quinta-feira, 13 de julho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando deixou secar os tomateiros

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando deixou secar os tomateiros 

Nos alvores da década de 1960, a vida económica e social das famílias de Capelins, já era diferente, para melhor, em relação ás décadas anteriores, sendo cada vez menos os rapazes que tinham de ir guardar gado, mal acabavam de fazer o exame da quarta classe, também, devido à migração em massa para os centros urbanos e, ao surgimento de empregos mais bem remunerados, como era o caso do trabalho nas pedreiras de mármores. 

A vida do Chiquinho de Capelins, não era muito atribulada, mas tinha de ajudar em casa,  quanto mais não fosse, a tratar de duas cabras, porcos, galinhas, piricos, coelhos, cães e gatos, quando, após ter feito a quarta classe voltou à escola, esses encargos foram reduzidos, porque tinha de estudar, mas à parte disso, foi sempre perdido por brincadeiras e fazia tudo, para poder estar em todo o lado, fosse em Capelins de Cima, em Capelins de Baixo, ou a meio caminho, estudava todas as artimanhas para se escapar ás tarefas que lhe tirassem o precioso tempo e, quando lhe acrescentavam algum trabalho extra ficava zangado e revoltado, dizendo que, era ele a fazer tudo naquela casa. 

Quando andava na escola, enquanto duravam as aulas, pouco mais fazia do que tratar das cabras, ia prendê-las na pastagem de manhã em caminho para a escola e ia buscá-las à tardinha, depois metia-as na cabana e, no tempo que produziam leite tinha de as ordenhar e algumas vezes fazia os queijos, logo, todo esse trabalho, tirava-lhe muito tempo, que ele tanto precisava para o seu laser. 

Nas férias escolares de verão, surgiam outras tarefas, tinha de fazer mandados aqui e ali, e à tardinha tratava da horta, tinha de regar os tomateiros, as cebolas e uma ou duas árvores, era um trabalho que não via com bons olhos, porque, tinha de ser feito diariamente, fosse sábado, domingo ou feriado, na melhor hora de brincar, pela fresca, e na hora de dar umas voltas a ver as modas na Aldeia de Ferreira, pelo que, o Chiquinho começou a dar voltas à cabeça para encontrar uma maneira de fazer a rega da horta em poucos minutos, em vez de mais da meia hora que levava, mas pensava, pensava e não encontrava a solução, ainda se tivesse uma bomba de tirar a água era mais rápido do que a balde, pensava ele! Mas não tinha! 

Depois de muito pensar em várias hipóteses, lembrou-se que, quando o pai o tinha ensinado a regar os tomateiros, disse-lhe que, tinha de deitar a água no início do rego e só parava de deitar água nesse rego e nesse sítio, quando ele estivesse cheio até acima, só depois passava para o seguinte, e sempre assim até ao fim da rega, nesse caso, se era só encher o rego de água, bastava deitar um balde no fim do rego, outro ao meio e outro no início e o rego ficava cheio com apenas três baldes, em vez dos oito que tirava do poço! 

O Chiquinho foi buscar uma folha de papel e uma caneta e com ajuda matemática, começou a delinear um projeto de engenharia hidráulica, como reduzia cinco baldes de água em cada rego e eram seis regos de tomateiros, logo reduzia trinta baldes aos quarenta e oito, pelo que, feitas bem as contas, tinha de tirar do poço apenas dezoito baldes e, em termos de tempo reduzia os trinta minutos para apenas doze, com mais dois ou três baldes para as cebolas e árvores, levava no máximo quinze minutos, poupava tempo, poupava água e ficava tudo bem regado, ora ali estava um bom projeto de engenharia, pensou o Chiquinho e avançou logo com a sua implementação, o qual, deu bons resultados nos primeiros dias, porque, por sorte, esteve menos calor e como ele não percebia nada de hortas, não se apercebeu que, os tomateiros estavam a ficar em agonia, a murchar, até que, um dia o pai foi à água lá ao poço e quando viu aquela desgraça ficou muito zangado, assim que chegou a casa chamou o Chiquinho a contas e perguntou-lhe, porque tinha deixado de regar os tomateiros? Ele ficou muito surpreendido e jurou a pés juntos que todos os dias eram regados, mas essa afirmação não batia certa e o interrogatório continuou e, ele tentou convencer o pai que, decerto era uma doença que andava ali pelas hortas todas, mas a inspeção tinha sido bem feita e, sem dúvida que os tomateiros acusavam falta de água, a terra estava tão ressequida que havia indícios que não avistavam água havia mais de oito dias, pelo que, o Chiquinho foi obrigado a divulgar o seu projeto de rega que, afinal tinha falido, assim, com o crime provado, foi-lhe decretada a aplicação de uns pares de orelhadas, para não voltar a reincidir e, continuar a fazer bem a rega dos tomateiros. 

O Chiquinho ficou muito zangado com os tomateiros por o terem tramado, achava que não tinham nada que secar, porque, ele enchia-lhe os regos de água e não podia adivinhar que era pouca, assim, ainda nesse dia, começou a regar conforme as regras ditadas pelo pai, mas já era tarde, ainda amadureceram alguns tomates, mas foi grande prejuízo para a casa, o qual, foi compensado no ano seguinte, porque, o Chiquinho regou muito bem os tomateiros, desde o início até ao fim do verão. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Tomateiros do Chiquinho de Capelins 




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