sábado, 25 de março de 2017

Resenha histórica da pesca no rio Guadiana, nas terras de Capelins


Resenha histórica da pesca no rio Guadiana, nas terras de Capelins 

Através das pinturas rupestres que se encontram submersas pelas águas do Grande Lago de Alqueva, verificamos que na Defesa de Bobadela, junto ao lugar denominado Moinhola, (Minhola) que há 5.000 anos os povoadores aqui instalados já pescavam. Não conseguimos perceber nesses desenhos nas rochas, como era feita a captura do peixe, mas decerto, que seria com armadilhas e, à lapa (esta, deve ser a forma mais velha e fácil de pescar, desde que conheçam os lugares onde existem buracos nas rochas ou protegidos por pedras é só tapar a saída meter a mão e apanhar os peixes que lá estiverem dentro). Porém, são conhecidas armadilhas mais ou menos rudimentares, feitas artesanalmente de vegetação e arbustos encontrados no rio, como as nassas, os galritos e outras. Mais tarde, surgiram outros apetrechos de pesca mais modernos, como a atarrafa os tresmalhos e a cana de pesca. 

Ao longo dos tempos, as espécies de peixe foram variando no rio Guadiana, sabemos as que existiam nos últimos anos, mas também sabemos as que existiam há cerca de 260 anos, através de fontes muito seguras, pelos Párocos de, Juromenha de Capelins e de outras Paróquias que fazem fronteira com o rio Guadiana. 

A pesca no rio Guadiana, na maior parte dos casos, era um complemento à economia familiar, mas também para "paródias", festas de famílias e amigos, realizadas junto ao rio ou nos moinhos, onde alguns grupos se instalavam, por vezes, durante dias ou semanas, comendo peixe em caldetas e fritos, acompanhados com bom vinho e outras bebidas! 
Nas terras de Capelins, a pesca no rio Guadiana foi praticada desde sempre, podemos confirmar através das pinturas rupestres da Moinhola com mais de cinco mil anos. 
Mais recentemente, a pesca era uma atividade para fins de complemento da economia doméstica e com fins lúdicos, também a confeção de redes de pesca era efetuada pelos próprios pescadores, como o Ti António Fura, o Ti Miguel “Aninho”, o Ti Venâncio e outros. No rio Guadiana praticavam-se diversas formas de pesca. Nas terras de Capelins as mais frequentes eram à tarrafa, “tresmalho”, “guito”, lapa, e com armadilhas, nassas e galritos. No caso da tarrafa, o lançamento era feito, geralmente a partir das margens do rio Guadiana, enquanto o tresmalho era armado e recolhido a partir de um barco feito de madeira.
O fabrico da “tarrafa”, era feito em casa do pescador ou mesmo no rio Guadiana, nas horas em que esperavam a recolha dos tresmalhos ou das armadilhas. Normalmente, cada pescador fabricava as suas próprias artes de pesca. O Ti António Fura fazia tarrafas com dois instrumentos que ele também fazia de esteva ou outra madeira a “agulha”, uma espécie de estilete usado para conduzir o fio da rede, e o “malheiro”, utilizado para fixar a largura das malhas da rede. A parte superior da rede era fixada num suporte mais alto, até numa arvore, para dessa forma se desenvolver. O início da rede desenvolvia-se a partir de um número reduzido de malhas ou “pombinhas”, geralmente vinte, variando o número de malhas de acordo com o tamanho final pretendido para a tarrafa. A cada duas voltas, aumentava-se uma malha, diminuindo o seu tamanho à medida que se tecia a rede. Uma rede de pesca podia demorar um mês ou vários a ser concluída, depois ainda tinha de ser chumbada. Também as chumbadas eram feitas pelo pescador e levava alguns dias a fazer e a chumbar. O chumbo era derretido dentro de uma forma aquecida ao lume que depois de passar por dentro de água fria era aberta tipo alicate e a chumbada saía pronta para ser aplicada à rede. Uma tarrafa podia durar até dez anos ou mais, dependendo do uso.
A pesca à tarrafa só era feita em pegos pouco profundos e para a lançar, o pescador entrelaçava a parte superior da rede ao pulso e, de seguida, apanhava parte da “saia” colocando-a ao ombro. Segurava com a mão direita a outra parte, ficando o resto caído em frente ao corpo. Por fim prendia um chumbo com a boca e o outro com a mão direita. Na zona do rio escolhido, a tarrafa lançava-se sobre a água. De seguida, a rede era puxada pela corda do vértice, arrastando a chumbada pelo fundo até que se juntasse, puxando-a finalmente para si, (importa salientar que, cada um, lançava a tarrafa como melhor sabia).

Lançada à mão por um só homem, a partir das margens do rio, a tarrafa era recolhida pouco depois, repetindo-se a faina sempre que necessário. 
O Ti António Fura e, quase todos os pescadores de Capelins, pescavam o ano todo, bastava haver procura, embora houvesse algumas épocas do ano em que a pesca era mais abundante.
Para pescar usavam-se várias técnicas conforme a altura do ano e o caudal do rio. Em Março e Abril o rio Guadiana ainda tinha grande caudal, porque as Ribeiras e Ribeiros ainda metiam muita água. Nessa altura, em tempos mais recuados nos sítios mais baixos de água construíam armadilhas para apanhar os peixes. Usava-se o galrito, que o Ti Fura fazia, geralmente de buinho, mas podia ser feito de verga, o qual permitia a entrada dos peixes e dificultava a sua saída depois de terem entrado.
O galrito era instalado dentro da água, quase sempre onde havia areia, à noite e com a boca voltada contra a corrente, de forma a que a água corrente o mantivesse aberto e esticado. 
A sua instalação era feita com a ajuda de ramos de amieiro presos na areia, dispostos em cone no sentido da corrente com o galrito aí colocado. Como, durante a noite, os peixes ao nadarem viam os ramos dos amieiros tinham tendência a deslocar-se ao longo deles para poderem encontrar uma passagem, quando a encontravam, entravam no galrito de onde já não era fácil sair.

De madrugada, os pescadores iam aos galritos, armados na noite anterior e recolhiam os peixes. Nem sempre corria bem, como o rio tinha mais animais, como as cobras de água, às vezes adiantavam-se aos pescadores e deixavam os galritos sem peixe. Tal como a pesca à tarrafa, também este tipo de pesca não era autorizado, mas mesmo assim era praticado.
Quando se passou da pesca artesanal, feita através da dita tarrafa e outras armadilhas, para a pesca profissional, nas terras de Capelins, temos que nos referir ao Ti António Fura, um dos maiores, senão o maior pescador profissional das terras de Capelins e talvez não seja exagero, de todo o Alentejo interior. Como referimos, também pescou muitos anos com artes artesanais, porque começou a pescar ainda era criança, mas ao legalizar-se como pescador profissional adquiriu tresmalhos, grandes redes que ligadas quase atravessavam o rio Guadiana, proporcionando grandes pescarias. o Ti António Fura tinha um barco de pesca com o qual armava os tresmalhos, se o tempo estivesse de feição, geralmente, a faina começava cerca da meia noite, saía com o barco que estava ancorado no lado direito à foz da Ribeira do Lucefécit, levava dois tresmalhos, depois em local estratégico que só ele conhecia, com uma corda, prendia a ponta do tresmalho num amieiro ou outro arbusto e sempre navegando ia desenrolando o tresmalho e ajeitando dentro de água, quando o primeiro estava no fim, ligava outro tresmalho e continuava a desenrolar o segundo até um lugar onde o pudesse prender a outro arbusto, que ele já conhecia e, ficava a primeira parte do trabalho feita, que era melhor com um remador, mas ele mesmo sozinho fazia tudo. Depois, voltava a terra comia alguma coisa e pelas quatro ou cinco da manhã começava a levantar os tresmalhos, um trabalho que levava um pouco mais de tempo, porque tinha de tirar o peixe do emaranhado e juntá-lo no fundo do barco, com o cuidado de não o deixar saltar, porque alguns davam saltos de metros e lá voltavam à água, mas o Ti Fura sabia o que fazer para o peixe não lhe abalar. Os tresmalhos eram colocados de forma a não se enlearem senão mais tarde estava sujeito a grande trabalho. O horário e a faina que aqui se descreve, nem sempre era exatamente igual, porque dependia da época e das correntes do rio Guadiana.
Pelas seis ou sete da manhã, já estava a caminho dos locais de venda do peixe e que peixe, tanta gente com saudades deles! 
Em Capelins, nunca mais temos desse peixe!
Bem haja tio Fura, grande homem, grande pescador, grande nadador do rio Guadiana!



Arte rupestre submersa no Lugar de Moinhola - Capelins


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