quinta-feira, 6 de julho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando jogava ás escondidas

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando jogava ás escondidas 

Em Capelins de Baixo, geralmente a base das brincadeiras situava-se junto à loja do Monte da Figueira, era aí que se juntavam os rapazes de Capelins de Cima, de Capelins de Baixo e dos arredores, sendo por vezes, o grupo constituído por oito a dez rapazes. 

As brincadeiras começavam quase sempre, pelo jogo às escondidas, ao qual chamavam dos escondarêlos e depois quando se cansavam ou zangavam, passavam para outros jogos que não implicassem correria, como o jogo do pião, do berlinde e outros. 

No jogo dos escondarê-los, começavam por escolher o primeiro rapaz a ficar-se e este era escolhido através da lenga lenga: - Um dó li tá, quem está livre, livre está, ou outra semelhante! Assim, ficava um dos rapazes num lugar escolhido, que era o couto ou defeso, com os olhos fechados virado para a parede para não ver para que lado os outros se iam esconder e a contar em vós alta até quarenta ou cinquenta, para dar tempo aos outros a encontrarem o melhor esconderijo, depois dizia alto: - Aí vou eu! E partia a correr à procura dos rapazes escondidos e, quando avistava o primeiro, gritava o nome dele e voltava a correr o mais que podia para o dito lugar, batia com a mão na parede e dizia: - Um, dois três por mim, fica-se o Manel! Mas tinha de chegar primeiro do que o Manel e, só assim ficava salvo de continuar a ficar-se e, também nunca podia chegar depois dos outros, os quais, podiam bater um, dois, três por eles e pelos outros, ou seja, salvar o Manel, mas isso era uma opção que, se acontecesse, ficava-se o mesmo, novamente. 

Como em toda a área do Monte da Figueira os esconderijos já eram todos conhecidos, a rapaziada dava asas à imaginação no sentido de descobrir lugares que não passavam pela cabeça do que se ficava e se as portas das casas dos moradores estivessem abertas, não hesitavam em entrar e a esconderem-se lá dentro, e se as donas andassem no quintal, na loja ou na casa de outras vizinhas, aventuravam-se a meterem-se debaixo das camas, se lá houvesse lugar ao lado dos penicos e da tralha, porque eram todos de família, tias, primas ou parentes.

Num dia de jogo dos escondarêlos, em meados do decénio de 1960, quando chegou a vez do Chiquinho de Capelins ficar de olhos fechados a contar até cinquenta, chegou ao fim da contagem e foi a correr à esquina da loja e a seguir correu em sentido contrário até à esquina do ti Franco, como não havia rapazes à vista seguiu para a parte de trás desse quarteirão e foi ver os lugares habituais, todos os cantos e cantinhos e não achou nenhum rapaz, ficou apreensivo e a pensar que, deviam ter ido para os confins das tapadas do Monte da Figueira, porque, entretanto já tinha pssado as oliveiras e as lenhas a pente fino e nada! Quando estava já decidido a alargar as buscas, ouviu um murmúrio no meio da lenha, parou a escutar e não teve dúvida que estava lá alguém, mas de nada servia se não gritasse o nome daquele que visse primeiro para depois partir em corrida até ao defeso a gritar: - Um, dois, três por mim, antes do outro chegar a tentar fazer o mesmo, pelo que, era preciso dar bem às pernas! O Chiquinho, começou a gritar, já os vi, podem sair daí, mas não saia de lá ninguém, então ele não teve outro remédio senão dar um salto para cima da lenha para poder ver no interior, mas a lenha estava solta e serviu de mola debaixo dos pés e o Chiquinho foi despedido, indo cair em cima da ti Ana Rita que estava lá a pôr o ovo, porque era uma casa de banho desses tempos, muito antes de existir saneamento básico em Capelins. A ti Ana e o Chiquinho ficaram atarantados, mas ele levantou-se num ápice e quis fugir dali, mas não encontrava saída, porque o sinal de que a casa de banho estava ocupada era o fecho da entrada com um feixe de lenha, e a ti Ana ficou virada das avessas e a gritar: - Acudam, acudam, malandros, malandros, mas lá se acalmou quando o Chiquinho muito atrapalhado lhe disse: 

Chiquinho: Cale-se ti Ana, cale-se! Eu não lhe faço mal, ando só a jogar aos escondarelos e caì de cima da lenha, pensava que eram os rapazes que estavam aqui escondidos! 

Ti Ana: Malandros, malandros, nem aqui uma pessoa pode estar descansada com estes malandros! Saltam por cima das paredes, das oliveiras e agora até da lenha! A tua sorte de não ficares sem orelhas é eu estar em meio de fazer o que estou fazendo, mas não te escapas! 

Entretanto, o Chiquinho tanto procurou que achou a porta de saída e a ti Ana não lhe chegou às orelhas, mas ele antes de dar à sola, ainda lhe perguntou: 

Chiquinho: Óh ti Ana, já há muito tempo que está aqui metida no meio da lenha? 

Ti Ana: Ora essa! O que tens tu a ver com isso? Já nem aqui estou descansada, espera lá que eu já te arranco as orelhas! 

Chiquinho: Óh ti Ana, era só para me dizer se os rapazes passaram por aqui? 

Ti Ana: Deixa-me lá acabar de fazer o que estou fazendo, que eu já te respondo e ficas sem as orelhas! 

O Chiquinho viu que a situação não estava nada boa e as orelhas já estavam a ficar em brasa e começou a correr para o lugar do defeso e sentou-se à porta da loja, passou muito tempo, uma infinidade, e não aparecia nenhum rapaz e para bem dele nem a ti Ana se lembrou mais dele, até que, passada mais de meia hora, lá viu umas cabecinhas a espreitar ás duas esquinas, mas fingiu que não os via, até que os rapazes pensaram que alguma coisa de mal tinha acontecido e apareceram zangados, a bracejar e a perguntar o que se passava, e porque não os tinha ido procurar?  

O Chiquinho contou-lhe o que se tinha passado com a ti Ana Rita e eles começaram a rir tanto, que alguns rebolaram-se no chão, mas ele disse-lhe que ela estava muito zangada com eles e podia aparecer a qualquer momento e o que fosse apanhado ficava sem orelhas! Alguns mais fanfarrões responderam: - Em mim, não põe ela a mão, dou um salto que lhe pulo por cima e estavam muito entusiasmados, cada um a dizer como fazia se ela ali aparecesse e quando olharam para baixo estava ela com as mãos nas ancas em posição de desafio e os rapazes ficaram tão desorientados que uns fugiram para o lado do Monte da Figueira e outros pela vereda que dava ao Ribeiro da Aldeia, onde chegaram em meia dúzia de saltos, com o coração na boca, e a ti Ana lá ficou. 

O jogo dos escondarêlos no Monte da Figueira a partir desse dia e durante alguns meses, ficou parado, com medo da ti Ana, mas passado algum tempo, viram que ela já não lhe ligava e voltaram a jogar aos escondarêlos no Monte da Figueira, combinado que, nenhum rapaz se escondia na casa de banho da ti Ana.

Fim

Texto: Correia Manuel 


Aldeia de Ferreira - Capelins de Baixo




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