domingo, 12 de março de 2023

Memórias do Monte do Pinheiro de Capelins

 Memórias do Monte do Pinheiro de Capelins

Um monte pode ser uma elevação do terreno, mais alto que uma colina e mais baixo do que uma montanha, mas nesta região, assim como, no Alentejo, também é denominado Monte, uma ou mais moradas de casas situados fora de uma povoação.
O Monte do Pinheiro de Capelins, é dos mais antigos da Freguesia de Capelins, talvez da mesma época dos Montes das herdades, ou seja, da centúria de 1300 ou 1400, mas parece-nos que, neste lugar já tinham habitado outros povos, talvez os Celtas, Romanos ou Mouros, não só pelo lugar estratégico de defesa e pelas oliveiras velhas, mas pelo misticismo aqui existente que proporciona paz na alma, sendo terapêutico, por isso, pensamos que, não foi escolhido ao acaso, uma vez que, os povos de antigamente não escolhiam qualquer lugar para um povoado, é certo que, teria de ser perto de cursos de água, de terras férteis e de defesa natural, mas além disso, mediam as forças ou energia da natureza, usando o alinhamento dos astros ou da primeira lua cheia da primavera, tal como não se abria um poço ou furo em qualquer lugar, por isso, existiam os vedores que sentiam vibrações sobre as veias de água ou nascentes, assim, parece-nos que, estamos perante uma situação semelhante, no lugar do Monte do Pinheiro.
A designação de Monte do Pinheiro, não seria a mais apropriada, mas sim, Montes do Pinheiro, mas era assim que chamavam, fosse apenas uma morada de casas, fossem dezenas, neste caso, chegaram a existir mais de uma dezena e meia de moradas de casas, com cabanas, cabanões, e outras construções de apoio, era uma Aldeia, onde moravam muitas dezenas de pessoas que, tinham diversas profissões, jornaleiros, ganadeiros, sapateiros, barbeiros, seareiros e outras, nessa época, tinha tantos moradores como tem, atualmente, a Aldeia de Ferreira, mas hoje está quase deserto.
A sua localização é privilegiada devido às vistas que proporciona, não só das lindas paisagens desta região, mas de imensas localidades, como Terena, Alandroal, Estremoz, Elvas, Évora Monte, Monsaraz, Mourão e outras, como também, algumas no Reino de Espanha, como Alconchel, Cheles, São Bento da Contenda e Olivença, no entanto, devido à sua localização altaneira, nunca teve acessos fáceis, existindo cinco veredas pedonais, todas perigosas na época das chuvas e, por dois caminhos, mas os seus moradores estavam habituados a subir e a descer a qualquer momento e nunca aconteceram quedas graves, sendo usada cada vereda conforme o lugar onde se dirigiam ou de onde vinham, se fossem das bandas do Monte Novo, usavam a respetiva vereda que dava ligação à Portela e à Igreja de Santo António, para o lado do Monte da Cruz, podiam usar o caminho que contornava a horta do Monte Novo, relativamente seguro, ou uma vereda que começava e findava junto ao poço largo, sendo esta das menos perigosas, se fossem ou viessem da escola podiam usar várias veredas, mas a mais próxima era a seguir ao poço do chorão para sul, à direira, muito íngreme que, não era para toda a gente, perigosa de subir e de descer, mas o principal acesso pedonal era a vereda complementar das 23 escadinhas que existem em frente da Rua principal da Aldeia de Capelins de Baixo, construídas cerca do ano de 1949, quando escavaram o terreno da estrada para Montejuntos, criando uma grande barreira do lado da chapada do Pinheiro, pelo que, foram obrigados a construir as ditas escadinhas, porque antes a colina ia morrer a alguns metros mais distante de onde partia a dita vereda, assim, era por esta vereda que os moradores do Monte do Pinheiro subiam e desciam a toda a hora, fosse na ida e vinda do trabalho, às compras nas mercearias da Aldeia e para quase tudo o que precisavam, não sendo fácil no inverno com a água a correr debaixo dos pés, alguns homens com grão na asa, subindo com as cargas de mantimentos pela vereda acima, mas era o caminho mais próximo e, poucas pessoas tinham disposição para contornar toda a colina e subir pelo caminho sul, de entre todos, o mais acessível, por aqui subiam e desciam as carroças dos moradores e as que transportavam lenhas e tudo o que fosse necessário, de mais peso para o Monte do Pinheiro.
O abastecimento de água era outro martírio, porque, sendo difícil carregar água para as casas a braço, mais difícil era no tempo da seca, quando tinham de carregar água de grandes distâncias, como do poço da bomba e, ao aproximarem-se de casa ainda tinham de subir a chapada com os cântaros cheios de água.
Ainda existia outra vereda na direção do Monte das Serranas, usada, no caso da deslocação ser para aquelas bandas ou para Montejuntos, porque, o objetivo era encurtar a distância para o lugar do trabalho ou onde tinham de se deslocar, por isso, os moradores do Monte do Pinheiro, pagavam bem, o privilégio de morar lá no alto com boas vistas.
A maioria das toponímias dos Montes na Freguesia de Santo António de Capelins que, não eram das respetivas herdades, derivaram dos nomes dos seus primeiros moradores, ou daqueles que os mandaram construir, como foi o caso de Faleiros, Serranas, Real, Calados e outros e, talvez o Monte do Pinheiro não seja excepção, mas na verdade, ao contrário dos outros, não encontramos lá moradores com este apelido, na época em que o encontramos pela primeira vez nos Registos Paroquiais de Santo António, em Agosto de 1633, apenas identificamos lá Simão Fernandes, e ninguém com o apelido "Pinheiro", mas isso não garante que não tenha sido um morador com apelido "Pinheiro" a dar-lhe o nome, porque, na centúria de 1700 já encontramos o apelido "Pinheiro" nesta Freguesia, tal como na Freguesia de Santiago Maior e, como sabemos, ao longo da história, eram frequentes as desavenças com os nossos vizinhos de além Guadiana, sendo sempre esta região muito fustigada, com incursões de rapinantes cá e lá e nessas situações os moradores debandavam para outras regiões mais seguras, como Santiago Maior, Terena, ou para maiores distâncias e depois quando havia paz, algumas famílias voltavam, mas outras já não voltavam, é fácil de verificar nos Registos Paroquiais, acabavam por vir outros povoadores, assim, pode ter acontecido essa situação com os moradores do Monte do Pinheiro e, é possível que a família "Pinheiro" encontrada aqui na Freguesia, mais tarde, fossem descendentes dos fundadores do dito Monte, porque aconteceu isso com outras famílias.
Assim, a toponímia, Monte do Pinheiro, nunca foi desvendada, ouvia-se que, talvez existisse aqui um pinheiro, árvore pouco vulgar nesta região, mas essa versão nunca foi confirmada, nem por moradores no dito Monte, cuja linhagem familiar ali residiram desde finais da centúria de 1600, oito gerações, sendo o conhecimento passado de geração em geração.
Uma bisavó nascida no dia 24 de Fevereiro de 1879 no Monte do Pinheiro, nas últimas casas, à direita, antes da descida para a horta do Monte Novo, pertencente às gerações antes referidas, quando estava à soalheira na Aldeia de Capelins de Baixo, na década de 1960, contava muitos contos aos seus bisnetos e, alguns que incluíam o seu passado no Monte do Pinheiro e contava que tinha nascido e sido criada no Monte do Pinheiro, onde os seus ancestrais moraram desde sempre, depois, quando casou, no dia 12 de Outubro de 1902 teve de descer para a Aldeia de Capelins de Baixo, onde, com o marido mandaram construir umas casas, mas gostava mais de morar lá em cima, sentia-se lá melhor, mas não havia lá terra para fazer mais casas e, como outras famílias que lá moraram durante a centúria de 1800, também tiveram de descer à Aldeia, levando-nos a pensar que, se existissem lotes de terreno para construção de mais casas, mesmo com os acessos difíceis, o Monte do Pinheiro tinha passado a Aldeia do Pinheiro.
Além dos contos e outras peripécias, a bisavô contava aos bisnetos que, noutros tempos, nas noites das feiticeiras aparecia lá um medo, atrás das lenhas que pertenciam a algumas casas e, estavam arrumadas ao cimo da chapada, de ambos os lados da vereda ao lado das estriqueiras, e andava toda a gente cheia de medo, então os homens do Monte do Pinheiro juntaram-se e uma noite em que sabiam que ele aparecia, cercaram-no, armados de forquilhas, machados, gadanhas e paus, mas quando estavam perto dele, quase a apanhá-lo, ele saltou por cima deles e correu chapada abaixo na direção da Aldeia, os homens correram atrás até às escadinhas, mas o medo desapareceu pela estrada abaixo e já não o viram, mas no dia seguinte ouviram dizer que um homem se tinha cruzado com ele no alto do malhão que ia numa correria louca, mas nem soube o que era aquilo, porque não lhe pareceu que fosse gente, então, os homens foram aos sítios onde o tinham visto e estavam lá patadas de bode e ficaram sem dúvidas que o medo, era obra do mafarrico, que por ali andava nas noites de feiticeiras, mas o medo apanhou tão grande medo dos homens, que nunca mais foi lá visto e o Monte do Pinheiro ficou livre de medos.
Esta simples narrativa, também tem o objetivo de prestar uma singela homenagem ao Monte do Pinheiro de Capelins e às suas Gentes, no entanto, temos a certeza que, muito fica por escrever.
Fim
Texto: Correia Manuel



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