domingo, 6 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi colher figos da índia

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi colher figos da índia 

No auge do decénio de 1960, um dos lugares de encontro dos homens que já não podiam trabalhar e dos que ainda não podiam trabalhar, para pôr a conversa em dia e dar fé do que por ali se passava, era à porta do lagar da Casa Dias em Capelins de Cima, era um bom lugar durante quase todo o ano, mas, principalmente nos meses de verão até ao meio dia, era um sítio onde passava e parava muita gente que trazia e levava as novidades, muito arejado e fresquinho devido à boa sombra das paredes do dito lagar e o desnível que fazia na entrada servia de banco para assento de alguns dos habituais fregueses e de outros passantes. 

O Chiquinho de Capelins era um deles e, embora estivesse sempre a levar no nariz dos mais velhos, porque devido à sua idade não se devia meter nas conversas dos homens, mas estava sempre a meter a colher e a dar a sua opinião sobre os diversos assuntos em discussão e, ninguém o fazia calar. 

Numa dessas manhãs estava um grupo de homens e rapazes no dito lugar e chegou o ti Zé Rocha com um balde cheio de figos da índia, pousou o balde no chão e começaram a conversar sobre as figueiras e figos da índia, os seus benefícios para a saúde, como tinham aparecido ali por Capelins e, contaram algumas peripécias sobre o que tinha acontecido a alguns rapazes que se tinham enchido dos seus finos picos desde a cabeça até aos pés e o sofrimento por que passaram e quando o ti Zé ia embora o Chiquinho, entusiasmado com a conversa sobre os benefícios desses figos para a saúde, pediu-lhe um, porque ainda nunca tinha provado tal coisa. 

O ti Zé respondeu-lhe que não se importava de lhe dar alguns, mas como ainda estavam em bruto, como os tinha colhido da figueira, estavam cobertos de picos, quase invisíveis, sendo um grande perigo para ele, então, quando os passasse pelas labaredas do lume para queimar os picos, logo lhe dava alguns e disse-lhe para depois os ir lá buscar à casa dele, e o Chiquinho concordou. 

Os figos da índia, do ti Zé, estavam muito apetitosos, avermelhados e bem maduros, já não saíram da cabeça do Chiquinho e quando foi para casa lembrou-se que a pouco mais de cem metros, havia várias figueiras da índia com muitos figos já maduros, semelhantes aos do ti Zé, assim, só tinha de arranjar uma maneira de os colher sem ser picado e depois de muito pensar achou que bastava um pau com uma forca à ponta para encaixar os figos e depois era só torcer para partir o pé e metê-los num balde para os passar pelas labaredas do lume e queimar os picos, tudo muito fácil e sem se picar. 

Ainda nesse dia à meia tarde o Chiquinho foi ao monte da lenha arranjar o pau com a forca e, depois de dar voltas e mais voltas aos ramalhos de lenha, encontrou o que procurava e dirigiu-se a uma das figueiras da índia, começou a tentar fazer a colheita, tentou colher os figos maiores e mais bonitos, mas esses não encaixavam na forca e passou para os mais finos  que ficavam largos e ao torcer o pé, rodavam e não desligavam da figueira ou caiam pelo meio da mesma, estava a ser muito difícil e nem podia dar mais um passo em frente, porque bastava encostar-se a uma folha da figueira para ficar cheio de picos. 

Depois de andar próximo da figueira, muito entusiasmado, nem se apercebia que se encostava à mesma e conseguiu colher alguns figos, mas não demorou a sentir picadas finas por todo o lado, cada vez mais agressivas, até que teve de desistir da colheita e foi a correr a passar água no sítio das picadas e ficou mais aliviado, mas por pouco tempo, como já sentia picadas desde a cabeça aos pés, pareciam picar as entranhas, foi dizer à mãe que sentia picadas por todo o lado e foi obrigado a contar o que tinha andado a fazer, como a mãe não ligava muito, aflito, começou  a chorar e ela disse-lhe que ia perguntar à vizinha Lúcia qual era a melhor mezinha para tirar os picos da figueira da índia e abalou, mas como se demorava, nunca mais vinha, o Chiquinho na esperança de ela lá o ouvir e apressar-se, começou a chorar alto, num grande pranto, fazendo sair a vizinhança à rua a saber o que tinha acontecido, entretanto apareceu a mãe e contou às vizinhas o que se passava, mas que já sabia a mezinha para o tratar e depressa melhorava. 

A mãe do Chiquinho foi buscar uma tigela com um pouco de azeite e um paninho branco e mando-o sentar numa cadeira com assento de buínho na sua frente e disse-lhe: - Vá diz lá onde são as picadas para eu passar este paninho com azeite, depois os picos amolecem e eu passo, novamente o pano e eles saem agarrados, foi assim que a vizinha Lúcia me disse para fazer! 

Depois da mãe do Chiquinho passar imenso tempo fazendo aquele tratamento, com ele coberto de azeite, as dores das picadas começaram a aliviar e, raramente sentia alguma picada, quando chegou a noite, embora emanando um bom perfume de azeite, já estava curado, mas aquelas picadas tão finas, nunca mais lhe saíram da memória e, a partir desse dia, nunca mais se aproximou muito de uma figueira da índia. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Figueira da índia em Capelins 





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