quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando caiu da bicicleta no ribeiro ao poço da estrada

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando caiu da bicicleta no ribeiro ao poço da estrada 

Nos meados dos anos de 1960, o Chiquinho de Capelins começou a andar de bicicleta, não era numa bicicleta para crianças, nem existia nenhuma na Aldeia de Ferreira, era na do pai, muito grande e pesada, porque tinha o quadro em ferro e as rodas eram número 28, e como ele era, fisicamente pequenino, era muito difícil de chegar do selim aos pedais, por isso, ao aprender e nos primeiros tempos, tinha de meter uma perna por dentro do quadro para poder pedalar e, numa posição incómoda percorria muitos quilómetros pela Aldeia e arredores, mesmo sem se poder sentar no selim nunca se cansava, dava muitos trompaços, até partiu um braço, mas depois de melhorar continuou a pedalar. 

Um dia, a mãe do Chiquinho foi tratar de uns assuntos à Vila do Alandroal e encontrou lá umas pessoas com origem de Capelins, onde, ainda residiam alguns familiares, no Monte da Talaveirinha e pediram-lhe para dar um recado ao vizinho Zé, que todos os dias lá passava, para dizer lá no dito Monte, que eles não podiam ir visitá-los no Domingo conforme estava combinado, mas iam no Domingo seguinte, assim, até a galinha a sacrificar ganhava mais oito dias de vida. 

Como o vizinho Zé, chegava a casa já de noite e abalava de madrugada, a mãe do Chiquinho achou por bem não ir bater à porta do homem, no dia seguinte, quando estavam a almoçar (pequeno almoço) disse-lhe que, tinha de ir dar um recado, mas era longe, por isso, tinha de ir de bicicleta e começou com o sermão habitual, para ir devagar, porque podia cair e ficar mal e mais isto e mais aquilo e o Chiquinho escutava e respondia: - Está bem! Está bem! A mãe continuava a dizer-lhe para ir pela estrada das oliveiras a que passava acima do poço da bomba, pelo chaparral, na herdade da defesa da casa Dias, porque era o melhor caminho e ele respondia: - Está bem! 

O Chiquinho ficou entusiasmado com a volta que ia dar e comeu à pressa, tomou conta do recado, repetiu algumas vezes para não se enganar, montou na bicicleta, desceu a rua de Capelins de Cima, mas ao contrário do que a mãe lhe disse, virou para Capelins de Baixo, porque tinha de ir saber as novidades do dia e, se pudesse, ainda brincava um bocado, porque depressa ia ao Monte da Talaveirinha a dar o recado, e teve sorte, quando chegou estava um grupo de rapazes a organizar o jogo dos escondarêlos, arrumou a bicicleta ao lado da loja do Monte da Figueira e juntou-se a eles e, quando se lembrou do recado já tinha passado mais de uma hora, correu para a bicicleta, saltou-lhe para cima e começou a descer a chapada do Monte da Figueira e, como já estava atrasado quase voava em velocidade descontrolada, conseguiu contornar o poço da estrada e, logo a seguir o caminho atravessava o ribeiro, onde fazia um desnível e afundava, a bicicleta entrou no barranco, mas não saiu a rodar, esbarrou na barreira em frente e mandou o Chiquinho ao chão. 

O Chiquinho ficou atarantado, mas foi-se levantando devagar, confirmando que não tinha nenhum osso partido, mas começou a sentir uma massa pegajosa nas mãos, com mais abundância na mão e no braço direito, no qual, com o impacto da queda, entrou-lhe aquela massa pela manga da camisola até ao cotovelo, pensou que, era apenas lama, levantou a bicicleta e afastou-se para junto da erva e da água para limpar e lavar a suposta lama, mas começou a sentir um cheiro nauseabundo e quando teve a certeza o que era, ficou desolado, estava cheio de cocó de porco, porque era naquele lugar que algumas mulheres de Capelins de Baixo iam lavar as tripas dos porcos no dia das matanças, começou a pensar como se podia livrar daquilo e, principalmente do mau cheiro e decidiu lavar-se no ribeiro, mas quanto mais se lavava, mais mal cheirava, limpou tudo, até no peito, mas teve de despir a blusa, lavou-a e limpou tudo o melhor que podia, mas como estava atrasado, teve de continuar, porque já era tarde, depois com a deslocação da bicicleta na descida do malhão a blusa foi secando, mas o mau cheiro a cocó sêco era cada vez mais e o Chiquinho quando chegou ao Monte da Talaveirinha chamou as pessoas, mas teve de manter alguma distância, enquanto deu o recado e, quando o chamaram para lhe darem alguma melhadura, talvez algum queijo de ovelha ou umas passas de figos ou amêndoas, respondeu que não tinha vagar nenhum, despediu-se à pressa, montou na bicicleta e voltou para a Aldeia de Ferreira pelo caminho que a mãe lhe tinha recomendado e, quando chegou a casa, por sorte a mãe não estava, foi a correr lavar-se com sabonete lux e esfregou, esfregou, quase gastou um sabonete e o mau cheiro disfarçou, mas estava metido no nariz e ficou entranhado nas mãos durante algum tempo, por isso, essa aterragem forçada da bicicleta no ribeiro ao poço da estrada, ficou na memória do Chiquinho para a sua vida.

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Junto ao poço da estrada, em Capelins 




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