sexta-feira, 14 de julho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando mergulhou na Ribeira de Lucefécit

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando mergulhou na Ribeira de Lucefécit 

Os horizontes do Chiquinho de Capelins eram limitados à Aldeia de Ferreira, ora estava em Capelins de Cima, ora em Capelins de Baixo. por isso, qualquer saída desta esfera era uma grande alegria, nem que fosse só às imediações da Aldeia, o desejo era fazer novas descobertas, pelo que, ao acompanhar a mãe que ia fazer a lavagem da roupa da casa à Ribeira de Lucefécit, fosse ao lavadouro das Neves ou, ao das Águas Frias de baixo, era um dia diferente dos outros, apenas custava levantar-se cedo, mas compensava, ia vêr os pegos com muita água, cardumes de pequenos peixes, galinhas de água a esvoaçar sobre a água, grandes pássaros, desde águias, peneireiros, cegonhas e outros, a pairar lá nas alturas por cima da sua cabeça, passava um dia maravilhoso fora da Aldeia. 

Quando o Chiquinho sabia que no dia seguinte ia com a mãe à Ribeira, apregoava pela Aldeia inteira, para fazer inveja aos outros rapazes da sua idade e os mais velhos diziam-lhe: - É Chiquinho, amanhã vais à Ribeira? Então não te esqueças de dar lá uns mergulhos por mim! E o Chiquinho todo vaidoso respondia que não se esquecia e daria os mergulhos encomendados no pégo mais fundo e quando partia para a Ribeira já ia carregado de encomendas de mergulhos para uns e outros! 

Num dia da lavagem da roupa, logo de madrugada, o pai do Chiquinho foi levá-los na carroça ao lavadouro do Porto das Águas Frias de baixo, muito cedo, para a mãe apanhar um lugar no dito lavadouro, e porque, tinha de voltar à Aldeia, depois voltava a buscá-los à tardinha! Como sempre, também foi uma das vizinhas para fazer companhia e para ela e a mãe darem ajuda uma à outra a torcer e a dobrar a roupa mais pesada, como mantas ou cobertores. 

Nesse tempo o caminho de ligação das Aldeias de Ferreira e do Rosário, com acesso à Ribeira, era empedrado, pelo que, fazia trepidar as carroças de tal maneira que dava sono a qualquer carroceiro, por isso, o Chiquinho nem deu pela viagem, quando acordou já estava na margem esquerda da Ribeira em terras das Águas Frias, a mãe fez-lhe uma cama improvisada, um saco de serapilheira no chão, onde ele se deitou, mas já não dormiu, porque não demorou em surgir o sol no horizonte, levantou-se e por ali andou em observações fazendo contas de cabeça, a pensar onde devia mergulhar para satisfazer as encomendas que trazia e fazer alguns mergulhos para ele, daí a pouco a investigação deu-lhe fome e a mãe teve de suspender a lavagem para lhe dar o almoço (pequeno almoço), quando estava a comer sentado na cama, ou seja, no dito saco, viu duas cegonhas muito grandes a voar próximas do chão, ficou curioso, porque na Aldeia só as via muito altas, pareciam muito pequeninas, então já de barriga cheia, foi descendo a Ribeira na direção onde as viu aterrar e não foi preciso andar muito para ver o ninho no cimo de um pequeno zambujeiro disposto no ribeiro que delimita a herdade de Santa Luzia das Águas Frias, mesmo em frente do Moinho Velho, com dois ou três cegonhitos já quase do tamanho dos pais, o Chiquinho ficou abismado com o que via na frente dos seus olhos e depois de os observar meteu na cabeça que tinha de obrigar os cegonhitos a voar, porque já estavam muito grandes, e foi procurar uma vara para lhe chegar e os empurrar, mas os pais cegonhos, assim que o viram a tentar meter os filhos fora de casa, não gostaram e começaram a fazer voos rasantes passando a poucos centímetros da cabeça, que lhe pregaram grande susto, acabando por desistir da sua intentona e deixou a família das cegonhas em paz. 

O Chiquinho andou muito tempo naquela barafunda e, quando chegou levou uma desanda da mãe, que estava em cuidado não se tivesse ele perdido pelos matos de Santa Luzia e, já estava preparada para ir procurá-lo e ele repetia que estava mesmo ali ao pé dela.

Depois de tudo serenado, o Chiquinho lembrou-se das encomendas dos mergulhos e achou que estava na hora de começar, uma vez que, eram muitas e não queria falhar, então pediu à mãe se podia ir banhar, e a mãe respondeu que sim, mas demarcou a respetiva zona do banho, a fronteira máxima seria a pouco mais de dois metros do lugar onde ela estava a lavar e aí a água já dava pelos joelhos do Chiquinho.

Quando o Chiquinho entrou na água ficou arrepiado com frio e reclamou que a água estava muito fria, mas por ali andou e foi-se ambientando, até que, achou ser melhor começar a tratar das encomendas dos mergulhos, como nunca tinha mergulhado não conhecia bem as regras, mas sabia que, debaixo de água só os peixes podiam respirar, por isso, como não era peixe, tinha de suspender a respiração depois mergulhava e só voltava a respirar quando voltasse à tona da água, mas os ensaios não lhe saiam bem, atirava-se de barriga, mas não conseguia meter a cabeça debaixo de água, assim, não contava como sendo mergulho, por isso, decidiu mudar a técnica e recuou até onde a água lhe dava pouco acima dos joelhos, atirou-se de cabeça para baixo e lá foi dois palmos abaixo da água, mas quando se quis levantar não conseguia, a cabeça não vinha acima, quanto mais esforço fazia menos conseguia, e começou logo a entrar água da Ribeira pela boca, pelo nariz, pelos ouvidos, por todos os buracos, mas como já chegava com as mãos ao fundo foi indo de gatas até não haver mais água, mas já com a barriga e os tubos todos cheios de água, parecia um peixe sapo, tal era a barrigada de água, ele bem gritava por ajuda, mas a mãe como o via todo fora de água, pensou que era brincadeira e foi por pouco que o Chiquinho não se afogou num palmo de água. 

O Chiquinho apanhou grande susto, já não aviou mais encomendas, os mergulhos ficaram por ali, foi deitar-se na cama feita com o saco de serapilheira, deitou alguma água fora e adormeceu, quando acordou já estava um pouco melhor, lá comeu alguma coisa e já pouco se movimentou até o pai chegar à tardinha, quando chegaram a casa, não demoraram em comer e ele foi a correr para a cama, dormiu bem, e no dia seguinte acordou bem disposto e foi comunicar pela Aldeia que tinha dado os mergulhos encomendados, mas não contou a ninguém que tinha enchido a barriguinha de água da Ribeira do Lucefécit.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Lugar do caso, atualmente Albufeira  





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