quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

O mistério do esquife de Capelins

 O mistério do esquife de Capelins

Até final do decénio de 1880, os defuntos da Freguesia de Capelins eram sepultados dentro da Igreja de Santo António, a qual, tinha lugar para quarenta e nove sepulturas para adultos em oito carreiras laterais e seis ao nível do comprimento e mais oito sepulturas para anjinhos e menores na cabeceira, junto à Capela Mor, porque nessa época, era impensável sepultar um cristão fora de uma Igreja, quanto muito, no seu adro.
Como os sepultamentos, eram no interior da Igreja, o espaço entre as sepulturas era muito ajustado, por isso, e por motivos económicos, não eram usados caixões de madeira ou de outros materiais, sendo os defuntos envolvidos num lençol e, assim sepultados, seguindo a vagatura das covas, mas os defuntos tinham de ser transportados desde o lugar do morto, alguns de grandes distâncias, como dos Montes do Azinhal Redondo de Baixo e de Cima, Roncão, Amadureira, Montes Juntos e outros, pelo que, antes do funeral, pelo menos dois homens tinham de ir à Igreja de Santo António a ter com o Sacristão que era o guardião do esquife, uma caixa de madeira que servia para transportar os defuntos, depois faziam o caminho de volta e junto à cova tiravam o defunto e metiam-no na cova, e o esquife ou ficava na Sacristia da Igreja à ordem dos fregueses, ou quando havia epidemias, quando faleciam mais pessoas, podiam já estar outros fregueses à espera para o levar, porque o mesmo esquife servia para os defuntos todos, da Freguesia de Capelins, era tirar um, para dar lugar a outro.
Os nossos ancestrais contavam que, o esquife era um utensílio que assustava mais do que os defuntos, existia um mistério, as pessoas mais novas tentavam não o avistar quando o levavam vazio, pressentiam que, podia ir servir para eles/as, tinham muito medo e até na Igreja de Santo António, algumas pessoas evitavam de se chegar para os lados da Sacristia, porque estava lá o esquife, mas debaixo dos seus pés, estavam as sepulturas e não incomodavam tanto como o dito cujo e, quando alguém no trabalho se aventurava em alguma situação mais arriscada, ouvia logo: "Olha o esquife", era o aviso que estava em perigo e podia morrer, e nas brincadeiras nas tabernas, quando havia desentendimentos e algum ameaçava: "Vê lá se queres que vá buscar o esquife", havia logo entendimento, porque, podia vir tudo, menos o esquife, todos sabiam que era nele que faziam a última viagem, até Santo António.
Quando os defunto começaram a ser sepultados no cemitério de Capelins, fora do amparo do teto da Igreja de Santo António, o esquife continuou a ser usado, ainda não eram conhecidos os caixões por aqui e a maioria das pessoas não tinham condições económicas para os pagar, só mais tarde, começaram a surgir uns caixões muito fracos construídos pelos carpinteiros da Freguesia, feitos de tábuas finas e alguns forrados com pano negro, encimados por uma grande cruz, feita com fita de cor amarela pregada às tábuas, outros, de pessoas muito pobres, nem esse pano podiam pagar e, eram uma caixa de madeira ao natural, a partir daí, o esquife deixou de ser usado, mas ainda continuou guardado na Sacristia da Igreja de Santo António, durante alguns anos, a atormentar muita gente.
Fim
Texto: Correia Manuel
Retábulo de Santo António




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