domingo, 20 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando andou perdido na serra da sina

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando andou perdido na serra da sina 

O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro de profissão, ou seja, trabalhava na agricultura, por conta própria, tinha um macho, uma carroça e todos os apetrechos necessários para tratar das suas courelas, das arrendadas e das que semeava ao quarto, neste caso, ficava com três partes dos cereais que colhia e o dono da courela ficava com uma parte, verificando-se esta situação, na herdade do Terraço da Casa Camões, onde todos os anos semeava uma courela de trigo e outra de aveia. 

Quando chegava o mês de Fevereiro, começava a monda das searas de trigo, as mulheres andavam numa posição incómoda, com a coluna dobrada, durante oito horas, seguiam por dois ou três regos e à mão ou com um sacho iam arrancando as ervas daninhas que faziam mal ao desenvolvimento das searas, como o balanco que, se não fosse arrancado eliminava o próprio trigo, reduzindo a produção. 

A mãe do Chiquinho com um rancho de quatro ou cinco mulheres percorriam as suas searas nas diversas courelas, incluindo a da herdade do Terraço, onde andavam numa altura em que o Chiquinho não tinha escola, talvez, nas férias escolares do Carnaval ou da Páscoa, e ele foi com a mãe para a monda, não para mondar, senão partia ou arrancava o trigo todo e ficava lá a erva, era para não ficar sozinho em casa e fazer alguma asneira das dele, a mãe arranjou-lhe um bom lugar abrigado da aragem ainda fria e fez-lhe um camalho com uma manta e um xaile por cima e disse-lhe que se quisesse alguma coisa para a chamar, mas não se podia afastar dali, porque conhecia mal a região do Terraço e podia perder-se. 

O Chiquinho disse que sim e ficou por ali, mas passado pouco tempo já estava aborrecido, não tinha brinquedos, não tinha livros nem cadernos para se entreter, começou a olhar a paisagem em seu redor na esperança de ver por ali algum rapaz ou rapariga para brincar, mas não avistava ninguém, ouvia o alarido da rapaziada na Aldeia, mas não podia ir lá ter, porque os seus domínios não abrangiam aquela área, então, como estava um dia lindo de sol, lembrou-se que podia ir aos cogumelos (chamavam-lhe tubarões) ali perto, onde já tinha ido uma vez com o primo, quando ele o ensinou como se achavam debaixo da terra, era só ir a um sítio soalheiro ali no canto da Igreja, olhar com os olhos bem abertos para a terra, e onde estivesse gretada, quase decerto lá estava algum cogumelo, era só levantar a terra por cima com um pau que tivesse um bico e, depois com cuidado tirar a terra em redor, meter o pau por baixo e saltava de lá um cogumelo e, pensou que, quando voltasse, trazia o chapéu cheio para fazerem fritos com ovos para a ceia (jantar) e como a mãe andava longe dali com a cabeça metida dentro da seara de trigo, nem daria pela sua ausência e o Chiquinho deu asas ao seu plano, até já lhe cheirava a cogumelos fritos com ovos. 

O Chiquinho percorreu o canto da Igreja e encontrou dois ou três cogumelos, um maior e dois mais pequenos, foi o suficiente para ficar entusiasmado e seguiu em frente, entrando numa área desconhecida e ficou desorientado, já não sabia se seguia para Norte ou para Sul, como era muito pequeno, não tinha visibilidade, em altura, de um ponto que lhe permitisse orientar-se, e começou a ficar assustado e mais assustado ficou quando, quase debaixo dos seus pés saltou uma raposa muito vaidosa, que o obrigou  a dar um grito de aflição e, já não procurou mais cogumelos, foi andando na direção da Aldeia de Cabeça de Carneiro, pensando que estava a caminhar no sentido da Aldeia de Ferreira, mas quando ia passando em frente ao Monte do ti Zé Agostinho, apareceram-lhe os cães dele a ladrar e, ele alterou o percurso, virou à direita e meteu-se na serra da sina, por lá andou algum tempo, para trás e para a frente e, quando encontrou um caminho, lembrou-se que devia ir dar a algum Monte ou Aldeia e meteu-se por ele, como esse caminho ia dar à Igreja de Santo António, quando, por baixo das azinheiras, avistou o casario branquinho respirou de alivio, e deu uma corrida naquela direção, quando estava a passar pela Igreja, vinha a mãe ali chegando a procurá-lo e a chamá-lo em voz alta, e ele respondeu-lhe: - Diga! Estou aqui! 

A mãe do Chiquinho perguntou-lhe o que andava fazendo ali há tanto tempo? É que o ti Miguel disse-lhe que o tinha visto ao pé da Igreja havia muitas horas! Não era ele, mas assim, o Chiquinho safou-se, e respondeu que tinha ido aos cogumelos e mostrou-lhe os que levava dentro do chapéu, e adiantou que, como não tinha relógio, não sabia que horas eram e ficou ali pela Igreja, não disse uma palavra sobre ter andado perdido na serra da Sina, mas não se livrou de um sermão da mãe, e foi por pouco, que não levou um puxão de orelhas. 

Passados alguns anos, o Chiquinho fez várias vezes o reconhecimento daquele percurso e, não queria acreditar que se tinha perdido na serra da sina. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Serra da Sina em Capelins 



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