domingo, 13 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi em romaria a Nossa Senhora da Boa Nova

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi em romaria a Nossa Senhora da Boa Nova 

Em meados do decénio de 1960, com a guerra no ultramar em progressão, os rapazes ao chegarem à volta dos vinte anos de idade, eram mobilizados e partiam para as colónias, deixando as famílias ansiosas, porque podiam perder lá a vida, ou passados dois anos voltar com mazelas da guerra, mas como tinham muita fé nas diversas Santidades, entregavam os seus filhos, netos, sobrinhos e amigos à sua guarda, fazendo promessas de doações de bens, orações, velas e outros sacrifícios, em troca da sua proteção e, quando os rapazes voltavam da guerra sãos e salvos, eles e as famílias, dirigiam-se às Igrejas ou aos Santuários dos respetivos patronos, a acertar as contas, ou seja, a pagar o que tinham prometido, as graças que tinham recebido, acontecendo o mesmo, contra todos os males que atingissem a vida quotidiana das famílias, incluindo a proteção das searas e dos animais. 

Nesta região, do Concelho do Alandroal, a Santidade a que mais recorriam a pedir a sua proteção, além dos oragos das suas localidades, era Nossa Senhora da Boa Nova, cujo Santuário fica junto à Vila Medieval de Terena, a qual, todos os crentes diziam, que não desamparava nenhum militar que lhe fosse entregue, por isso, no dia da sua celebração, na Segunda Feira de Pascoela, eram imensos os romeiros que lá se deslocavam a fazer os seus agradecimentos pelas graças recebidas, ou seja, a pagar as suas promessas.  

O Chiquinho de Capelins não tinha promessas a pagar a Nossa Senhora da Boa Nova, nem noção do que isso era, mas num dos anos da referida década, no dito dia, também foi romeiro, porque a família decidiu fazer a romagem à dita Santidade, logo, ele também foi, mas como era dia de escola, esteve em dúvida de ir, mas o pai foi pedir à professora para autorizar a sua ausência, porque a falta na escola tinha de ser justificada. 

Da Aldeia de Ferreira até junto do Monte da Vila Velha de Terena, onde ficavam as carroças, charretes, churriões, cavalos e burros, demoraram cerca de uma hora, por isso, a partida foi entre as oito e as nove horas da manhã, foram por Faleiros, Folhinha, Ribeiro do Alcaide e Vila Velha, estacionaram a carroça num espaço do lado direito do pequeno ribeiro da Vila Velha, junto de familiares e vizinhos, deixaram as comidas do jantar (almoço) bem guardadas em cestas em cima da carroça, tapadas com uma manta, o pai prendeu o macho junto à carroça a comer palha que levou num saco de serapilheira e, depois de tudo arrumado, passaram o dito ribeiro pertinho do Santuário e seguiram, na companhia de muita gente, a pé, até lá acima à Vila de Terena e, ficaram parados logo à entrada à espera da chegada da procissão de Nossa Senhora da Boa Nova que saiu da Igreja Matriz de São Pedro pelas onze horas, para onde tinha sido levada em procissão ao cair da noite anterior com o Padroeiro São Pedro que foi ao seu encontro à cruz que está perto do Santuário. 

Quando a procissão chegou junto deles, com os pendões à frente, logo que houve espaço, entraram nas fileiras, com velas acesas, rezando e cantando conforme as indicações dos os padres e com muita devoção, foram em passo lento até ao Santuário onde chegaram cerca das treze horas, mas a Senhora da Boa Nova só chegou depois e, junto da porta do Santuário, antes de entrar, deram a volta ao andor e, começou a entrar muito devagarinho com a Imagem de Nossa Senhora da Boa Nova virada para os romeiros que rezavam, choravam, agradeciam de mãos postas, pediam graças, cantavam e faziam adeus a Nossa Senhora com lenços brancos, sendo um momento muito emotivo.

Já passava das treze horas, quando os romeiros voltaram à Vila Velha e, as mulheres começaram a estender mantas e lindas toalhas de mesa no chão, em cima das ervinhas, a abrir as cestas das comidas e a colocar, estrategicamente, pratos, travessas, copos, talheres e as boas comidas e bebidas, sentaram-se todos em volta do repasto e, pouco depois toda a gente estava a comer e a beber, regaladamente aquilo que só comiam em dias de festa e a partilhar entre vizinhos e familiares. 

O pic nic, acabou tarde, porque iam comendo devagar e, falando entre todos, por fim, recolheram tudo, e voltaram a guardar na carroça e partiu toda a gente a ver as barracas onde vendiam, marroquinaria, utensílios, doces, brinquedos e outros, subiram e desceram o caminho até perto da cruz várias vezes, e fizeram algumas compras, principalmente de torrão branco (torrão de alicante), não podia faltar, porque tinham de levar para oferecer um bocadinho aos vizinhos e familiares que não puderam ir à Festa, foram ao Bazar ver os animais, cabritos , borregos, leitões, frangos e outros, que lá estavam, vindos do pagamento de promessas, para rifar, compraram alguns bilhetes das rifas e, assim, depressa passou o dia e chegou a hora da partida para a Aldeia de Ferreira, onde chegaram ao pôr do sol, mais ricos, espiritualmente e com muitas novidades para contar aos vizinhos e rapaziada, ficando esta romaria marcada na vida do Chiquinho de Capelins.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




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