terça-feira, 9 de maio de 2023

O mistério do roubo do macho, em Capelins

 O mistério do roubo do macho, em Capelins

Um seareiro, tinha de sua, uma muar ou duas, neste último caso, faziam uma parelha, que tinham melhor desempenho no arranjo das terras e nos carregos que faziam com as carroças, pelo que, sem as muares, as quais, eram designadas de machos e de mulas, conforme fossem masculinos ou femininos, os seareiros não podiam cultivar as suas courelas e outras arrendadas ou tomadas ao terço ou quarto, ou seja, o seareiro podia cultivar as courelas de outro proprietário e pagava-lhe com uma parte das colheitas.
A sustentabilidade da vida de um seareiro era a sua muar, pelo que, quando os animais atingiam o limite de idade, cerca de vinte e cinco anos, tinham de ser substituídos, o mesmo acontecia se o animal morresse ou se fosse roubado, neste caso, era a desgraça do seareiro, porque, geralmente não tinham dinheiro para comprar outra muar apta para começar a trabalhar, uma vez que, os novos tinham de ser amançados, isto é, ensinados, por quem o sabia fazer e levavam muito tempo a ficar prontos para trabalhar em todas as tarefas, assim, quando acontecia uma situação destas, tinham de se endividar, e não passavam da cepa torta.
O roubo de muares, era frequente nas terras de Capelins e em toda a região, não só as levavam das pastagens onde, no verão, pastavam durante o fresco da noite, mas também de dentro das cabanas, arrombavam as portas sem os donos darem por nada, e as muares desapareciam, foi o que aconteceu no Monte do Meio em Capelins, no decénio de 1950.
O ti António do Monte do Meio, era seareiro e tinha um macho castanho para fazer a sua vida, a cabana fazia parte da estrutura da casa de habitação, era o primeiro compartimento do lado esquerdo do dito Monte com a respetiva porta para a rua, mas com uma janela/porta para dentro da cozinha, por onde o ti António passava, para não sair à rua, quando ia tratar do macho à noite e que ficava só encostada, ouvindo-se bem, no quarto, os movimentos do macho durante a noite, porque a porta entre o quarto e a cozinha era apenas um cortinado, no qual dormia o ti António a esposa e os filhos, todo este cenário ficava debaixo do mesmo telhado, a porta da cabana estava trancada com uma tranca antiga de madeira, que na horizontal enfiava pelo lado de dentro em buracos nas ombreiras, e perto da porta da cabana, do lado de fora, dormia um cão de porte médio que não deixava aproximar ninguém do Monte sem dar o alarme e nunca deixava de ladrar sem a intervenção dos donos, apesar de tudo isto, uma noite os ladrões com alavancas de ferro levantaram a porta da cabana tiraram a tranca e, sorrateiramente entraram na mesma, desprenderam o macho que estava preso à manjedoura e levaram-no, sem ninguém ouvir nada, nem sequer, o prestável cão de guarda avisou os seus donos.
De madrugada, o ti António levantou-se e antes do almoço (pequeno almoço) foi dar de comer ao macho, como fazia sempre, para depois sair para o trabalho nas suas courelas e ficou paralisado sem perceber o que se passava, uma vez que, o macho não estava na cabana e a porta estava encostada a uma ombreira, ficou sem saber o que fazer, por fim, foi chamar a esposa, para ambos tentarem perceber o que teria acontecido e entre os dois deduziram que o macho tinha sido roubado, foram chamar alguns familiares e amigos e correram em várias direções na tentativa de o encontrar, mas não havia sinais do animal, mais tarde, o ti António encontrou o rasto na zona do poço da Sina, ao fundo do ribeiro que tem início na Igreja de Santo António, onde ele tinha um meloal e o macho estava habituado a fazer, diariamente, esse caminho e os ladrões sabiam isso, pelo que, foi muito fácil o animal seguir esse trajeto, mas a partir daí, não conseguiram encontrar mais patadas, ou envolveram as patas do animal em sacos de serapilheira para não deixar rasto ou seguiram por fora da estrada e o ti António e famíliares passaram alguns dias a procurar o macho por todo o lado, mas não havia sinais dele e toda a gente dizia que devia ter ido pela Espanha dentro e nunca mais aparecia.
A vida do ti Antónia ficou desgraçada, os capelinenses ficaram com muita pena e revoltados, e muita gente tentou ajudar da forma que podia e sabia, o macho foi procurado, encomendado, responsado, foram a soldadores/ras (videntes/bruchos/as) e todos diziam que o macho aparecia, mas as gentes de Capelins não acreditavam, porque já tinham sido roubadas ali outras muares e nenhuma tinha aparecido, porém, um vizinho, também morador no Monte do Meio, conhecia o macho como se fosse dele, e por essa altura empregou-se na Câmara de Évora, ficando a fazer serviço no Mercado Municipal, junto do qual, se verificava diariamente um grande movimento de muares dos quintaneiros e negociantes abastecedores do Mercado, e ele sempre que via uma muar por Évora, ia discretamente observá-la, até que um dia estava no seu posto de trabalho e pareceu-lhe ver o macho do ti António, aproximou-se com muito cuidado e não teve dúvidas que estava certo, chamou o policia que andava por ali, seu conhecido, e contou-lhe a situação, o policia não hesitou e perguntou ao novo dono se o macho era dele e a quem, onde e quando o tinha comprado, o homem, que não era o ladrão, respondeu às perguntas e, com a sua colaboração, imediatamente, ficaram com a certeza que era o macho do ti António, depois de mais algumas investigações da policia de Évora, quando já não havia margem para dúvidas, o macho foi devolvido ao ti António do Monte do Meio que, continuou com a sua vida de seareiro.
O mistério do roubo do macho do ti António, nunca foi desvendado, toda a gente comentava: - Como foi possível os ladrões subornarem o fiel cão de guarda, depois com uma alavanca de ferro arrombaram a porta de madeira antiga, reforçada com uma tranca, ou tronco na horizontal metido em cavidades na parede pelo lado de dentro, desataram a corda que prendia o macho à manjedoura, levaram-no e o ti António e a família dormiam a poucos metros e não deram por nada.
Valeu-lhe o capelinense, filho do sacristão da Igreja de Santo António que, com a sua fé e vontade de ajudar, nunca desistiu de encontrar o macho do vizinho e amigo e encontrou.
Fim
Texto: Correia Manuel

O macho foi roubado neste lugar




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