sábado, 13 de dezembro de 2025

Alfândegas dos Portos Secos de Terena e de Mourão 1756 - 1761

 Revista Portuguesa de Historia t. XXXVI (2002-2003) pp. 565-588 (vol. 1) 

As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763). 

O movimento dos Portos Secos de Mourão e de Terena João Cosme Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

 https://ap1.sib.uc.pt/bitstream/10316.2/46121/1/as_relacoes_economicas_entre_portugal.pdf


Introdução

 Este trabalho representa mais um passo no estudo do movimento alfandegário entre Portugal e Espanha, através dos Portos Secos (alfândegas terrestres) de Portugal no período decorrente de 1756 a 1820.

 No trabalho anterior, estudámos a entrada dos produtos pelas alfândegas de Campo Maior e Castelo de Vide

1 . Neste artigo, vamos analisar o movimento alfandegário dos Portos Secos de Mourão e de Terena. 

Renovamos a nota que utilizamos como fonte esencial deste estudo os registos do Donativo dos 4% depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Queremos, por isso, assinalar que os limites cronológicos deste trabalho estão dependentes das datas dos livros de registo do Donativo destas alfândegas que encontrámos na Torre de Tombo. O primeiro registo da alfândega de Terena data de 13 de Fevereiro de 1756, e o último é de 30 de Outubro de 1763, a que 1 João Cosme, “As relações económicas entre Portugal e Espanha ( 1756-1759). O movimento dos Portos Secos de Castelo de Vide e Campo Maior”, in População e Sociedade, n° 8, CEPESE, Porto, 2002, pp. 179-201. 566 João Cosme se segue um longo período sem qualquer registo, pois só voltamos a encontrámos para 30 de Janeiro de 1778. Por sua vez, o registo mais antigo do Porto Seco de Mourão é de 24 de Abril de 1756, enquanto que o último se reporta a 10 de Setembro de 1759, a que se sucede um período em que há uma lacuna de dados, apenas voltamos a dispor de elementos para o início de 1768. À semelhança do que já fizemos no artigo anterior, para que se possa fazer uma avaliação e uma comparação mais correctas das entradas dos produtos pelos vários Portos Secos, apresentaremos, em anexo, quadros-síntese com os registos das importações 2 do ano de 1758.

A escolha desta data tem como razão única, possuirmos informações para a generalidade das alfândegas neste ano. Renovamos o que já dissemos no artigo anterior; isto é, que este imposto (Donativo dos 4%) surgiu na sequência do terramoto de 1755. Como este abalo telúrico destruiu grande parte da cidade de Lisboa, tornava-se, por isso, imperioso e urgente proceder à reconstrução da capital. As alfândegas de Lisboa e do Porto, pontos fundamentais de recepção de grande parte das receitas fiscais do Estado e de combate ao contrabando, não ficaram imunes à destruição. Conscientes do prejuízo causado pelo terramoto, alguns dos mais importantes comerciantes da capital do Reino solicitaram o lançamento de um imposto extraordinário para, com as verbas obtidas, se reconstruírem as principais estruturas económico-financeiras afectadas pelo sismo. Para cumprir tal desiderato, era necessário angariar rápida e extraordinariamente uma elevada soma de dinheiro. Por isso, D. José I, sob proposta dos “Homens de Negócio da Praça” de Lisboa, lançou um imposto extraordinário - Decreto Real de 2 de Janeiro de 1756 - conhecido pelo Donativo dos 4 por cento. Em conformidade com o diploma legal de 1756, este imposto aplicava-se a “todas as mercadorias e manufacturas que entrarem nestes Reinos3”. Isto significa que estamos perante um imposto extraordinário sobre o consumo, pago por todos aqueles que adquirissem produtos provenientes do exterior de Portugal. Com esta medida conseguia-se reforçar o controlo das relações comerciais na vasta fronteira terrestre entre Portugal e Espanha, particularmente as importações já que estas eram as responsáveis pela saída de capitais, o que desequilibrava a débil balança comercial portuguesa e feria os princípios mercantilistas em voga.

2 Tendo em vista uma identificação pormenorizada e rigorosa dos produtos importados, utilizamos as expressões que se encontram no documento, procedendo assim quase à sua citação ipsis verbis. 

3 Cf. O Decreto Real de 2 de Janeiro de 1756, que publicamos no nosso artigo citado na nota 1, pp. 188-189. Tomava-se possível, ainda, sem que fosse necessário proceder a grandes alterações ao nível do funcionalismo alfandegário local, não só aumentar a liquidez tão necessária à reconstmção das estruturas alfandegárias afectadas, mas também ampliar a capacidade de financiar a, cada vez, mais pesada máquina administrativa pombalina, que inteligentemente soube utilizar a centralização territorial em benefício da centralização do poder real4 . 1. O Rendimento das duas alfândegas Com vista a uma melhor sistematização de todo o movimento administrativo destas duas alfândegas em estudo, elaborámos o quadro seguinte

Relações Económicas entre Portugal e Espanha

 (1756-1763) 567 568 João Cosme O ano de 1756 caracterizou-se como a fase inicial da reorganização alfandegária pombalina. 

Os anos de l757 e l758 demonstram já urna dinámica comercial e tributária consolidada, atingindo, no caso de Mourão, um valor líquido significativo - 1 conto, 81 mil e 630 réis. Esta linha ascensional caiu abruptamente nas duas alfândegas no ano de 1759. Nesta alfândega deixa, inclusivamente, de haver registos a partir de 10 de Setembro. A inversão desta tendência parece ter atingido a generalidade dos Portos Secos, já que em Campo Maior e em Castelo de Vide aconteceu a mesma coisa. Excepcionalmente, a alfândega de Terena continuou a registar a passagem de alguns produtos; porém, a quebra dos impostos foi notória e significativa, e os produtos transaccionados eram de pequeníssimo valor individual. Inclusivamente no ano de 1762, data em que foi dirigido a Lisboa um ultimato para que declarasse guerra a Inglaterra, apenas houve três registos (termos). 

As receitas deste ano foram incorporadas na verba de 1763. Os dados deste ano são extremamente elucidativos já que o saldo (diferença entre receitas e despesas) se cifrou por um resultado deficitário; isto é, as despesas foram superiores às receitas em 12.582 réis. É notório e indesmentível a grande superioridade do rendimento da alfândega de Mourão sobre a de Terena.

 Também é visível que, no plano comercial, aquela alfândega era muito mais importante do que a de Terena. Para melhor pormenorização desta realidade, faremos uma análise específica de cada uma delas. Tal como já referimos, em Mourão, o escrivão e o recebedor do Donativo não receberam qualquer ordenado pelo desempenho das suas funções, apesar de terem requerido que tal lhes fosse pago. Assim, no auto de contas do Io semestre de 1756, realizado no dia 27 de Julho deste mesmo ano, “o recebedor requereu que lhe arbitrace sellario para o seu trabalho como também para a remessa do dito produto e o dito juis [da alfândega] lhe não deferio o seu requerimento por não ter ordem para isso, antes por virtude da provizão que fica neste archivo”4 5 6 . Paradoxalmente, em Terena, durante quase todo o período aqui analisado (1757, 1758, 1759, 1760, 1761 e 1763), o recebedor e o escrivão do Donativo retiraram os seus ordenados das verbas obtidas com este imposto. Apenas nos anos de 1756 e 1762 não lhes foram pagos os respectivos ordenados. No ano de 1756, “não [se] abatheram os ordenados dos officiaes por não terem provimento”7 ; ao passo que, em 1762, esta alfândega praticamente não funcionou. 

4 Cf. Pedro José da França Pinto dos Reis, Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal de D. João Va D. José I. (Subsídios para o seu estudo sócio-jurídico), Dissertação de Mestrado em História Cultural e Política apresentada à FLUC, Coimbra, 1987, policopiada. 5 Todos os valores monetários são em réis. 6 ANTT, 

Alfândegas do Reino, Mourão, Ia caixa, L° 1, fl. 10 v. 7 ANTT, 

Alfândegas do Reino, Terena, Ia caixa, L° 1, fl. 

9. As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 569

Nesta última (Terena), o cargo de escrivão foi desempenhado por José de Pina Galego que auferia, anualmente, a quantia de 10 mil réis. Por sua vez, Manuel da Silva Torres foi o recebedor e fiel do Donativo durante os anos de 1756 a 1759. No final de 1760, José Joaquim desempenhou interinamente as funções de recebedor e depositário do dinheiro já que o anterior titular havia falecido8 . No principio de 1761, este ofício passou a ser ocupado por Joaquim Velez9 . Aqui, o recebedor auferiu a quantia de 15 mil réis por ano, Para além das despesas com estes funcionários gastou-se ainda 800 réis com a compra do livro dos registos, além das verbas respeitantes ao pagamento do envio das receitas para a Junta do Comércio

10 . Por sua vez, em Mourão, o livro de registo da “entradas” das mercadorias custou 240 réis e o juiz da alfândega recebeu a quantia de 880 réis pela rubrica deste livro. Estas foram as únicas despesas extraordinárias aqui verificadas. A isto se deve acrescentar o pagamento do envio das receitas.

11 para a Junta do Comércio. Manuel da Rosa Gusmão foi o titular do ofício de recebedor durante todo este período, enquanto que o cargo de escrivão foi desempenhado por Nicolau Pedro da Vitória. Podemos, portanto, concluir que não havia um valor único tabelado para estes funcionários. Caso interessante foi o pagamento de 1600 réis ao juiz da alfândega de Terena nos anos de 1761 e de 1763 pelo trabalho de conferência das contas, apesar do déficit registado neste último ano. 

2. Produtos transacionados e comerciantes Alfândega de Terena.

No que concerne ao leque de produtos entrados pelo posto fronteiriço de Terena, pode dizer-se que foi bastante restrito. Despacharam-se, essencialmente, animais. Os porcos foram a categoria mais transaccionada, a que se acrescentaram algumas galinhas, bois, cavalos e cabras. A par destes, encontram-se 8 Ibidem, L° 2, fl. 17. 9 Ibidem, fl. 33 v. 10 Foram gastos com o envio do dinheiro, as seguintes verbas: 225 réis em 1756; 1030 réis em 1757; 1050 réis em 1758; em 1759 não há registo de qualquer despesa referente ao envio do dinheiro; 1365 réis em 1760; 2420 réis em 1761. Como o saldo foi negativo em 1763, não foi enviado qualquer valor. 11 No ano de 1756 pagou-se 4.360 réis; em 1757 custou 4.760 réis; em 1758 foi de 10.925 réis (2.129 réis do envio das receitas do Io semestre; e 8.796 réis do porte das receitas do 2o semestre) e 2.436 réis do ano de 1759. 570 João Cosme transacções de géneros, cujas quantidades registadas foram ocasionais e diminutas. A título exemplificativo, relembramos alguns casos: - em 30 de Novembro de 1758, Francisco Brás trouxe açafrão, ervas doces e alfazema12; - em 21 de Março de 1759, Sebastião Mengas, da Casa de Milhão (Castela), trouxe 1 grosa de cordões de seda13; - em 29 de Abril de 1759, José António, de Monsaraz, trouxe 30 cortiços14 . 

A análise do registo das entradas pela alfândega de Terena revela a presença de originários de Terena, Borba, Alandroal e seu Termo, Montoito, Redondo, Monsaraz, Vila Viçosa, Portel, Estremoz, Mora, Salvaterra [de Magos] e Monte da Grã (Termo de Évora). A lista de povoações induz-nos a dizer que a quase totalidade dos que registaram aqui os seus produtos residiam em localidades próximas. Regra geral, também os titulares das aquisições não as fizeram de maneira continuada. Elucidativos são os exemplos seguintes: 

- em 8 de Abril de 1758, o prior do Convento da Orada (Monsaraz) comprou porcos

15; - em 9 de Agosto de 1758, o médico do Redondo, Dr. José Esteves, registou a compra de 3 porcos

16 . Para além destes, vários espanhóis também trouxeram para Portugal alguns produtos. 

São o caso do Conde de Cheles (D. José de Vila Manuel) que trouxe “50 porcos de vida e 52 porcas”.

Vários habitantes de Cheles, Alconchel, Jerez de los Caballeros e de Valverde passaram por aqui com os seus produtos. Todas estas localidades são vizinhas de Terena.

A única excepção foi Manuel Femandes, do Reino de Jaén, que fornecia louça de Talavera.

Alfândega de Mourão A diferença entre as duas alfândegas não se fez notar apenas nos quantitativos transaccionados mas também na diversidade desses mesmos produtos. A alfândega de Mourão serviu de “porta de entrada” para uma vastíssima amplitude de produtos. Nesta alfândega, encontramos o registo regular de géneros de várias espécies. Por ela passaram produtos provenientes do sector agro-pecuário, 12 ANTT, 

Alfândegas do Reino, Terena, Ia caixa, L° 1, fl. 34. 13 Ibidem, fl. 41 v. 14 Ibidem, fl. 42 v. 15 Ibidem, fl. 25 v. 16 Ibidem, fl. 29 v. 

As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 571 

tal como uma grande variedade de animais (gado vacum, asinino, suíno e aves), produtos agrícolas (nozes, alhos, bolotas, figos, grãos, pêras, cerejas e pimento colorado), produtos de origem animal (lã), produtos manufacturados e artesanais (copos de vidro, cantarinhos, louças de Talavera e de Ponte do Bispo, mantas de almáfega 17, e cabeçadas 18 de animais) e produtos de tinturaria (anil). Esta alfândega caracterizou-se, essencialmente, pela existência de produtos que passavam com grande regularidade e em grandes quantidades. 

São três os produtos que merecem aqui particular destaque: azeite, porcos e lã. Ao mesmo tempo que, também aqui, deparamos com a “entrada” ocasional de pequenas quantidades de outros produtos, tais como: - em 26 de Janeiro de 1757, Pedro Sainça registou 2 arrobas de cabello de gente.

19; - em 25 de Abril de 1757, Francisco Mestre registou 10 pares de tesouras de tosquiar

20; - em 12 de Maio de 1757, Lázaro Femandes registou 1 arca velha e 1 colchão.

21 . - em 23 de Julho de 1757, Pedro Garcia registou 4,5 arrobas de torrão do Levante.

22 . - em 17 de Julho de 1758, Maria da Conceição registou meia arroba de paios e presuntos e 9 arráteis de cobre lavrado

23 . Por sua vez, no que se refere aos produtos que foram transaccionados em grandes quantidades, cumpre especificar que foi nos anos de 1756 e em 1757, com particular incidência para o primeiro ano, que o azeite registou a importação de quantidades mais elevadas. O volume deste produto diminuiu em 1758 e praticamente desapareceu no ano seguinte. Certamente que estas importações foram motivadas por más colheitas agrícolas, em 1755 e no ano seguinte, nesta área alentejana. Os nomes dos comerciantes que inscreveram maiores quantidades de azeite (José Garcia, Lucas Flores e Alonso Lino) nos livros do 17 Almáfega: pano grosseiro, fabricado da pior lã, que chamavam churra e que se trazia como luto, e era também empregado para fazer sacas (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado, tomo I, p. 341). 

18 Cabeçadas: tiras de couro que se prendem nas argolas superiores do freio e o seguram na boca do animal passando por detrás das orelhas (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado, tomo II, p. 447). 19 ANTT, Alfândegas do Reino, Mourão, Ia caixa, L° 1, fl. 40. 20 Ibidem, L° 1, fl. 56. 21 Ibidem, L° 1, fl. 58 v. 22 Ibidem, L° 1, fl. 70. 23 Ibidem, L° 2, fl. 18 v. 572 João Cosme Donativo, induzem-nos a pensar que este comércio era realizado essencialmente por intermediários espanhóis. A lã foi outro dos produto que denotou importações elevadíssimas ao longo deste período, com particular incidência no triénio de 1757-1759. Os dois principais compradores foram Sebastião Carvalho Camelo que era natural de Montemor24 [-o-Novo] e Gil da Emister Companhia. Este último apenas aparece a partir de Julho de 1757. Ambos tinham os seus representantes em Mourão 25 . A título excemplifciativo referimos que, só em 1757, Sebastião de Carvalho registou 2.275 arrobas de lã branca, fina, sendo a maior parte merina26. A este quantitativo deve acrescentar-se 792 arrobas de lã branca, também alguma merina, e 273 arrobas de aninhos27 brancos arrolados por Gil da Emister Companhia; o que perfaz, na totalidade, 1.065 arrobas de lã branca. O recurso a matérias-primas provenientes do exterior, particularmente quando estas matérias-primas requerem qualidade, é deveras significativo. A referência a lã branca, fina e merina28 é ilustrativa, já que em termos qualitativos esta é muito superior à lã preta e aos aninhos. Estes dados demonstram alguma 24 Em 24 de Agosto de 1756, João Rosado desta vila (Mourão) pagou de donativo 11.600 réis, “por 100 arrobas de lã branca, suja, marina, da Raia de castela donde trouxe para Sebastião de Carvalho de Montemor” (ANTT, 

Alfândegas do Reino, Mourão, Ia caixa, L° 1, fl. 14). 25

Tal como referimos na nota anterior, João Rosado era o representante de Sebastião de Carvalho Camelo. Porém, em 16 de Dezembro de 1759 Manuel Mendes Papança aparece como outro representante de Sebastião Carvalho Camelo (ANTT, Alfândegas do Reino, Mourão, I a caixa, L° 2, fl. 34). José Álvares era o representante de Gil da Emister Companhia. 26 Lã merina: “tipo de proveniente dos carneiros de raça merina ou das suas numerosas subraças existentes no Mundo” {Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XVI, p. 996). 27 Aninho é a lã da Ia tosquia {Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado, tomo I, p. 472). Por esta razão esta lã ainda não está consolidada; isto é, ainda não tem a consistência da lã forte, assemelhando-se por isso ao cabelo. 28 Sobre a tipologia e qualidade da lã cf. Bartolomeu de Oliveira Tavares Monteiro, Curso de técnica de lanifícios. Vol. I Matérias-primas e a sua preparação industrial, Lisboa, 1962, pp. 112-126. No plano zootécnico a raça merina é uma “raça de ovinos considerada a melhor sob o ponto de vista lanar, por ser a que produz lã de qualidades têxteis mais apreciáveis. (...) A lã é a principal aptidão dos animais desta raça. O velo (...) é constituído por lã fina, frisada, macia, flexível e untuosa. (...) A primitiva pátria dos carneiros merinos não está perfeitamente determinada. Na opinião de alguns naturalistas, o merino é oriundo do Norte de África ou da Síria, tendo sido levado dali para Espanha, onde, durante muitos séculos, se conservou exclusivamente. Na Idade-Média, os finos panos de lã eram fabricados exclusivamente com lã de merinos espanhóis, pois a exportação de indivíduos desta raça estava rigorosamente proibida. A primeira saída de gado merino daquele país data do século XVII e foi feita com destino à Alemanha e França, sem que dessas exportações alguns resultados tivessem sido obtidos. Em 1785, a Espanha ofereceu a Luís XVI de França 33 ovelhas e 42 sementáis que o rei de França instalou na sua herdade de Rambouillet” {Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XVI, p. 996). As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 573 incapacidade interna de auto-suficiência de matéria-prima de qualidade e a consequente dependência do exterior. Assim, quando se aborda o problema das dificuldades da industrialização no período pombalino, deveremos ter em em linha de conta esta subordinação às importações de matéria-prima de qualidade. Esta conexão ajuda a perceber o insucesso de funcionamento das manufacturas têxteis e também porque estas manufacturas se localizavam no interior do País. Nos meados do século XVIII, havia um número muito significativo de teares de confecção de tecidos de lã no Alentejo interior próximo da zona raiana29 . Este Porto Seco registou ainda um elevado número de entradas gado caprino, gado bovino, aves e gado suíno. Merece particular referência as importações de porcos, já que em termos quantitativos é o caso mais significativo. É de crer que uma parte seria para consumo dos compradores; outra parte teria como finalidade a reprodução30 e um outro grupo destinar-se-ia ao abastecimento alimentar da população de uma área geográfica31 mais ampla. As denominações usadas nos registos também ajudam a presumir o destino de muitos destes animais32 . Por fim, cumpre anotar que estes registos são parcos em informações sobre a residência dos que transitaram por aqui com os seus produtos. Relembramos que este elemento informativo raramente aparece. Apesar desta contrariedade não queremos deixar de exarar uma breve nota sobre estes factos. Assim, além de conhecermos a origem de Sebastião Carvalho Camelo, ficamos a saber que passaram por esta alfândega com produtos residentes em Mourão, Granja, Amareleja, Barrancos, Monsaraz e Motrinos (termo de Monsaraz), Portei e 29 Luiz Femando de Carvalho Dias refere a existência destes teares nas localidades de: Castelo de Vide; Évora e seu termo (S. Miguel de Machede e S. Bento do Mato); Estremoz; Alpalhão; Nisa; Amieira; Marvão; Portalegre; Redondo, Reguengos (termode Monsaraz) Beja, Pedrógão (Beja); Serpa; Brinches (Serpa) e Moura (História dos Lanifícios (1750-1834). Documentos, vol. I, Lisboa, 1958, pp. 59-61). 30 Em 16 de Dezembro de 1658, João de Deus Pimenta pagou 552 réis pelas melhorias de “46 cabeças de porcos em que entram algumas porcas que trouce pastando em Castella” (ANTT, Alfândegas do Reino, Mourão, Ia caixa, L° 2, fl. 34). 31 Em 2 de Março de 1658, António Rodrigues, de Évora, registou 6 porcos e 18 bácoros; já em 27 de Fevereiro havia registado “17 porcas paridas com 54 bácoros” (ANTT, Alfândegas do Reino, Mourão, Ia caixa, L° 2, fl. 11 v e fl 11, respectivamente). 32 Tal como referimos anteriormente, os documentos utilizam expressões diferentes para pormenorizarem com maior rigor os animais entrados. Assim, cumpre distinguir as várias categorias: farroupos - “porco de menos de um ano” (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, ... tomo V, p. 106); marrã - “porca pequena, que acabou de mamar [desmamada]” (Ob. cit; tomo VII, p. 65); bácoro- “porco novo de um ano, leitão” (Ob. cit; tomo II, p. 202). 574 João Cosme Évora. Estas passagens caracterizaram-se, essencialmente, por movimentos ocasionais e com aquisições de pequenas quantidades de produtos33 . 3. Considerações finais Não queremos terminar este artigo sem apresentarmos um comentário final. Começamos por renovar o que escrevemos no artigo anterior, relembrando que o imposto dos 4% foi criado com um objectivo muito específico, pois era urgente recuperar os estragos provocados pelo terramoto de 1755, de modo a que “o comercio tenha huma Praça digna da capital”. Este desiderato foi suportado por vários protagonistas através da criação de um verdadeiro imposto, pago por todos os portugueses que consumissem produtos importados. Quer isto significar que a actuação política absolutista e centralizadora josefina, em conformidade com os cânones da época, transferiu para os habitantes do interior, já bastante depauperado e destruído pelas diversas lutas que aqui ocorreram, parte dos custos de importantes estruturas comercais do litoral. Outra conclusão que se pode retirar é a grande dependência de Portugal em relação à Extremadura espanhola, particularmente notória no sector agro- -pecuário. Pode, pois, dizer-se que existe uma área de intercâmbio e de influência económica que ultrapassa a linha político-geográfica da fronteira. Este hinterland tinha uma abrangência regional e uma amplitude supra-fronteiriça. Muitos portugueses das localidades fronteiriças recorreram ao outro lado da fronteira para suprir as suas necessidades básicas do quotidiano. Urge ainda realçar que outros se deslocaram à Extremadura espanhola para adquirirem produtos alimentares (animais e azeite) e matérias-primas (lã). A conjugação dos dados do trabalho anterior com os que acabamos de apresentar permite dizer que há Portos Secos que tinham apenas uma abrangência reduzida (Terena), enquanto outros denotavam uma especialização ao nível de produtos que por eles passavam. 33 Fugiram a esta regra, António Rodrigues residente em Évora e José Femandes, residente em Portel. O primeiro, em 26 de Fevereiro de 1758, registou “17 porcas paridas com 54 bácoros”; e, em 2 de Março do mesmo ano, “6 porcas com 18 bácoros”. O segundo, em 17 de Setembro de 1758, pagou o imposto referente a 200 galinhas. José Mendes, residente em Valencita del Momboy é o único anotado nesta alfândega. Em 7 de Outubro de 1758 passou 99 porcos e 101 bácoros. As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 575 Bibliografia Fontes Arquivo Nacional da Torre do Tombo 1 - Alfândegas do Reino Mourão, Ia Caixa (cx. 1348) L° 1 : 1756-1757 L°2 : 1758-1759 Terena, Ia Caixa (cx. 11.826) L° 1: 1756-1759 Obras Específicas COSME, João, “As relações económicas entre Portugal e Espanha (1756-1759). O movimento dos Portos Secos de Castelo de Vide e Campo Maior”, in População e Sociedade, n° 8, CEPESE, Porto, 2002, pp. 179-201. DIAS, Luiz Fernando de Carvalho, História dos Lanifícios (1750-1834). Documentos, vol. I, Lisboa, 1958, pp. 59-61. MACEDO, Jorge Borges de, A Situação Económica no Tempo de Pombal - Alguns Aspectos, 3a ed., Gradiva, Lisboa, 1989. Melón Jiménez, Miguel Angel, Hacienda, Comercio y Contrabando en la Frontera de Portugal (Siglos XV-XVIII), Cicon Ediciones, Cáceres, 1999. MENDES, J. M. Amado, História Económica e Social dos Séculos XV a XX, FCG, Lisboa, 1993. 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Gaspar Gonçalves Galego Alandroal não refere 20 Jan. Manuel António Borba não refere 24 Jan. José de la Moreira — não refere 01 Fev. Padre João Cardoso Redondo não refere lOFev. João Gonçalves Madureira — não refere 14 Fev. José Roiz Termo Montemor 2 bois 15 Fev. Manuel Lopes Salvaterra não refere 08 Abr Prior Convento da Orada — Bácoros 17 Abr Manuel Martins Termo do Alandroal 6 cabras 27 Abr Manuel Martins Termo do Alandroal não refere 02 Mai João Marques Montoito Galinhas 08 Mai Frei Luís Vila Viçosa não refere 08 Mai Manuel Pereira — não refere 15 Mai Manuel Lopes Torres Vila Viçosa 2 bois 16 Mai Vicente ferreira Alandroal 2 bácoros pequenos 05 Jun Manuel Femandes — não refere 05 Jun Francisco Femandes Termo de Terena 1 porca, 1 marrão e 5 bácoros 22 Jun Manuel Femandes — não refere 23 Jun Alexandre Femandes Termo de Évora farroupos e bácoros 23 Jun Alexandre Femandes Termo de Évora não refere 18 Jul Francisco Mendes Alandroal Devaça 18 Jul Rodrigo Zagalo Estremoz lã e aninhos 18 Jul José Velada Ramalho Terena 1 novilho 26 Jul Alexandre Femandes Mora galinhas e frangos As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 577 Quadro N° 1 - Movimento Comercial de Terena em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 09 Ago Dr. José Esteves (médico) Redondo 3 farroupos 12 Ago Manuel Femandes Cheles 3 cargas de uvas 03 Set. Pedro Martins — não refere 07 Set. João Luísl Portel Galinhas 11 Set. Alexandre Gonçalves Portel Galinhas 21 Set. Francisco Peres Vila Viçosa Galinhas 01 Out. João Luís Portel Galinhas 03 Out. D. José de Vila Manuel Cheles 50 farroupos de vida - conde de Cheles e 52 fêmeas 03 Out. Bartolomeu Roiz Cheles 52 bácoros montanheiros 03 Out. Manuel Femandes Cheles Chibatos 04 Out. Manuel Femandes Cheles Bácoros 04 Out. D. José de Vila Manuel Cheles Bois - conde de Cheles 06 Out. Manuel Femandes Cheles bois e vacas 14 Out. José Martins Espanhol Galinhas 18 Out. Santiago Domingues Cumbre? (Espanha) Azeite 22 Out. Lourenço Romeiro Cumbre? (Espanha) Azeite 22 Out. Manuel Cantrom? S. António-Terena 1 vaca 27 Out. Lucas de Carvalho — não refere 21 Nov. Não refere — 10 farroupos e 8 fêmeas 25 Nov. Francisco Pires Vila Viçosa Galinhas 30 Nov. Francisco Brás Comprido — açafrão, ervas doces e alfazema 30 Nov. Manuel Granado Espanhol açafrão e ervas doces. 578 João Cosme Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 1 Jan. José Guerreiro — 14 porcos e 11 bácoros 1 Jan. Francisco Femandes — 14 porcos e 2 marranitas 4 Jan. Manuel João — 1 boi 7 Jan. Manuel Durão — 26 porcos 8 Jan. José Nunes — 17 porcos e 20 maiores 8 Jan. Diogo Serrão Infante — 37 porcos 9 Jan. José de Matos — 8 porcos e 2 farroupos 11 Jan. Antonio Joaquim Marrecos — 7 porcos e 2 marrões 12 Jan. Manuel Durão — 11 porcos 12 Jan. Mateus Mendes — 14 porcos 13 Jan. D. Francisco Delgado — 45 porcos 14 Jan. Sebastião Caeiro — 27 porcos pequenos 14 Jan. Domingos Xamorro — 13 marranitas 16 Jan. António Gonçalves Amigo — 8 bácoros 18 Jan. José Jorge — 3 porcas paridas com seus bácoros e 3 marrãs 18 Jan. Francisco Carvalho Granja 3 marrãs 19 Jan. Félis José Mendes — 2 bácoros 20 Jan. Manuel da Veiga — 1 arroba de pimento colorado 20 Jan. José Guerreiro — 41 porcos e 27 “mais pequenos”. 20 Jan. D. Francisco Boca Negra — 50 porcos e 86 “mais pequenos”. 20 Jan. Pedro Xillon — 6 porcos, 12 “mais pequenos” e 5 bácoros 20 Jan. Paulo Belmudo — 7 marranitos 20 Jan. Lourenço Barrocal — 42 porcos 20 Jan. Padre Francisco Montes — 48 marranitos 21 Jan. Manuel Xamorro — 23 porcos 21 Jan. Diogo Saraiva — 28 porcos e 27 “mais pequenos” 21 Jan. António Jacinto da Cruz — 47 porcos 21 Jan. Domingos Janeiro — 84 porcos 21 Jan. Diogo Serrão Infante — 77 porcos Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 21 Jan. Antonio Simões — 99 porcos, “onde entram 50 marranitas” 21 Jan. Francisco Luís — 27 porcos 21 Jan. João Rodrigues — 50 “bácoros pera vida”. 21 Jan. João Nunes — 10 “porcos e porcas” 21 Jan. Francisco Marim — 10 “marranitas, 5 delias maiores”. 21 Jan. José Martins — 23 farroupos 21 Jan. Padre José Ramalho — 1 boi e 1 novilho 22 Jan. Bento Mendes — 73 porcos 22 Jan. D. Francisco Gata — 91 porcos 22 Jan. José Serrano — 154 porcos 22 Jan. José Serrano — 80 porcos e 25 marrões 22 Jan. Bento Mendes — 98 porcos 23 Jan. Manuel Gonçalves Pincho — 9 bácoros pequenos 23 Jan. Manuel Janeiro — 18 porcos pequenos 23 Jan. Antonio Martins — 19 chibos e 5 cabras 23 Jan. Sebastião Caeiro — 63 bácoros 24 Jan. Francisco Xavier Vaz — 19 bácoros 24 Jan. José Rodrigues — 2 porcas paridas com 4 bácoros 24 Jan. José Lourenço — 37 marranitas e 7 farroupos 28 Jan. Pedro Lourenço — 30 alforges e 54 mantas de almafega singelas 29 Jan. Manuel Janeiro — 14 marranitos 29 Jan. Manuel Femandes — 9 cabras paridas e 3 forras 29 Jan. Antonio Martins Massaneiro — 18 bácoros 1 Fev. Bernardo Gomes — 46 bácoros 2 Fev. Diogo Saraiva — 24 marranitos 2 Fev. José Martins — 19 porcos pequenos 2 Fev. João Lopes — 26 porcos e porcas 2 Fev. José Guerreiro — 100 porcos e 45 mais pequenos 3 Fev. Antonio Simões Amareleja 48 bácoros e 9 marrões As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 579 580 João Cosme Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 6 Fev. Domingos Groceiro — 10 bacorinhos 6 Fev. João Serrano — 112 porcos 10 Fev. António Simões Amareleja 40 bácoros e 1 potro. 11 Fev. Rodrigo Alonço — 6 alqueires de grãos 11 Fev. Bento Mendes — 93 porcos 15 Fev. Damião Rodrigues — 2 jumentos 16 Fev. Manuel Simões — 78 bácoros 16 Fev. João de Chaves — 12 alqueires de “bolleta” 17 Fev. Manuel Femandes — 6 bácoros 20 Fev. Domingos Femandes Colaçc 9 bácoros 22 Fev. Manuel Durão — 12 bácoros 22 Fev. Manuel Xamorro — 92 bácoros “para vida” 22 Fev. Bento José — 60 galinhas 26 Fev. António Rodrigues Évora 17 porcas “paridas com 54 bácoros” 01 Mar Mateus Rodrigues — 1 jumento 02 Mar Domingos Femandes Colaço • — 18 bácoros 02 Mar Bento Dias Valente — 30 bácoros 02 Mar António Rodrigues Évora 6 porcas, “com 18 bácoros”. 02 Mar D. Francisco Serrão Guerra — 6 machos e 4 mulas “seris de almagro” 07 Mar Paulo Garcia — 20 mantas singelas e 14 alforges 08 Mar Manuel da Mota e Paiva — 33 bacorinhos 09 Mar Francisco Xavier — 2 marranitos 13 Mar José Alves — 70 bácoros “para vida” 14 Mar Bento José — 60 galinhas 18 Mar José Gomes — 2 arrobas de toucinho e 20 presuntos 21 Mar João Serrano — 4 marrãs 31 Mar António Mendes — 23 bácoros “para vida” Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 01 Abr João Pedro da Costa — 33 porcos 01 Abr João Gonçalves — 29 porcos pequenos 01 Abr Bento José — 60 galinhas 01 Abr Bento José — 60 galinhas 01 Abr Clemente Rodrigues Granja 20 “porcas paridas com seus leitões” 01 Abr Mnauel Guerreiro — 1 bacorinho 07 Mai José Rebocho — 1 jumento 17 Mai João Serrano — 100 “marrões para vida” 17 Mai Frei Marcos António — 2 bois e 1 rodado velho de carreta 17 Mai António Rodrigues — 2 porcas com 8 bácoros e 1 marrã 17 Mai Bento Dias Valente — 39 marranitos 17 Mai António Simões — 44 bácoros, “em que entra 1 marrã parida” 18 Mai Diogo de Serra — 60 porcos “ para vida” 18 Mai Diogo de Serra — 34 farroupos 18 Mai Diogo de Serra — 36 marranitos e 30 bácoros 18 Mai Bento José — 60 galinhas 18 Mai António Francisco — 9 bois 18 Mai Padre Tomás António — 2 bois 18 Mai António José Ferreira — 2 bois 20 Mai Domingos Femandes Colaço 33 bácoros 22 Mai Tiago José Colaço — 6 bacorinhos 23 Mai Antonia Loba — 70 leitões 24 Mai Diogo de Serra — 122 marranitos 27 Mai Bartolomeu Gil — 13 arrobas de aninhos pretos 28 Mai Francisco Escária — 4 marranitos 29 Mai Silvestre dos Reis Bisca — 1 bácoro 02 Jun Tomás António — 18 novilhos, 3 vacas paridas e 3 forras As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 581 582 João Cosme Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 06 Jun Álvaro José — 1 novilho 07 Jun João Garcia — 2 bois 15 Jun António Martins Monsaraz 50 bácoros 20 Jun Mateus Rodrigues — 2 bácoros 20 Jun José Gomes — 1 novilha 22 Jun João Serrano — 24 arrobas de aninhos 22 Jun Maria Gomes — 7 foséis (?) 24 Jun Estêvão Garcia — 1 carga menor de nozes e 1 canastra de cerejas 01 Jul Manuel Romeiro — 1 macho de almagro 08 Jul Padre Pedro da Rosa — 2 bois 10 Jul João Garcia — 1 rulim? 13 Jul José Femandes Cascão — 1 boi 13 Jul Diogo de Serra — 20 farroupinhos 13 Jul Cónego Bastos — 160 porcos grandes e pequenos 13 Jul Pedro Bamito — 2 mulas serris de almagro 14 Jul José Mendes — 408 porcos 14 Jul João Comprido — 13 bois e 12 vacas forras. 17 Jul Maria da Conceição — meia arroba de paios e presuntos, e 9 arráteis de cobre lavrado 24 Jul José Alves — 1 macho 26 Jul D. Francisco Serrão Guerra — 4 mulas seris de almagro 27 Jul Matias Caeiro — 11 vacas 27 Jul Bento Mendes — 14 novilhos e 8 vacas 27 Jul Tomás António — 26 bois, 3 vacas forras e 1 parida 27 Jul André Galinho — 1 jumento 27 Jul João Garcia — 1 boi, 10 vacas forras e 1 parida 27 Jul José Lopes — 2 machos seris de almagro 27 Jul António Urigas? — 8 alqueires de favas 02 Ago João Camacho — 2 cargas maiores de pêras Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 03 Ago Domingos António Freire — 1 jumento preto 04 Ago Pedro Martins Caldinho — 2 marranitos 04 Ago Florêncio Marques — 1 jumento serrado 04 Ago Estêvão Garcia — 2 cargas menores de pêras 14 Ago João Garcia — 27 bois e 1 novilho 14 Ago José de Morais Ramalho Monsaraz 18 colmeias e 4 cortiços 22 Ago António Jacinto — 1 jumento velho 27 Ago António Coca — 1 arroba de pimento colorado 02 Set Gil da Emister Companhia 24 arrobas de aninhos e 48 de lã. “Tudo branco, sujo, merino, da Raia de Castela. 06 Set João Comprido — 16 bois e 5 vacas forras 06 Set Bento Mendes — 43 bois 06 Set Bento Mendes — 17 vacas forras e 2 novilhos 06 Set Gil da Emister Companhia — 72 arrobas de lã branca, suja, merina 06 Set Bento Mendes — 3 bois, 1 vaca forra, 1 parida e 1 novilho 07 Set João Garcia — 57 porcos 07 Set Matias Caeiro — 208 porcos 07 Set João Delgado — 23 farroupos 07 Set Gil da Emister Companhia — 70 arrobas de lã branca, suja, merina 07 Set Gil da Emister Companhia — 47 arrobas de aninhos 07 Set Manuel da Mota Paiva — 30 farroupos, 1 vaca forra e 1 novilho 07 Set Gil da Emister Companhia — 76 arrobas de lã branca, suja, merina 07 Set João Serrano — 70 bácoros 07 Set Gil da Emister Companhia — 76 arrobas de lã branca, suja, merina Aí Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 583 584 João Cosme Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 07 Set Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de lã branca, suja, fina, merina 07 Set Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de lã branca, suja, fina, merina 08 Set Gil da Emister Companhia — 76 arrobas de aninhos, sujos, finos, merinos de Castela 08 Set Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de lã branca, suja, fina, merina 08 Set Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de aninhos, sujos, finos 08 Set Gil da Emister Companhia 21 arrobas de aninhos e 61 arrobas de lã (tudo branco, sujo e fino). 08 Set Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de lã branca, suja, fina 08 Set Gil da Emister Companhia 10 arrobas de aninhos e 13 arrobas de lã (tudo branco, sujo e fino). 08 Set Gil da Emister Companhia — 1 arroba de aninhos, sujos, finos 15 Set Fernando Flores — 1 carga menor de melacotões (pessegos) (sic) 17 Set José Femandes Portei 200 galinhas 17 Set José Mendes Valencita 40 chibatos 18 Set José Delgado — 100 farroupos 22 Set Francisco Rodrigues — 1 carga menor de peros 25 Set Fernando Flores — 2 cargas menores de alhos 28 Set Bento Dias Valente — 20 bácoros 28 Set “Denúncia” (sic) 1 jumenta, 2 jumentos, 3 sacos e 1 falda e mais trastes de conduzir trigo 03 Out Martim Afonso 7 dúzias e meia de cabiltaria? e 4 mantas de almafega singelas, por cozer Ai Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 585 Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 03 Out Francisco Dias — 1 carga menor de peros 06 Out Francisco Álvares — 1 jumento 07 Out José Mendes Valencita 99 porcos e 101 bácoros 07 Out Francisco Gomes — 44 porcos medianos 08 Out Manuel João — 36 porcos e 25 farropos 08 Out José Gomes — 72 porcos 08 Out António Ventura — 1 vaca forra 08 Out João Serrano — 80 marranitos 13 Out Gil da Emister Companhia — 70 arrobas de lã branca, suja, fina 13 Out Bento Mendes — 206 porcos 13 Out Sebastião Carvalho Camelo 295 arrobas de lã branca, suja, fina 13 Out Gil da Emister Companhia — 35 arrobas de lã branca, suja, fina 13 Out Sebastião Carvalho Camelo 110 arrobas de lã branca, suja, fina 13 Out Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de lã branca, suja, fina, merina 13 Out Domingos Salas — 50 farroupinhos 13 Out Sebastião Carvalho Camelo 100 arrobas de aninhos 13 Out Gil da Emister Companhia — 82 arrobas de aninhos, sujos, finos, brancos 14 Out Gil da Emister Companhia — 300 arrobas de lã branca, suja, fina 14 Out Fernando Alvarado — 60 marrões 14 Out Gil da Emister Companhia — 221 arrobas de lã branca, suja, fina 14 Out Sebastião Carvalho Camelo 62 arrobas de aninhos, sujos, finos, brancos 14 Out Gil da Emister Companhia — 122 arrobas de aninhos, sujos, finos, brancos 14 Out Gil da Emister Companhia — 300 arrobas de aninhos, sujos, finos, brancos 586 João Cosme Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 14 Out José Domingues — 3 cargas menores de peros 14 Out Gil da Emister Companhia — 30 arrobas de aninhos 18 Out Salvador Garcia — 93 alqueires de azeite 18 Out Manuel Ramires — 2 machos ordinários para serviço de carga 19 Out Padre Pedro da Cruz — 2 bois 19 Out Manuel Femandes — 3 cargas menores de peros 06 Nov Brás Antevim? — 2 marrãs 07 Nov Paulo Garcia — 46 mantas singelas de almafega, 3 dobradas e 95 alforges 07 Nov José Dias 16 mantas singelas de almafega, 20 alforges e 2 dúzias de cabristaria 07 Nov Julião Romeiro — 25 alforges 08 Nov D. José Ferralar — 25 arráteis de azougue 22 Nov António Rosa — 7 réstias de alhos e 6 arráteis de pimenta colorada 25 Nov José Gomes — 10 porcos 27 Nov Diogo da Serra — 12 porcos e 4 marrãs de Castela 27 Nov Diogo da Serra — 20 porcos e 4 marrãs de Castela 30 Nov João Nunes — 1 marrã 30 Nov Gabriel Salgueiro — 2 jumentos 04 Dez. Bento Martins — 1 marrão e 1 marrã 05 Dez. D. Manuel Gata — 33 porcos 05 Dez. D. Pedro Campanhom — 8 porcos 05 Dez. Manuel João — 26 porcos 05 Dez. José Nunes — 28 porcos 05 Dez. Gregorio Pousão — 21 porcos 05 Dez. Fernando Luna — 28 porcos e 7 marrãs 05 Dez. António Jacinto — 9 porcos As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763) 587 Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 05 Dez. Afonso Barrocal — 30 porcos 05 Dez. Vicente Luna — 12 porcos 07 Dez. José Lourenço — 3 tábuas e 3 paus de castanho 07 Dez. José Rodrigues — 5 porcos e 2 marrãs 07 Dez. João Pedro da Costa — 38 porcos e 25 farroupos 08 Dez. Francisco Luís — 16 porcos 09 Dez. José Rosado — 40 porcos e 61 marranitos e 1 marra 09 Dez. António Joaquim Marrecos — 16 porcos 11 Dez. Domingos Femandes Colaço 7 marrãs e 7 marrões 11 Dez. Tomás António — 18 alqueires favas e 16 alquires de bolotas 11 Dez. Tomás António — 77 porcos 14 Dez. José Vasques — 52 porcos pequenos e 60 maiores 14 Dez. António Martins Entrudo — 21 marranitos, 6 farroupos e 2 porcos 15 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 248 arrobas de lã branca, suja, fina, merina 15 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 335 arrobas de lã branca, suja, fina 16 Dez. João Pedro da Costa — 14 porcos 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 307 arrobas de lã branca, suja, fina 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 310 arrobas de lã branca, suja, fina, merina 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo 200 arrobas de lã e 40 arrobas de aninhos. Tudo branco, sujo, fino, merino. 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo 38 arrobas de lã e 50 arrobas de aninhos. Tudo branco, sujo, fino, merino. 588 João Cosme Quadro N° 2 - Movimento Comercial de Mourão em 1758 (Cont.) DATA NOME LOCALIDADE PRODUTO 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo 261 arrobas de lã e 21 arrobas de aninhos. Tudo branco, sujo e fino. 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 60 arrobas de lã branca, suja, fina 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 40 arrobas de lã branca, suja, fina 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo — 28 arrobas de lã branca, suja, fina, merina. 16 Dez. Sebastião Carvalho Camelo 133 arrobas de lã e 403 arrobas de aninhos. Tudo branco, sujo, fino, merino. 20 Dez. Diogo Serrão — 1 farroupo 20 Dez. José Guerreiro — 18 porcos e 18 mañanitas 20 Dez. José Guerreiro — 85 porcos 28 Dez. José Álvares — 14 porcos 29 Dez. António Joaquim Marrecos — 6 porcos 29 Dez. Estêvão Garcia — 6 cargas menores de nozes 30 Dez. José Rosado — 57 manões. 

O Porto Seco de Terena situava-se em Capelins - (Cinza)

Vila de Terena




quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A cozedura do pão das feiticeiras de Capelins

 Tradições de Capelins

A cozedura do pão das feiticeiras de Capelins
Noutros tempos, em Ferreira de Capelins, quando chovia e ao mesmo tempo estava sol, geralmente na primavera, no mês de Abril, a rapaziada ficavam admirados por chover com sol, não achavam normal e lembravam-se da lenga lenga "A chover e sol, estão as feiticeiras a fazer pão mole" e começavam a dizê-la em coro. Depois, alguns rapazes interrogavam outros: - Isto será mesmo verdade? E alguns rapazes afirmavam que sim, já ouviam isso aos avós e bisavós e a toda a gente da Aldeia! E logo outros propunham ir a percorrer os Fornos de cozer pão da Aldeia de Ferreira a ver se a ti Maria, a ti Antónia, a ti Chica e outras mulheres que tinham fama de ser feiticeiras, estavam a fazer a cozedura do pão naquele momento, e todos se prontificavam a fazer a rota dos Fornos do pão e partiam a correr debaixo de chuva, porque tinha de ser confirmado enquanto chovia e fazia sol, e os Fornos eram todos passados a pente fino, mesmo os que ficavam dentro de casas particulares, mas não era preciso entrar lá, porque se estivessem de cozedura o cheiro do bom pão cozido ou enquanto cozia chegava a grande distância, mas não avistavam as chamadas feiticeiras e voltavam ao ponto de partida encharcados até aos osso, mas arranjavam sempre alguma desculpa para manter viva a tradição da lenga lenga, e para não se renderem, cada um defendia a sua ideia, uns diziam que já deviam ter acabado a cozedura, àquela hora já era tarde, outros diziam que secalhar não precisavam de pão nesse dia, ou outra coisa qualquer, mas que o ditado era certo, disso a rapaziada não duvidava, e rematavam que mais cedo ou mais tarde as feiticeiras seriam apanhadas a cozer o pão, porque o dito não falhava.
Texto. Correia Manuel
Fotografia: Correia Manuel 2013
Forno Comunitário de Ferreira de Capelins



terça-feira, 2 de dezembro de 2025

História de Capelins Custo de um sepultamento na Freguesia de Santo António de Capelins no ano de 1835

 História de Capelins

Custo de um sepultamento na Freguesia de Santo António de Capelins no ano de 1835
No ano de 1835 na Freguesia de Santo António de Capelins, e não só, os sepultamentos ainda eram feitos dentro da Igreja, era impensável sepultar um Cristão fora de uma Igreja, se estava esgotada era acrescentada, ou faziam outra.
Vejamos quanto custava um funeral nesse ano e nesta Freguesia, sendo diferente se fosse um adulto ou um anjinho, ou seja, uma criança e por quantas partes se dividia esse valor. Os indigentes ou de extrema pobreza não pagavam nada.
Assim:
"Dos usos e costumes dos enterros desta Freguesia de Santo António de Capelins, Termo de Terena, Arcebispado de Évora, que achei quando dela tomei posse como Pároco a 12 de Agosto de 1835.
De encomendar uma pessoa grande ao pé da Igreja, uma Missa de corpo presente e Assento no livro tem o Pároco: -----------2.500 réis.
O Sacristão que acompanha tudo:--------------------- 740 réis.
A Fábrica da Igreja----------------------------------------- 400 réis
Custava o funeral: 3.640 réis.
Sendo a encomenda junto à Igreja, porque supõ-se que se fosse mais longe seria diferente, mais caro.
De encomendar um Anjinho ao pé da Igreja, uma Missa de corpo presente e Assento tem o Pároco:--------------------- 340 réis.
O sacristão que acompanha tudo: -------300 réis.
A Fábrica da Igreja: -------------------------- 200 réis.
Custava o funeral: -----------------------------840 réis.
O Pároco: António Laurentino Sopa Godinho
Diz o Sacristão Moreira, que quando querem Missa de corpo presente falem das duas, o Pároco tem obrigação dizer que tem o Pároco por esta 800 réis e o Sacristão 120 réis.
Lembramos que 1000 réis era 1 escudo.
No inicio dos anos 70, 1 pão de quilo custava 3.300 réis, ou seja, 3 escudos e 30 centavos.
Logo, não se podia morrer, o funeral era mesmo muito caro.

Texto: Correia Manuel

Este livro foi rubricado pelo Pároco José Agostinho da Silveira Gusmão.




segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Planta das sepulturas dentro da Igreja de Santo António de Capelins

 História de Capelins

Santo António de Capelins
Notícias
8 de Setembro de 2025
Documento do mês de agosto de 2025
Até ao séc. XIX, nomeadamente até 1840, era prática comum os corpos serem sepultados nas igrejas. É notória a existência de uma hierarquia dentro das mesmas, ficando as famílias de elevado estatuto social, como nobres, eclesiásticos ou pessoas abastadas com os lugares privilegiados junto aos altares e em capelas particulares, locais que segundo a ideologia católica os deixava mais próximos de Deus. Já o povo era sepultado no adro das igrejas em covas em que colocavam vários corpos, como podemos testemunhar nos livros de registos de óbito das paróquias, mas existiam algumas exceções.
Para documento do mês de agosto seleccionou-se a “Planta das sepulturas da Igreja de Santo António de Capelins” que se encontravam na Capela-mor, no Altar do Rosário e no Altar das Almas, para os sacristãos se orientarem na abertura das covas pela antiguidade dos enterros, regulando-se pelo número das mesmas. Em baixo consta uma sugestão para os párocos anotarem, nos registos, o número da sepultura em que enterravam os defuntos, para os sacristãos se orientarem na abertura da cova seguinte, e não enterrassem “…um corpo sobre outro antes de ser consumido…”, como já acontecera. Ao folhear o livro verificou-se que a maior parte dos párocos não aplicou o que lhes fora sugerido.
Arquivo Distrital de Évora

Correia Manuel






quinta-feira, 16 de outubro de 2025

A lenda da Micaela de Monsaraz

 A lenda da Micaela de Monsaraz

Aos trinta dias do mês de Novembro de mil setecentos e cinquenta e cinco anos, nesta Igreja de Santa Maria, Matriz de Monsaraz, baptizei e pus os santos óleos a Micaela, que nasceu no dia 01 de Novembro, filha de José Madeira e de Ignácia das Candeias. Assim, escreveu naquela data, o Vigário de Monsaraz, Pedro José de Morais. 

A Micaela foi a terceira filha deste casamento e a primeira menina na família, pelo que, era o enlevo de todos, até ao dia em que a sua mãe descubriu que ela era invisual e, foi como se o terramoto que tinha acontecido no dia do seu nascimento se tivesse repetido, o pai culpou a mãe por lhe dar uma criança cega, mas ainda ficaram na esperança de ser uma situação passageira e com o auxílio de algumas mézinhas ou rezas começar a ver, mas depois de ser vista pelos médicos da Vila de Monsaraz, por curandeiros e curandeiras da região, todos disseram que, como era cega de nascença, não havia nada a fazer, mas que ela, ia-se adaptando e podia fazer uma vida quase normal.

A família da Micaela ficou muito chocada, mas com o passar dos anos foram-se habituando à situação, e a inocente até era feliz, porque não conhecia mais nada, mas só tinha o amor da mãe, uma vez que, para o pai e para os irmãos deixou de existir, sendo substituída por outra menina que, entretanto nasceu, e todos os afetos eram para ela. 

A Micaela foi crescendo e, quando tinha oito anos, ficou sózinha no mundo, nessa época, surgiu uma epidemia que ceifou muitas vidas, entre elas, a de sua mãe, causando-lhe um grande desgosto.

A menina era maltratada por todos, o pai nunca a tratava pelo seu nome, para ele era "aquela coisa", e os irmãos sempre que se aproximavam dela, davam-lhe empurrões que a faziam cair e ela começou a ser muito infeliz, passando muito tempo a chorar em silêncio.

A Micaela conseguia fazer quase todos os trabalhos da casa, mas isso não chegava, porque os importantes nesse tempo, eram os trabalhos no campo, e ela sentia-se, e era um fardo para a família, então, quando fez vinte anos, o pai pensou em se desfazer dela, mas era certo que ninguém a queria para casar, então, mandou-a arrumar alguma roupa, porque ia sair de casa, e foi falar com um mendigo de Monsaraz chamado José, conhecido pelo Zezinho por ser muito bondoso, um pouco mais velho do que ela, disse-lhe que lhe dava Micaela e podia usá-la na mendicidade, decerto lhe davam mais esmolas por ela ser cega, e ainda lhe dava algum dinheiro, não lhe permitindo recusar.

 O pai da Micaela levou o Zézinho até à porta de sua casa, chamou a menina que já tinha alguma, pouca roupa, arrumada num saco de serapilheira, pegou-lhe num braço e deu-lhe um empurrão na direção do Zezinho, dizendo-lhe: Leva daqui esta coisa, a partir de agora é tua. 

O Zezinho pegou no saco, deu o braço à Micaela e levou-a para o seu pobre casebre junto à Ribeira da Pêga, fizeram o caminho sem dizerem uma palavra, quando chegaram, ele disse-lhe que ia tratá-la muito bem, que não tivesse medo dele, depois deu uma volta pelo casebre, muito devagarinho, e ia dizendo o que tinha na frente, ela ía tateando e conhecendo o pequeno espaço, por fim, ajudou-a a sentar-se num banco e começaram a falar sobre o que podiam fazer na sua vida e como ele não sabia fazer nada dos trabalhos rurais, restava-lhe continuar na mendicidade, como já faziam os seus pais, mas ela estava muito infeliz, não parava de soluçar, deixando o Zézinho muito triste.

Com o passar do tempo, a Micaela começou a ter confiança no Zézinho, ele dava-lhe muito carinho, coisa que ela não conhecia, nunca tinha sido tratada assim em toda a sua vida, falavam cada vez mais e ele começou a levá-la a dar alguns passeios, explicando-lhe tudo o que os seus olhos viam, dizendo-lhe que os olhos dele eram dos dois, e foi num desses passeios junto à Ribeira da Pêga e do Azevel que começaram a trautear algumas cantigas e davam tão certo que parecia que cantavam em conjunto desde sempre, e cada vez acertavam melhor, ao ponto de começarem a ser falados nos ranchos dos trabalhos nas herdades, causando muita curiosidade dos trabalhadores e trabalhadoras que começaram a pedir para os levarem lá para os ouvirem, eles acabaram por ir  e o sucesso foi tanto que, em pouco tempo, a sua fama já tinha passado os limites do Concelho de Monsaraz.

Por sugestão e insistência de alguns admiradores, um dia o Zézinho pediu a Micaela em casamento, ela que já estava apaixonada por ele, aceitou dizendo que nunca tinha sido tão feliz na sua vida e no dia seguinte foram falar com o Prior Francisco Xavier de Andrade, que tratou dos papéis de estilo e o casamento realizou-se na Igreja de Nossa Senhora da Lagoa, no Domingo dia 29 de Setembro de 1776.

Depois do casamento, quando iam a sair da Igreja, cruzaram-se com a irmã dela que, ao vê-la dirigiu-se a ela, o Zézinho pensou que a fosse felicitar e deu-lhe espaço, o suficiente para ela lhe dar um empurrão, dizendo: "O que anda esta coisa  a fazer aqui? A Micaela caiu desamparada, bateu com a cabeça na soleira da porta da Igreja, ficando estendida no adro a sangrar e inanimada.            

As pessoas que por ali estavam acudiram e levaram-na em braços para o Hospital do Santo Espírito, dos Irmãos do Espirito Santo de Monsaraz, situado ali na Praça, mas considerada já sem vida, porém, como foi logo socorrida, passou alguns dias entre a vida e a morte, até que, numa manhã abriu os olhos e deu-se um milagre, que foi atribuído a Nossa Senhora da Lagoa, porque, desde sempre, ela lhe rezava e pedia para a deixar ver, e aconteceu, começou a ver, ninguém acreditava nela, mas perante o que ela dizia que tinha na sua frente, tiraram as dúvidas.

Este milagre, foi falado por toda a região, até além da fronteira e, surgiram muitos romeiros em Monsaraz a rezar e a fazer pedidos a Nossa Senhora da Lagoa.

Depois de passar algum tempo no hospital, a Micaela teve alta e, já casada, foi com o Zezinho para o seu pobre casebre, onde ele continuou a tratá-la muito bem e a partir daí, ela passou a ser conhecida por Micaela dos milagres e, passados uns meses voltaram à vida das cantigas, a cantar e a encantar, cantavam nas Vilas e Aldeias, nas herdades e nos Montes dos Lavradores de toda a região, ainda cantavam melhor do que antes do casamento e já não conseguiam ir a todos os lugares que lhe pediam.

Embora não ganhassem muito dinheiro, passados uns tempos, conseguiram comprar uma casa na Vila de Monsaraz e deixaram o velho casebre, foram nascendo filhos até três que acompanhavam os pais por todo o lado, montados na sua burra e, existia uma grande felicidade naquela família de cantantes, nunca imaginada pela Micaela que, algumas vezes pensou em acabar com a sua triste vida, quando era maltratada na casa onde nasceu. 

Mais tarde,  a Micaela aproximou-se da família, perdoou-lhe o que lhe tinham feito e auxiliou os irmãos e o pai, que sofreu muito no fim da sua vida, e foi ela que o ajudou a aliviar o seu sofrimento. 

Bem Haja Micaela


Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto 


Igreja de Nossa Senhora da Lagoa




domingo, 28 de setembro de 2025

A tradição deixada em Capelins pelo espanhol de Cheles

 A tradição deixada em Capelins pelo espanhol de Cheles

Nos tempos de outrora, uma das piores famas que alguém podia apanhar nas terras de Capelins, era a de malandro, que se podia colar de várias maneiras, uma delas, era no caso de passar muito tempo deitado, fosse numa cama, num camalho, numa tarimba, ou no chão, as pessoas que sabiam disso diziam logo que, era um malandro, porque estava sempre deitado, já que, exceto os idosos e crianças, toda a gente se tinha de levantar muito cedo, ao romper da manhã.
Quem tinha o azar de apanhar a fama de malandro, já não conseguia livrar-se dela e podia ser a sua desgraça, porque era apontado por toda a gente e, nenhum lavrador o queria a trabalhar nas suas herdades, logo, se não tivesse meios próprios de subsistência, tinha de emigrar para onde não fosse conhecido.
Como o trabalho do campo era muito duro, os trabalhadores precisavam de muito descanso, e o melhor descanso para o corpo era deitado, mas os trabalhadores só no tempo das sestas se podiam deitar durante o horário de trabalho, no tempo definido para a mesma, fora disso, se tivesse o azar de ser apanhado deitado, mesmo no chão, podia ser apontado de malandro e bastava correr o boato pela Freguesia, já estava arrumado.
Essa situação mudou na Freguesia de Capelins quando um espanhol muito influente, que tinha uma herdade para cá do rio Guadiana, implementou o dito: "Pra sentáu, dêtau", ou seja, "para sentar, deitar", assim, ordenou aos seus criados para sempre que tivessem uma folga para a bucha, para o jantar (almoço) ou para a merenda, em vez de se sentarem, deviam deitar-se, estender-se no chão com a parte superior do corpo mais elevada para poderem comer e beber sem se engasgarem e o resto do corpo ficava estendido a descansar, assim, fossem os minutos que fossem, o corpo descansava, era bom para os trabalhadores que descansavam um pouco e para o espanhol, porque depois recomeçavam o trabalho com mais energia, davam mais rendimento ao lavrador, e quando algum criado se esquecia e ficava sentado, ele ou o feitor dizia-lhe: Fulano tal, "pra sentau, dêtau" e eles deitavam-se, e sendo assim, não contava para a fama de malandro, porque o fim não era deitarem-se, era sim a de comer, apenas aproveitavam a ocasião, sendo o chamado dois em um.
A moda do espanhol foi-se alargando às outras herdades e ao longo dos tempos, nas terras de Capelins, os trabalhadores do campo, e não só, sempre que tinham uma folga do trabalho, em vez de se sentarem, deitavam-se, mas antes avisavam, que era ao abrigo da lei do espanhol, "pra sentau, dêtau", por isso, não somava pontos para a fama de malandro, e toda a gente concordava.
Esta tradição era muito mencionada na Freguesia de Capelins pelos mais antigos e, quando a rapaziada lhe perguntavam se tinham conhecido esse tal espanhol e de onde é que ele era, respondiam que não tinha sido no seu tempo e nem dos seus avós, já vinha de muito atrás, e o espanhol era além de Cheles.
Assim, o espanhol de Cheles, deixou-nos a tradição do, "pra sentáu, dêtau", como diziam os mais antigos da Freguesia de Capelins.

Texto: Correia Manuel

Fotografia: Correia Manuel



domingo, 7 de setembro de 2025

História de Capelins e de Terena 1462

 História de Capelins e de Terena 1462

Os gados vindos de Castela passavam no Porto das Azenhas D'El-Rei na Vila de Ferreira, atual Freguesia de Capelins, Concelho de Terena e eram controlados por João Afonso.
Carta de nomeação de D. Afonso V a João Afonso, escudeiro de Diogo da Silveira, conselheiro régio e escrivão da Puridade, para o cargo de contador de todos gados que entram no reino vindos de Castela, pelo termo da vila de Terena.
Descrição
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Identificação
Entidade detentora
Ator
Arquivo Nacional Torre do Tombo
Nível de descrição
Documento Simples
Identificadores
Código de referência
PT/TT/CHR/I/0001/155
Cota atual
Chancelaria de D. Afonso V, liv. 1, f.26
Datas
Produção
1462-05-29
1462-05-29
Criação
1462-05-29
1462-05-29
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Correia Manuel


Carta de D. Afonso V




Alfândegas dos Portos Secos de Terena e de Mourão 1756 - 1761

  Revista Portuguesa de Historia t. XXXVI (2002-2003) pp. 565-588 (vol. 1)  As Relações Económicas entre Portugal e Espanha (1756-1763).  ...