quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A lenda do papa figos e da malhadinha de Monsaraz

 A lenda do papa figos e da malhadinha de Monsaraz

O ti José Pereira, natural da Freguesia de São Tiago de Monsaraz e residente no Lugar do Ferragudo, junto ao Convento da Orada, na Aldeia do Telheiro, era casado com a ti Vitória Rosa e pai de cinco filhos, nos anos de 1850 era seareiro e todos os dias ía de madrugada no seu carro puxado pela mula russa para as suas courelas onde tinha um cabanão e sempre muito trabalho, a tratar das terras, das searas, dos animais e do arvoredo, oliveiras, figueiras, pereiras e outras. 

Um dia quando o ti Pereira, como era conhecido, andava na sua labuta chegou junto dele um curandeiro de animais, tipo veterinário, que era da Aldeia de Reguengos, o qual, tinha a alcunha de "Bom Dia", e andava de terra em terra, de herdade em herdade, nesta região a tratar animais doentes com as suas mézinhas caseiras, e cumprimentou o ti Pereira: 

Bom dia: Bom dia ti Pereira! Como vai essa saúde? 

Ti Pereira: Bom dia! Bom dia! Vai tudo bem! 

Bom dia: Atão não precisa nada de mim?

Ti Pereira: Não preciso! Tenho os animais todos cheios de saúde! Mas tenho andado a pensar em arranjar um cãozinho, sempre é uma boa companhia e guarda-me aqui os animais! Vê lá se me arranjas um!

Bom dia: Pois olhe, ti Pereira, está com sorte, trago ali três no cesto, qual deles o mais bonito! 

O ti Pereira foi logo ver os cãozinhos e entraram em negociação com o que ele mais gostava e fecharam o negócio  por um litro de grãos e mais um punhadinho, em troca do cão, era tudo lucro para o Bom Dia, já que tinham sido dados e os grãos davam para algumas sopas, ou cozidos. 

Depois do Bom Dia partir à sua vida, o ti Pereira dirigiu-se a uma, das duas cabras que tinha, tirou-lhe uma pinga de leite e, com uma colher e muita paciência foi ensinando o cãozinho a beber o leite, o qual, já estava com fome e facilmente começou a beber, pouco depois, já se encontrava com mais força, a tentar seguir os passos do ti Pereira.

À noite o ti Pereira levou o cãozinho para casa no Ferragudo e quando o mostrou aos filhos deu-lhes uma grande alegria e não demoraram em o batizar, o problema foi que, nenhum concordava com o nome que cada um lhe queria dar e o animal foi crescendo com vários nomes e com muito carinho de todos, que andavam sempre a brincar com ele.

Passados alguns meses, o cão já estava grande e o ti Pereira disse aos filhos que o cão era para guardar o cabanão e os animias lá nas courelas, por isso, a partir do dia seguinte ia ficar lá e a rapaziada podiam ir lá passar o dia e a brincar com ele, os filhos ficaram muito tristes, mas como podiam vê-lo todos os dias e brincar com ele, era um mal menor. 

O ti Pereira levou o cão para o cabanão nas courelas e teve de o prender lá uns tempos para o acostumar ao lugar, senão ia atrás dele para o Ferragudo, e depois de um período difícil de adaptação  ao sítio, já o podia soltar e andava atrás dele e dos animias pelas courelas.

Um dia o ti Pereira andava a apanhar uns figos já passados e o cão andava atrás dele e começou a comer os figos que estavam no chão por baixo das figueiras, e quando ele se apercebeu exclamou: Olha o "papa figos" e achou que era um bom nome para dar ao cão e à noite contou aos filhos o que tinha acontecido, o cão era um "papa figos" por isso, o melhor nome para ele era o "papa figos" e como os filhos acharam graça a partir desse dia assim foi. 

No dia seguinte uma das duas cabras do ti Pereira deu à luz dois lindos cabritos e o "papa figos" assistiu ao seu nascimento e quando nasceu o segundo que era uma cabritinha, um pouco confusa, o seu primeiro contacto em vez de ser com a mãe foi com o "papa figos", criando a partir daquele momento um amor para a vida entre eles. 

A cabritinha era malhada, ficando com o nome de "malhadinha",  era uma cópia das malhas do papa figos, pareciam irmãos, dando origem a muitos comentários irónicos entre os vizinhos que diziam serem ambos filhos do mesmo pai, uma situação que levava muitas pessoas a ir ver aquele fenómeno, era uma coincidência, mas uma coisa nunca vista, assim como, o amor entre os dois animais, que cresciam juntos e viviam um para o outro. 

Um dia, apareceu um negociante de Reguengos que comprava por ali o gado e o ti Pereira negociou com ele a venda dos cabritos, entrando a malhadinha no negócio, e lá seguiram, deixando o "papa figos" confuso, com o que estava a acontecer.

Passadas poucas horas já o "papa figos" andava a correr pelas courelas, a ladrar, a uivar a ganir, parecia doido, a procurar a malhadinha por todos os lados e o ti Pereira não conseguia acalmá-lo, à noite teve de o prender, mas na manhã seguinte continuava igual e deixou de comer e de beber. 

O "papa figos" passados uns dias, sem comer nem beber, sempre muito triste, começou a ficar debilitado e o ti Pereira já andava preocupado, tinha a certeza que a causa era a falta que ele sentia da malhadinha, mas não podia fazia nada, já estava vendida, depois à noite contou lá em casa o que se estava a passar, e disse aos filhos que o mais certo era ficarem sem o "papa figos", porque não ia durar muito mais tempo sem comer nem beber e a situação desencadeou um grande desgosto e choro, perderam o apetite e ninguém quis cear e insistiram com o pai para ir comprar a malhadinha.

O ti Pereira disse aos filhos e à mulher à ti Vitória, que não era caso para tanto, mas ainda piorou a situação, então ele disse-lhe que tinha de ir a Reguengos comprar adubo para o trigo, assim ia já no dia seguinte, e falava com o negociante a ver se ainda lá tinha a malhadinha e se por acaso ele ainda a tivesse que a comprava e a trazia de volta para ficarem com ela para cabra, mas era muito incerto, porque decerto que ele já a tinha vendido, no entanto, acalmou um pouco a rapaziada.

O ti Pereira foi ter com o negociante, com um pé atrás e outro à frente, como quem não queria nada dele, não fosse ele abusar do preço e perguntou-lhe se ainda tinha a cabritinha malhada, e o negociante disse-lhe que sim, porque ninguém a comprava, estava muito doente, em pele e osso, nunca mais tinha comido nem bebido, não parava de berrar de dia e noite, estava todos os dias à espera que ela morresse para a mandar enterrar.

O ti Pereira ainda hesitou em continuar com o negócio, mas o negociante disse-lhe que, se quisesse, podia levá-la, porque lhe poupava trabalho, já lhe tinham feito tudo e não melhorava, e depois de pensar que a malhadinha ainda se podia salvar, aceitou levá-la sem pagar nada por ela.

Quando o ti Pereira chegou à courela com a malhadinha os dois animais que já não tinham forças para se pôr em pé, arrastaram-se ao encontro um do outro e envolveram-se a esfregar-se e a emitir sons de contentamento e, daí a pouco, começaram por beber água e depois a comer qualquer coisa, o suficiente para com o tempo irem recuperando a saúde e recuperaram, ficando juntos até ao fim das suas vidas, na companhia do ti Pereira e da sua família. 

A Família Pereira, ainda hoje andam pelo Ferragudo e por Monsaraz, mas já não seguem o caminho do ti José Pereira, no carro da mula para as courelas. 

Bem hajam 

Fim 

Agosto de 2025

Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto 



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