Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi picado pelas vespas
Numa manhã de um dia de verão nos meados da década de 1960, o Chiquinho de Capelins brincava, sentado no chão, com um carrinho feito de uma lata das conservas das sardinhas com umas mulas feitas de cortiça, que puxavam a sua suposta carroça para carregar com terra e pedras de um lado para outro, quando ouviu alguns zumbidos em volta das orelhas, abanou a cabeça para afastar os inconvenientes insetos e continuou a brincar, mas de vez em quando, os ditos insetos faziam uns voos rasantes à cabeça que o assustavam, até que, levantou os olhos para o beiral do telhado da cabana do macho e viu um grande vespereiro, levantou-se do chão e foi a correr chamar a mãe para lhe mostrar o que tinha achado.
A mãe do Chiquinho andava a tratar da casa e respondeu-lhe que não tinha vagar para ir ver fosse o que fosse, mas perante a sua insistência dizendo que estava ali um enxame, lá foi com ele e, ao ver um vespereiro tão grande, disse-lhe que não se aproximasse mais dali, porque as vespas eram tantas que o mais certo era ser picado e podia ser um caso sério, se fosse alérgico até podia morrer e que ela na madrugada seguinte logo tratava delas, porque tinha de ser muito cedo quando elas ainda estavam frias devido à baixa temperatura da noite e não tinham força para espetar o ferrão na gente e mesmo assim, o melhor era deitar-lhe uma panela de água a ferver por cima, mas para isso, tinha de empinar ali uma escada, assim o melhor era derrubar o vespereiro com o esborralhador do forno de cozer o pão, um pau comprido, e depois de o apanhar no chão, despejar-lhe a água a ferver em cima e acabavam-se ali as vespas, pelo menos naquele vespereiro.
O Chiquinho pegou no carrinho de lata e afastou-se daquele sítio e a mãe entrou para casa para continuar a fazer o que antes estava fazendo e ele foi brincar debixo de uma oliveira que estava no meio do quintal, mas sempre a pensar no vespereiro, na maneira de se adiantar à mãe, ou seja, na forma de o derrubar do beiral sem ser ferrado pelas vespas, calculou quantos quilómetros corria à hora e achou que, corria mais do que as vespas voavam, por isso, podia derrubá-lo com o esborralhador e fugir, que as vespas nunca o apanhavam, e se bem o pensou, melhor o fez, deixou a brincadeira, espreitou a mãe e foi calcular a distância entre o esborralhador e o vespereiro para o derrubar e dar à sola, depois de tudo bem planeado e bem medido foi buscar o esborralhador e, pé ante pé, foi-se aproximando do alvo, onde já tinha os olhos postos e bem abertos para no caso de ver algum movimento suspeito estar à defesa, mas parece que, as maganas das vespas também já estavam com o olho nele, porque ainda estava distante e sofreu um ataque inesperado, nem se apercebeu de onde elas apareceram, começou a ouvir muitos zumbidos em volta e, nem teve tempo para se defender, começou logo a ser picado em todo o lado, em volta dos olhos, nos sobrolhos na testa, nas mãos e por aí, atirou com o pau e correu desorientado pela tapada abaixo, até esbarrar na parede lá ao fundo onde foi obrigado a parar a corrida, foi então que teve a certeza que estava todo picado, com imensas dores, começou a chorar alto para a mãe ouvir e acudir-lhe e a mãe, ouviu aquele berreiro e apareceu logo a perguntar-lhe o que tinha acontecido, mas não foi preciso ele responder, porque a mãe viu o esborralhador no chão por baixo do vespereiro e comentou: - Ah malandro, então tu foste espicaçar as vespas a uma hora destas? Agora, tens aí o resultado, anda cá, temos de pôr aí terra molhada senão vais inchar todo!
O Chiquinho pulava, estrebuchava e chorava baba e ranho, e não se aproximava lá para os lados do vespereiro, a mãe disse-lhe para fazer xixi para cima da terra para ficar molhada, porque era muito melhor do que se fosse molhada com água e, depois começou a pôr-lhe compressas de terra em cima das picadas, mas foi um processo muito doloroso, porque ele não a deixava tocar nos sítios das picadas e, só passadas algumas horas começou a aliviar, ainda inchou um pouco em volta dos olhos, mas graças à mezinha da terra molhada com xixi, durante o dia foi melhorando e à noite estava capaz de outra capeia às vespas.
O Chiquinho ficou com medo de vespas, mas nunca desistiu de as provocar nas horas que elas tinham pouca força para espetar o ferrão, ou seja, de manhãzinha e mesmo assim, ainda foi picado mais algumas vezes, mas sabia a mezinha a aplicar na picada e, quando isso acontecia tratava-se a ele próprio.
Fim
Texto: Correia Manuel
Lugar da contenda com as vespas
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