti José Glórias, Venâncio, Faustino, Fura, Varandas e outros. Esses homens mantinham um permanente jogo do gato e do rato no desempenho da sua atividade, entre eles que viviam do contrabando e daqueles que tinham por missão o seu impedimento, a guarda fiscal.
As rotas do contrabando eram, geralmente, por veredas, matagais, pedregulhos, barreiras, buracos, por lugares com mais difícil acesso e que podiam servir de esconderijo para os homens e para as cargas de forma a ludibriar a guarda fiscal do lado de cá ou a guarda civil (carabineiros) do lado de lá! Para que as campanhas tivessem sucesso, existia uma conduta, cumplicidades e entreajuda, mas também das comunidades rurais e urbanas das localidades espanholas colaboravam com os contrabandistas portugueses em alguns casos devido à reciprocidade, ou seja na aquisição de produtos para trazerem de volta.
Os contrabandistas estavam sempre em alerta e avisavam os companheiros da proximidade dos guardas, porque tinham muito medo de serem apanhados e perderem a carga de café, mesmo os que nunca foram detidos pelas autoridades dos dois países, ouviram muitas vezes as balas dos carabineiros a zumbir perto dos ouvidos.
O dia-a-dia não era fácil para os contrabandistas, mas também não era para os guardas fiscais, apelidados de “pica-chouriços”, tal como as rotas, por utilizarem um ferro comprido e aguçado com o qual verificavam se havia alguma carga de contrabando escondidos nos matos ou outros lugares propícios, que se queixavam das condições a que eram sujeitos para desempenhar a sua missão, ficavam em outeiros, com frio e a chover, ou com muito calor, sem poderem sair dali, quase sempre em  pé mais de 12 horas, a vigiar uma determinada área onde poderiam passar os contrabandistas e, no caso de os detetarem teriam de os deter, apreender a carga, preencher um auto de notícia e aplicar uma multa. Mas a guarda fiscal de Montes Juntos não queria apanhar os contrabandistas, quando os viam disparavam alguns tiros para o ar, para eles fugirem e a guarda ficava com a carga de café que, depois era leiloada e, geralmente adquirida pelo fornecedor. Os guardas fiscais colocados na raia tinham uma vida muito dura e, apesar de serem a força armada do Ministério das Finanças tinham ordenados muito baixos, obrigando-os a procurar alternativas de sobrevivência como cultivar hortas e a procurar casas de habitação muito simples, devido ao custo das rendas.
Os produtos transacionados pelos contrabandistas entre os dois países, nos anos 50 a 90, eram variavelmente os seguintes:  Para lá, em grandes quantidades, o café camelo! Para cá: Louças de pyrex e esmaltadas, rebuçados, chocolates, calças de ganga, botas, medicamentos, perfumes, tabaco, roupas, toucinho, azeite, tripas de porco, pneus, peças de automóveis e gado.
Os antigos contrabandistas que ainda estão entre nós, mantêm hoje, uma relação normal com os últimos guardas fiscais, sem nenhum rancor do passado.
Com a abertura das fronteiras no início dos anos 90, o contrabando praticado durante séculos pelas comunidades rurais localizadas na raia, com mais intensidade entre as terras de Capelins e as localidades espanholas acima referidas acabou-se, dispensando o efetivo da Guarda Fiscal concentrado ao longo da fronteira entre os dois países, o mesmo acontecendo com a guarda civil, que só na província de Badajoz, existiam 26 postos distanciados entre si seis quilómetros e, na Freguesia de Capelins, existiam dois postos da guarda fiscal, um no centro da aldeia de Montes Juntos, cujos guardas deviam vigiar a fronteira entre as Azenhas D’ El - Rei e os Moinhos Novos  e, outro designado de Miguéns na herdade do Azinhal Redondo de Baixo, hoje Roncanito, que vigiavam o espaço geográfico entre os Moinhos Novos e o Moinho do Gato.
Existem muitas peripécias passadas na Freguesia de Capelins e nas terras de Espanha entre os contrabandistas, a guarda civil, a guarda fiscal e outros intervenientes que enriquecem a cultura do povo capelinense.
Como existia contrabando, tinha de existir guarda fiscal e, só existia guarda fiscal, porque existia contrabando! No entanto, o contrabando implicava guarda fiscal, mas a guarda fiscal não implicava contrabando!





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