terça-feira, 30 de maio de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou a ameixeira no Monte do Pinheiro

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou a ameixeira no Monte do Pinheiro

Nos finais da década de 1960, numa noite, no pico do verão, após a ceia (jantar), o pai do Chiquinho de Capelins, disse-lhe para no dia seguinte, depois de tratar das galinhas e das cabras, ir à oficina do tio, sapateiro, que morava num Monte perto da Aldeia de Ferreira, perguntar-lhe quando podia deixar lá as botas, que precisavam de meias solas e adiantou para que fosse cedo, pela fresca, para não apanhar muito calor.
De manhã, quando a mãe o acordou, estava a sonhar com as brincadeiras que tanto gostava e levantou-se a resmungar, mas depois de tomar o café com leite e comer umas fatias paridas, o humor melhorou e foi tratar do gado, sem pressa, porque tinha muito vagar e quando se pôs a caminho do Monte do tio avô, já o sol ia alto e aquecia bem o piolho.
O Chiquinho seguiu pelo caminho mais direto, Monte da Cruz, horta do Monte Novo, Pinheiro e, mesmo andando devagar, depressa chegou, pouco se demorou e de volta com a resposta mudou o percurso, passou pela rua principal do Monte do Pinheiro e meteu-se por uma vereda que seguia até junto ao poço largo, mas assim que pôs os pés na dita vereda olhou à esquerda e viu uma ameixeira, carregada de ameixas que lhe sorriam e o chamavam, mas ao dar um passo na sua direção, pressentiu que estava a ser observado, recuou e continuou em frente, apressado e muito direitinho, não viesse a dona, que ficasse lá com as orelhas.
As apetitosas ameixas deram-lhe cabo da cabeça e, pelo caminho até casa, não pensou noutra coisa, a não ser na maneira de lhe ferrar o dente, mas ao pensar que, se fosse apanhado pela dona, decerto, ficava sem orelhas, arrefecia o entusiasmo, mas as belas ameixas não deixavam de o tentar e pensou contar do achado à rapaziada e entre todos haviam de ter alguma ideia para fazerem a recolha do dízimo, mas lembrou-se que um dos rapazes do grupo era sobrinho da dona da ameixeira, por isso, decidiu atuar sozinho.
Depois de pensar na estratégia para chegar às ameixas sem ser apanhado, planeou que seria na hora da sesta, não havia ninguém que não dormisse a sesta na Aldeia de Ferreira, a não ser a rapaziada, seria impossível que a dona das ameixas não dormisse e, como não podia esperar, foi fazer a visita à ameixeira, no dia seguinte.
O mês de Agosto, estava no início, mas cerca das 14 horas o calor era insuportável, o Chiquinho foi-se aproximando com muita cautela, escutando e olhando em frente e em redor, até chegar junto da ameixeira que tinha um tronco fino e muito alto, difícil de subir, com a copa formada por muitos ramos finos e compridos carregados de ameixas, subiu rapidamente, como um gato, mas lá em cima tinha pouco espaço para se movimentar, porque não conseguia apoiar-se nos ramos, ficou numa posição muito incómoda, de cócoras, colheu 2 ou três ameixas que mais lhe encheram o olho e, sem se importar que estivessem quentes ou frias deu uma trincada na mais apetitosa, mas estava muito dura e quando começou a saboreá-la era tão ácida e amarga que não conseguiu continuar a trincá-la, ainda tentou do outro lado, mas era igual, e pensou que tinha errado na escolha, atirou com ela e fez o mesmo a outra e a outra, eram todas iguais, porque ainda não estavam maduras, colheu mais algumas para levar, na esperança de alguma ser diferente para melhor e preparou-se para descer, mas não encontrava jeito, nem virado para trás, nem para a frente, e começou a ficar impaciente não viesse a dona, e a solução foi dar um salto, mas como os pés ficaram presos, mergulhou de cabeça pela terra dentro, a sorte foi estar remexida, mas ficou tonto e a pensar que tinha levado uma traulitada, mas depois de se orientar, respirou de alívio e apressou-se a sair dali.
Como o Chiquinho levou algumas ameixas nos bolsos das calças, depois de recomposto, já um pouco afastado do lugar do crime, sentou-se à sombra de um chaparro e começou a trincar as ameixas uma a uma, na esperança de encontrar alguma comestível, mas eram todas iguais, então, zangado com as ameixas, atirou-as pela chapada do Pinheiro, chegando algumas perto do poço do chorão.
Quando o Chiquinho chegou a casa com a cara e a cabeça cheias de terra, levou um raspanete da mãe, que lhe perguntou onde tinha andado a fussar? Ele resmungou, dizendo que não era nenhum bacro e que tinha tropeçado na corda da cabra e caído, a mãe fingiu acreditar e mandou-o lavar-se bem, para que à noite não levasse a terra para a cama, ele foi despejar um balde de água quente pelo sol, pela cabeça abaixo e ficou lavadinho, e nesse dia, as peripécias ficaram por ali.
Passados uns dias, na reunião do grupo de rapazes, o Chiquinho acabou por contar-lhes sobre o achado das ameixas e disse que já deviam estar quase maduras e onde se situava, alguns rapazes prontificaram-se a ir lá catar o dízimo, mas o Chiquinho disse-lhe que não era fácil, a dona não era macia, mas eles responderam que isso não era problema, uns espreitavam-na e outros faziam a colheita, adiantou que a ameixeira era muito alta e como tinha o tronco muito fino era difícil de subir, mas eles disseram que às cavalitas uns dos outros nem era preciso subir, e o Chiquinho continuou, que o pior era a dona ser tia de um elemento do grupo e, esse elemento disse logo que nem pensar em ir lá, se ela o visse dizia ao pai dele e depois ele nem as acabava, perante tantos obstáculos a rapaziada decidiram riscar a dita ameixeira da carteira das angariações e ficar esquecida e o Chiquinho, também, nunca mais se aproximou da ameixeira do Monte do Pinheiro.
Fim
Texto: Correia Manuel

Monte do Pibheiro - Capelins




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